A mulher no corredor foi apenas a
segunda mulher que amei. Às vezes os insanos me pedem para explicar... Como se
cheiros, sensações e impressões pudessem mesmo ser resumidas. Não podem. Quiçá
poderão ser descritas? Não, não podem. Defini-la ou definir-me no meu estado de
torpor é apenas um jeito inédito de perder tempo, mas se o tempo também é meu,
desperdiço-o como quiser. Se acaso sugerir que as estrelas falam, você
acreditaria em mim? Há quem diga que estourar plástico bolha é relaxante, mas
você seria capaz de convencer alguém disso? Explicado este fato, apresento
aqui, na medida do possível, todas as verdades quais eu pude absorver em um
momento de epifania. Contarei de como ela foi capaz de me fazer suprir a
ausência que sinto de mim mesmo. Minha própria maneira de estourar bolhas. Falar sobre a segunda mulher que amei seria
impossível até mesmo para Tom Cruise, mas amá-la, por outro lado, é uma missão
acessível até mesmo para Robinson Crusoe. Ressalto, porém, antes do inevitável sobressalto:
não pergunte quem ela é.
Você vai pensar que eu
enlouqueci, eu sei, mas confesso que, na verdade, foi pelo vulto dela que me
apaixonei. Cada dia seu andar tinha uma postura diferente e eu? Abarcava tudo o
que podia enquanto me enchia por meros lampejos de felicidade adolescente. Não,
os vultos nunca mentem e minha animosidade jamais arrefecia quando se deparava
com eles. Respirava fundo, acelerava meus passos, ansioso para tornar a
imaginação em figura. Quando o rosto finalmente era revelado, aquela velha
sensação se quebrava e me dominava a amargura. Um conselho fossilizado ressoa
na consciência: nem mesmo a ilusão perdura. Retiro meu chapéu invisível e faço
uma mesura. A mulher passa e no corredor do hotel a luz fraca revela sua pálida
brancura. Deve ter pensado que eu estava embriagado. Sorrio e insinuo minhas desculpas.
“Eu te confundi ainda agora com alguém. Perdão, senhorita. Boa janta e fique
bem. Não sou quem você procura”. Esta era simpática e recompôs sua postura. Estava
de calça de couro, mas imitou uma antiga dama. A delicadeza dos movimentos numa pintura. Toda
mulher sabe como tratar quem do jeito certo a ama. Compreendem melhor que os
homens que nem tudo que é belo perdura.
A rotina de uma semana gira em
loop em minha cabeça. Vou narrar um pouco desta aventura, antes que eu me
esqueça. Os dias parecem iguais, mas são sutilmente diferentes. O segredo para
se adaptar é acreditar que nada é permanente – nem mesmo o que se passa no
coração inocente. Descia mais cedo que todos – todos os dias. Gosto da minha
particularidade nos cafés da manhã, mesmo entre os desconhecidos novos colegas.
Todo mundo merece ser aplaudido de pé ao menos uma vez na vida? Auggie tem
razão, mas tenho minha própria opinião e vou dizê-la. Pois bem, acredito que
todos mereçam uma semana de café da manhã reforçado em uma boa rede de
hotelaria. Cheguei junto dos velhos enrugados e narigudos; mal vejo a hora de
ser um deles. No metodismo nos equiparamos: minhas refeições são sempre iguais:
café, ovos, lingüiça, bolo de laranja, bolo formigueiro e um croissant. É
preciso homenagear os franceses de quando em quando. Os velhos parecem retratos
nas paredes, incorrigivelmente repetitivos em suas posturas curvadas e tortas,
mas uma criança chuta a porta de uma reluzente Mercedes e aparentemente ninguém
se importa. O garoto desafia a observação dos poetas: a constatação é que todo
pequeno nasce asceta. Ignoro o menino, mas não recuso o aprendizado. Só pais de
comportamento viperino criam um garoto tão mimado.
Subo para o meu quarto. Peguei
uma maçã para comer mais tarde. Percorro o corredor enquanto finjo que sou um
arremessador, mas subitamente paro. Uma mulher vem andando distraidamente.
Conheço-a pelo faro. É mais sonhadora que eu... Seu vulto parece com a alma do
universo. Quando seu rosto se revela, ela me lança uma estranha olhadela e pergunta do que eu preciso.
A pergunta vaga me faz viajar, mas observo atento que ela não tem a magia que
procuro no olhar. Deixo escapar um largo sorriso. “Obrigado, mas você não é
quem estou a procurar”. Afinal, eu havia enxergado errado. O universo não
estava ali. No dia seguinte o vulto da mulher
se aproximou com pressa. O jeito de andar exalta que ela é alguém que só baixa
os olhos para o que a interessa. Os passos barulhentos do salto alto pisam em
qualquer encanto ou feitiço ancestral. De que adianta procurar em um robô,
qualquer resquício da inocente vestal? Eu teria interesse nesse tipo de mulher,
afinal? Seria mais fácil se eu estivesse procurando alguém de verdade.
Tudo isso aconteceu em apenas uma
semana. Eu me encantei com os diferentes formatos de imaginação reproduzidos no
corredor. Juro que falo a verdade, embora não necessite do consentimento de
vocês. O pragmatismo estava me matando e a sensação crescente de tumulto me
fazia sentir vontade de sair correndo até me cansar. Consolei-me ao ler diários
de homens e mulheres jamais compreendidos. Seria bom ter alguém para abraçar
hoje ou apenas alguém para me ouvir falar debilmente sobre meus livros
favoritos, mas tudo bem. Seria bom planejar o roteiro da viagem ao Japão, mas
tudo bem. Seria bom sonhar que meus livros podem mudar o mundo e encontrar
convicção em um olhar gentil e astuto. Eu diria Geffenia e você iria entender. Há sorrisos tão preciosos que, ainda
que os veja uma vez a cada dois anos, enchem-me o coração de recordações
luminosas. Conforto-me com as lembranças de uma felicidade pueril que talvez eu
jamais possa recuperar. Faço perguntas e não confiro as respostas. Quero que
digam, mas nem sempre quero saber. Transtorno pessoal, normal, quem liga para o
que vai acontecer?
Talvez tenha apelidado uma
Gabriela de Ana, uma Isabela de Júlia e uma Beatriz de Michele, mas unicamente
pelo pretexto de que não sabia seus nomes e honestamente nem queria saber. Desculpe
se pensei nestes nomes de maneira errônea. Não esquecer é uma regra do meu
coração. Quando digo os nomes em sussurros secretos, sinto-me um andarilho
discreto, hábil em disfarçar minha solidão. Seria incrível não estar sozinho
esta noite, mas tudo que eu possuo são espaços calculados para abrigar minha
tristeza. Contemplativo, percorro minha vida desde o momento em que minhas
memórias são exatas e precisas. Basta de imaginação. Preciso arrumar o rumo de
minha vida, reflito quando me surpreendo com o tardar da hora. Entro em luto após
mais uma despedida. Quem eu fui um dia está morto agora.
Terei de fazer um breve resumo
sobre as últimas situações, pois não sou suficientemente hábil ou talentoso
para prender pessoas livres aqui por um período longo. A sombra da quarta
mulher me deslumbrou; a da quinta me ofendeu; a da sexta me paralisou e a com a
da sétima, eu chorei. Todas as mulheres possuíam diferentes aparências e
essências, mas seus vultos eram quase idênticos. Deslumbrantes e capazes de
tudo. Não me assustavam, mas me deixavam extasiado. Não havia façanhas
impossíveis para elas. Enfim, agora chegava o momento de
me despedir daqueles corredores escuros quais diversos vultos me desafiavam ao
amor. Orgulhoso, aceitei o desafio, ainda que incerto sobre meus atos. Amei
tantas sombras desconhecidas, ainda que ninguém tenha visto de fato. Às vezes é
uma maldição ser alguém com pouco tato. Ainda que a alma seja nobre, eles te
insultarão por ser miseravelmente pobre... Vil sonhador barato.
Despedi-me do hotel e com a
partida me despi de uma semana de solidão. No aeroporto carreguei o segredo da
vida. Todos que entravam em contato comigo, presenteavam-me com diversos sorrisos
e secretas orações. Suponho que por algumas horas, eu mesmo tivesse olhos
mágicos. No Mc, uma mulher de verdade, muito mais que um vulto, tirou os
sapatos para apoiar os pés no sofá. Cem mil vezes mais que uma sombra. A sua
atitude demonstrava personalidade. Na pressa de retornar à minha cidade e no desespero
de amar alguém que fosse mais que um mero vulto, eu me contentei em admirá-la
discretamente. As mulheres já sofrem o bastante para terem de lidar com os
curiosos e intrometidos. Ela estava relaxada e eu não queria estragar isso. Além
do mais, eu ansiava mesmo em retornar à minha cidade. Decidi seguir o meu
percurso. A vida se acelera e os minutos passam mais rápido. Logo será o dia
das bruxas, o dia dos mortos e o dia do natal. Logo quem nasceu em 1989 terá 30
anos e os de 1992 pensarão que são velhos arrelientos. Logo tudo vai mudar e
todos os momentos bons de agora vão se perder em um buraco negro. Terá de
reaprender a ser feliz com uma vida completamente nova, que hoje o enche de
medo. Sento-me vagarosamente no assento 17D. Sinto um estremecimento acompanhado
pela pesada vibração do avião. Este pássaro de metal corta o vento enquanto
devaneio sobre novos roteiros de ficção. Amanhã é sábado e depois é domingo e
depois outubro. A vida passa e não encontro um sentido para tudo o que eu faço.
Isso me relaxa... Às vezes é melhor não ser tão cheio de si. Observo pela
janela as luzes das cidades durante o caminho. Penso nas pessoas que amo e nos
desconhecidos que quero amar. É a sina de quem é assim tão sozinho...
Dou
nome a todas as coisas, exceto à segunda mulher que amei. Não sei dizer se foi
engano, mas o amor não segue qualquer plano. Digo com segurança que ainda
prefiro amar, ainda que o objeto de tanto amor seja uma ilusão. Não há vergonha
em não ser completamente são. Quem sabe um dia, eu possa ser sólido e capaz de
voar; ao mesmo tempo conseguir agüentar; raramente oscilar... Como faz todo e
qualquer avião. Ah, mas é incrível o que se observa quando sobrevoa uma estrada
qual costumava percorrer andando ou dirigindo. Sob novas perspectivas você
conclui que o mundo é lindo. Quando menos se espera a gente se pega sonhando e
sorrindo. Pensando em todos os amigos e amores ou em como nossas vidas são fugazes;
em refeições maravilhosas ou bebidas quentes compartilhadas com amigos em bares;
em dragões, furacões, verões e também nos antigos lares; na solidão necessária
para o crescimento ou na provocação fundamental para o enfrentamento. Por fim, penso naquela
que um dia foi a mulher da minha
vida; aquela que amei mais do que a mim mesmo. Em seguida, eu penso em
centenas de vultos que me bagunçam e me fazem querer vagar a esmo. Continuo
sendo decente e ridículo. Nunca fui suficientemente bom para qualquer outro,
exceto eu mesmo. Tento revelar a face de cada vulto, mas cada vulto se revela
em seu próprio tempo. Queria poder amar todas essas sombras agora, mas suponho
que deva esperar pelo devido momento. Sigo fazendo o que posso e se não for o bastante hoje, amanhã novamente eu tento.
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Desejo uma ótima semana aí pra vocês todos. Fiquem bem!
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