sábado, 24 de novembro de 2018

Há amor depois do amor?

     Meu único amor, eu tenho te esperado por tanto tempo. Por onde é que você anda? Soube meias notícias sobre você, meias verdades apenas, mas custei a acreditar nos boatos. Por onde erra você? Jaz no sono eterno ou eternamente se perdeu no vento? O porta-retratos com a velha foto ficou exposto por algum tempo na sala vazia, mas muitos começaram a achar estranho que eu ainda a ostentasse, mesmo tendo a perdido. Depois veio outra mulher em um porta-retratos novo. Nunca a vi, mas ela se parece com uma menina de cabelo colorido, então, deixei ela na sala para colorir minha imaginação. Todos que antes se incomodavam com a foto antiga, perguntam agora quem é a nova. Sorrio. Uma modelo qualquer de algum lugar qualquer. E o que aconteceu com a antiga? Ora, eu sou descuidado. Em um equívoco legítimo, alguns dirão que eu a perdi mesmo, mas importa tanto assim o meio se o fim é igual? Que seja a perda então. E se eu dissesse que mesmo com a perda, eu ainda ganhei? Há uma parte que será, até o dia de nossas mortes ao menos, eternamente minha, eu sei. Entendo sua partida, pois “o amor não enche barriga” e apontar o dedo por deduções é algo mais comum do que se imagina, mas quem é que diria? Quando me tornei certo de que você não voltava, a insuportável invernia no meu coração piorou e eu só rezei para melhorar. Rezava para quê ou para quem? Não sei dizer, mas cada uma das raras lágrimas que derramei escancarou minhas fraquezas. Choro é fuga. Que razão há no mundo para um homem de sonhos profundos se lhe tiram o que mais ama? Que razão não há para tudo ignorar e viver isolado vestindo o mesmo pijama? Fuga no sono, queda dramática, cama. Infelizmente até em meus sonhos, onde sento em um vistoso trono, você me chama. Por que faz tanta questão de me possuir se nunca mais foi capaz de me desejar?

     O fim da vida é a morte e hoje pouco ou nada me interessa devanear sobre o que há depois. De que importa, afinal? Eu só gostaria de saber se há amor depois do amor, pois com a última batida pesada da porta, imediatamente soube que meus sorrisos não seriam os mesmos. Há ilusões de paraíso para meros vagabundos à esmo? Meus medos me consumiram. Hoje é sábado, 9h10, mas estou em um escritório. Nos meus sonhos mais antigos isto é como comparecer ao meu próprio velório. Lancei eu mesmo a flechada que perfurou a minha armadura. Fadado a viver em batalha, constatação de uma gama de falhas, uma voz que ecoa: A vida é dura. Já não penso mais sobre o amor, pois se há esperança de perseverar nele, esta esperança apenas é alimentada nos momentos em que é impossível raciocinar. A lógica é inimiga do sentimento. Se pensar com clareza pode concluir que nenhuma ou todas as suas atitudes foram capazes de influenciar alguém. Adianta disparar a arma quando a vida tomou reféns? Que há por de trás do ódio senão a candura? As faces de escárnio, todas secas, horripilantes, lançam olhares mortificados para os que ainda se preocupam. Quanto tempo nós temos? O que é que fazemos aqui?

     O não pensar nos faz livres e o pensar nos faz prisioneiros, por tal, digo que é mais feliz aquele que nunca aprendeu a raciocinar. Aquele que não sabe que o mundo é gigantesco, não sente falta de conhecer sua imensidão, pois o resumo em que vive o basta para se satisfazer e ser feliz. Quem é louco de querer ser apenas feliz? Aquele que pensa, age ou não, mas inevitavelmente se compunge pelas façanhas realizadas ou por aquelas que deixa de realizar. Aquele que não pensa, porém, age e a extensão de seus porquês se encerra na própria razão que o levou a agir. Furtei um pão, pois senti fome. Se não fui preso, fui feliz. Se fui preso, não fui ladrão bom o suficiente. Era preciso fazê-lo e aqui se encerra a existência da questão. Não há razão para questionar se é moralmente correto tomar o pão; foi necessário. Há amor para os tolos? Sim! Principalmente para os tolos, mas sigo em minha racionalidade banal ao me perguntar: há amor depois do amor?

     Alguns que me leem me acham inteligente. Outros me tomam por um tolo infantil. Estou amadurecendo ainda e sou qualquer coisa entre criança e adulto; entre o divino e o cético; entre o pueril e o razoável. Se me consideram imbecil, provavelmente estão certos. Se captaram em minhas palavras algum vislumbre genial, pode até ser que ele também exista. A felicidade é para quem sabe agir esquecendo-se de pensar ou para quem sabe olhar para o que possui, sabendo que possuir é mera ilusão. Talvez a palavra ilusão sintetize a ideia errada, pois possuir é ainda menos. Na realidade, nós não possuímos, em regra, nem a nós mesmos e somos condicionados a fazer coisas que muitas vezes não queremos exclusivamente por uma vontade que nos leva ao que desejaríamos que fosse. Possuir é expectativa longínqua de ilusão. Tudo que não existe em ação e solidez é mais real para quem raciocina. A imaginação é importante, pois é nela que se firmam todas as nossas teses e se continuamos a acordar no dia seguinte e no dia depois, é, apenas pelo fato de que em um lugar dentro de nós, existe uma fé cega em nossas próprias capacidades. Antes de Deus ou da ideia de Deus ou de qualquer ideia que não o envolva, a realidade nos guia para uma fé cega em nós mesmos e quanto mais arrogante somos em pensamento menos altruístas (verdadeiramente) tendemos a ser em nossas atitudes. Há humildade só no agir simples. A bondade na simplicidade é geralmente discreta. Desconfie dos que fazem barulho por qualquer coisa. Afaste-se dos que sentenciam à morte quem cometeu qualquer erro frugal. Se puder, seja humilde, peça desculpas, mas evite se humilhar. Não devemos baixar a cabeça, pois não somos servos de Rainhas ou Reis. Acaso não possa ser humilde, seja coisa nenhuma. Ainda que cada indivíduo seja a meditação contemplativa da memória do que um dia foi, o que ele é agora é apenas expectativa do que o que imagina ser.

     Assim, por ora, encerro em mim todas as questões existenciais essenciais tanto como as francamente patéticas. A chance de que os cruéis, os pernósticos, os ascetas e os desmedidos sejam felizes é absurdamente maior do que a chance de felicidade dos ingênuos e dos coerentes. A ausência de culpabilidade, o não remorso, faz com que a arrogância predominante da alma se eleve. Elevado, supostamente há leveza no ser, mas não o há, porém, para os que se martirizam por erros que nunca cometeram. A própria expectativa de liberdade geralmente é uma artimanha ilusória para com a verdadeira liberdade. Somos prisioneiros da suposição do que poderíamos ou deveríamos ser.  Associamo-nos à pessoas degradantes para nos impedirmos do privilégio de pensar. Juntamo-nos aos réprobos, pois queremos evitar a solidão. Que sentido há em viver? Há sentido em qualquer coisa? Tornar o sonho real faz com que se perca a possibilidade do sonhar, mas, creio, embora sem forçar expectativas demasiadas, que realizar o sonho nos torna complacentes. Se é importante ser bom ninguém jamais soube dizer. Do mesmo modo ainda não tenho a resposta para a pergunta que me fez escrever e pensar inutilmente em tudo isso. Há amor depois do amor? Há lealdade em um mundo de oportunistas? Para o que se vive é o mesmo para o que se morre? A palavra futuro é ridícula. Tudo que é, obviamente, é agora. Erro-me por medo de não ter errado o bastante, pois deveria ter dito algumas coisas que não disse. Ainda assim, quando tive a oportunidade de dizer, falei muito em silêncio, mas quando tentei me expressar com a voz, disse tanto e ainda assim nada transmiti. Como são curiosos os caminhos, vê? Forçaram-me a estar aqui neste sábado. Lancei um débito errado e esqueci de dar o desconto de um centavo. Na segunda-feira cedo, eu vou perder mais trinta minutos da minha vida por isso, mas o que serão trinta minutos quando já estou fadado a perder nove horas? Desejo o tempo livre que tinha. Desejo ser um pouco mais do que fui e um pouco menos do que sou. Não penso para depois. Não passo para depois. Sou o que sou e sou agora. Apenas isso importa, mas que há de acontecer?

     Não há justiça no mundo. A ordem é uma palavra inventada para frear o eterno caos que passa por cima de tudo. Por dentro, quase todos, vi com meus próprios olhos e senti com minha própria carne, são selvagens. Parte de mim também compartilha dessa animalesca selvageria, mas sou um desses coitados infelizes que se presta a pensar além do próprio umbigo. Constatei sem derramar lágrimas que só há felicidade destinada a mim em sonhos. O mais belo deles se resume em um homem recostado em uma árvore lendo um livro; uma mulher cochila está deitada nas coxas dele. Uma menina, um menino e um cachorro correm ali perto, exultantes, ninguém saberia dizer o porquê. Respiro longamente e sou toda aquela cena. Se sou o homem, sou feliz. Se sou a mulher, a filha, o filho ou até mesmo o cachorro, sou igualmente feliz. Se sou a árvore que observa aquele instante, viverei mais por conta disso. Se sou o sol que faz suar as crianças, sorrio, mas cedo espaço à chuva, pois creio que ainda aqui cabe um arco-íris nesta utopia. Sonha-se acordado, vive-se dormindo. Não há rumo novo. Não há alegria nova. Felicidade é ser e ser é existir sem expectativa e sem pensar. Os outros decidem muito sobre nós; eles não importam. Decido-me hoje sobre alguns desejos matreiros velhos desejos ainda matutam em meu coração. Quero fazer uma viagem para fora do país, pois não quero entender completamente as línguas que falarão comigo. Que seja uma aventura. Quero descobrir o que há depois do mar, para onde os dragões verdes partem e onde dormem os corações partidos. Quero descobrir se há morte após a vida ou se até isso é ilusão. Quero desenrolar meu próprio ser, eu mesmo me saber, entender meu coração. Quero descobrir se há como viver desperto, além dos sonhos e se há amor depois do amor. Talvez nada disso te faça sentido, raramente sinto o sentido, mas ainda assim, é uma jornada longa e dura para que eu a faça sozinho. Quem sabe alguns se juntem a mim antes, durante ou ao final do caminho? Tanto faz. O pouco que sei é insignificante, sigo inconstante, chutando para longe os mais belos diamantes. Quero sonhar acordado, não pensar nos dilemas morais, fazer algo pela existência, mas me aflijo ao pensar, há como acreditar neste mundo que vive por aparências? Não sei. Partirei em breve. Se quiser ir comigo, será bem-vindo. Prometo que será leve, mas não sei se será lindo. Desconheço o destino ainda, mas chegaremos aos lugares que pretendemos. Saiba que está convidado a ser parte da minha tripulação. Tudo bem se ainda tiver medo, nós vamos nos superar. Coragem não é ausência de medo e por de trás um mundo de segredos quem sabe eu ainda possa amar.

Uma espécie de limbo tenta me engolir por mais uma semana,
mas ele se engana se acha que esse espaço vazio me fará desacreditar...
Se há amor depois do amor? Eu me pergunto e me respondo: claro que há. 


segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Não se cale, por favor.


     Não se cale, por favor. Diga-me, eu imploro! Fale sobre todas as tolices de seu coração pueril. Narre todas as suas histórias dramáticas, eu quero conhecê-las. Conte-me sobre essa tua nova fase, conte. Ora, por que parece tão terrível contar algo assim?

     Diga-me tudo o que estiver disposta sobre a nova brisa que direciona sua vida. Eu mal te conheço, mas adoraria te conhecer. Fale-me mais sobre sua cor favorita; conte-me sobre o que considera abjeto; erga a voz e desfaça o meu tom mais discreto. Diga-me agora: quais são os seus animes e filmes secretos? Por que não tenho uma chance de conhecê-la? Será que já (ou ainda) nos conhecemos?

     Ora, não se cale por minha causa. Eu sentiria tanto a falta da sua voz (que escutei uma única vez). Não se intimide, se eu parecer inteligente. Também peço para que não me humilhe, se eu não parecer. Posso soar inocente ou estúpido, se você disser que posso. Posso ser tudo o que sou e até um pouco do que não sou (embora prefira me ater a mim). Sou mais do que as impressões que passo, mais que as partes que me formam. Ao buscar o reconhecimento de minha identidade em outros olhos, hoje não faço mais confusão. Sei o que busco. Barganho pela melhor ilusão. 

     Quero ser aceito mais do que quero ser compreendido. Quero conhecer alguém que admita, sem pudor, que adoça o café, come bolos de laranja e odeia frutas. Quero alguém autossuficiente ao ponto de dizer que refrigerantes são melhores do que sucos e que os civilistas são a ruína do século. Então nós vamos discordar e rir, pois te direi que a graça do café (se é que tem graça) é que ele só funciona sem açúcar. Sorriremos juntos e brindaremos por estarmos vivos.

     Não se cale, por favor. Expresse-se com toda a sua alma. Grite sua intrepidez e celebre tua calma. Mostre-mais da sua verdadeira face. Já não imaginou coisa melhor que essa? Claro que se supôs em um pesadelo mais sombrio também, certo? Há quem diga que todo cão que mora em um apartamento deseje a rua, e, todo cão da rua deseje um apartamento. A fuga do "eu" é um problema insolúvel. Mal sei cuidar de mim e dos meus desejos, mas sou, às vezes, presunçoso ao ponto de acreditar que meus livros poderão mudar o mundo. Poderão? Que tipo de cão eu sou? Utopia colorida ou objetivo traçado? Não sei, não sei se vivo ou tenho sonhado.  

     Apaixonei-me e durou duas horas. Logo depois me apaixonei de novo por apenas um minuto e meio. Minhas paixões não valem nada. Vivi os sonhos do astronauta e do apanhador no campo de centeio. O que valho? Uma boa ilusão, talvez. O relógio acelera, tanta coisa fica para trás, exceto o que levo para frente. Os motivos de minhas ações ainda são conscientes? Não faço ideia, mas fale comigo, diga o que sente. Não se cale, por favor. Apenas continue, sem pressa, essa conversa pode se alongar até o infinito. A noite se estende e nos cobre com seu negrume mais bonito. Mas não se cobre se o cobre lhe parecer menos valoroso que o granito. O silêncio nos surpreende e enche meu coração de pavor. É nas lacunas deste ambiente que o passado evoca memórias de amor. Estou novamente tenso e você aí calada. Não encontrará fim esta madrugada? Que venha o sol ou tua voz para que não me aflija agora aquela velha dor. Diga qualquer coisa sem demora, mas não se cale, por favor.

     É provável que eu sinta falta da sua voz.

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Despedida

Dei azar esta manhã
Suponho que talvez a culpa seja divina
Não tenho rezado nem em silêncio
Minhas únicas orações consistem em
longas olhadelas na BR 163
Talvez os caminhoneiros precisem de Deus
Talvez o vejam nas luzes de seus companheiros
Cruzando o breu da madrugada gelada
De certa forma é triste a constatação, pois
Eles não passam de uns ferrados assim como eu
Os infames seguem em vantagem
Embora sejam patéticos na essência
São belos em suas cascas
Quem quer descobrir se ele usa máscara?
Quem quer interromper o encantador de serpentes?
Se o capuz serve e não machuca a corrente
Deixe que prevaleça o conveniente
Cada um veste as roupas que necessita
para cobrir o próprio frio
Sugiro isso, mas nem sempre pratico
Cometo mil erros, mas não cuspo pra cima
Sei não ser ridicularizado por eu mesmo
Ah, mas a vida é algo imprevisível
Os infames possuem mesmo a vantagem
Os falsos se sobressaem 
É assim que a maioria gosta
É assim que a banda toca
De que lado estou?
Adiantou ser “bom” durante uma vida? 
Há calmaria neste novo lugar
Há tranquilidade sem desdém
Há boas pessoas, porém,
Há outras formas de amor
Infelizmente elas não me servem
O coração é teimoso e anseia por especificidades 
Vou apunhalar os bons costumes
Percorrer a vida na contramão
Ser o maldito colecionador de borboletas
Repugnante destruidor de sonhos
Sim, almejo estar entre os réprobos 
Ser o maior deles
Desferir socos e pontapés em meus rivais
ainda que estejam deitados
Mais de vinte anos de tentativa de justiça
Sem possuir fidalguia, tento agir com nobreza
Para no fim das contas ser o alvo favorito 
A mais suculenta das presas
Arre, vocês me deprimem
Covardes estúpidos e arrelientos 
“Não serei nunca como eles”, bradei um dia
E hoje vejo que posso cumprir a promessa
sem ser zombado
Veja bem, há potencial para que se vá longe
Você pode ser o pior de todos, se tentar
Vai tentar?
Covardes é que se escondem em pretextos
Farei ou deixarei de fazer em nome do amor
Viajarei para ver o mar ou para encontrar
certos prazeres que tenho me negado
Critica os que dançam na avenida,
mas busca sua própria maneira de gritar
Ao mundo a significativa existência
Ah, admita 
Eu fui sua escada
Use-me
Use-a
Deixe-se usar
Deixo-me usar
Faça-me
Faça-o
Falo, mas não em nome do amor
O que diria em nome dele?
Não faço juras em Deus
tampouco sacrifico minha ética
Por qualquer dos amigos meus
E daí? Converso e falo, mas 
Nunca em nome do amor
O amor fez pouco em meu nome
Encaro a vida com um persistente ardor
Enquanto o que importa some
Ah, mas já não era a hora de abandonar
todas as tolices dos tempos de moço?
Não é hora de amassar os papéis dos lindos 
sonhos e se contentar com o mero esboço?
Já não quero mais os resgatar, mas sim me juntar
aos esquecidos no fundo do poço
Meu melhor estado é o febril
Sinto melhor o mundo que nunca me sentiu
Será que nunca mesmo?
Ouviram meu choro em trinta e um de março
do ano de mil novecentos e noventa e dois
Eu também estava febril
Na adolescência comprei brigas 
Salvei a vida de minha mãe
Vomitei e tremi por quatro anos
Tudo passou, mas a memória ficou
Não importa mais pelo que passamos
Acredita que sonâmbulo e fora de mim
Eu li o livro três da Crônica do Matador do Rei?
Rothfuss nem havia o escrito, mas com quarenta graus
Isso nem interferiu
Beirando à insanidade
Nos limítrofes finais da realidade 
Outra vez minha alma sorriu
Desconsidere minhas declarações apaixonadas
Não por serem falsas, mas sim exageradas
Tenho uma tendência ao eterno e ao drama
Rio dos falsos espertos
Metralhadores de opiniões 
que só atingem espectros 
A frase matreira em busca da fama
O soldado ambicioso escondido à paisana
Homens nus nos desertos
Lamentáveis suínos banhados de lama
Ah, mas são valentes
Corajosos guerreiros da virtude
Não compreendem os movimentos, mas
Intrépidos erguem os punhos para o combate
Corpos adultos com personalidades de bebês 
Bois dopados correndo para o abate
Ah, mas como enchem a boca para xingar
Mania de civilistas mimados e frescos
Fascistas, nazistas, baixistas, flautistas
Vocês todos não prestam
Comunistas, petistas, clubistas, OPORTUNISTAS
Tantos berros narcisistas
Vocês são mais da mesma remessa 
Pedem calma na hora decisiva
Chutam o balde com toda pressa
Querem a estrela na testa
Odeiam as coisas como são 
Arrancam as roupas os ativistas em festas
Alegam que foi pelo bem da nação
Tentam provar seus motivos louváveis
Para prosseguir com a vituperação
Aparentam ser afáveis, porém,
Suas ideias são vendáveis
Prostitutos por atenção
Não arrumam nem a própria cama
Ainda assim passam toda a semana
Muitos tantos só com o dinheiro dos pais
Príncipes da própria trama
Tanto falam e nunca se enganam 
Prisioneiros no próprio cais
Falsos miseráveis intragáveis
Tão cheirosos em seus caros perfumes
Os caminhos são irrecuperáveis para
Quem se acostumou a comer estrume
Belos rostos se convertem em faces de escárnio
Ironizam-me no ápice do azedume
Ah, mas eles sempre sabem mais
É bom que você se acostume
Eles te deixarão para trás
Perfeitos nunca sentiram ciúmes
Professores dos conhecimentos ancestrais
Chutaram o rabo dos mestres de artes marciais
Amam seus reflexos nos vitrais
Na noite de morte, eles são todos vaga-lumes
Que direi eu que escalei o primeiro patamar
à bilhões que estão no cume?
Ah, mas não direi palavra
Gargalharei de tudo e criarei um verso
Visto uma roupa desbotada
Arremessarei longe meu único diamante
Que ninguém o encontre nas profundezas do mar, imerso
Sigo em frente, desafiante
Recuso a prescrição de calmantes
Quero entender o Universo
Vejo tudo, exceto eu mesmo
Como posso me revelar sem me envergonhar?
Pois às vezes tenho me envergonhado sim
Quem não riria se eu dissesse que tenho
todos os sonhos do mundo em mim?
Tantos outros disseram isso antes que eu
Suponho que estejamos todos pirados
Espero que me entenda, nasci em 1992
Ouviu bem? Seu grande idiota! 
Sou dos anos de devaneios sobre o amor
Sob a luz do luar, eu ri de criativas lorotas
No meu próprio nexo
Nunca digo “oi, quero sexo”
Atitudes e palavras devem 
De quando em quando
Ter algum valor
Ah, mas neste mundo vasto
Talvez um dia possam me convencer
Vocês são a felicidade em fiasco
Eu triste ao menos me basto
Tenho muito o que aprender
Sou ridículo quando falo de fantasias
Deprimente quando mostro as poesias
Sirvo bem de escudo para os covardes indecisos
Perco amigos
Sirvo bem de escudo para os que precisam de um alvo
Perco a família
Sirvo bem de escudo para todos
aqueles que se promovem em confusão
Perco o convívio com a sociedade
Sozinho quem liga para a vaidade?
Vou vagar para um mundo sem fim
Ninguém me precisa
Nem eu mesmo preciso de mim
Embora não tenha perdido eu mesmo
Tenho a voz péssima, mas canto
Orgulhoso de transmitir uma mensagem
Os sapos não se importam tanto
Aproximam-se de mim pela margem 
Do rio onde faz frio
Choro sem perceber
Seco meu próprio pranto
Meus desejos minguam e voltam
Sou incapaz de ver miragens 
Trabalho para juntar dinheiro
O trabalho dignifica o homem
Disse um homem morto uma vez
Não me sinto mais digno
Almoço com os viajantes
Aposentados, famílias e 
solitários caminhoneiros
Uma mosca esfrega as patas 
de olho no que tenho no prato
A paisagem ao fundo parece um desenho
Na contemplação, eu empaco
Poderia passar algumas horas aqui
Descrevendo as cores do céu e dos caminhões
Homens e máquinas no meio do nada
De certa forma todos estamos sempre sós
Na imensidão de uma infinita estrada
Exupéry viu o mundo de cima
Vinicius de Moraes viu-o por dentro
Os caminhoneiros o veem em linha reta
Assim como viu os humanos, Fernando, o Pessoa
Cogito destruir aquilo que mais amo
Como disse que Oscar Wilde que toda pessoa faz
Chego atrasado, como é de praxe
Já destruíram tudo antes de mim
Desanimo, mas me levanto
Penso em cantar meu próprio ser
Como faz o galo perto do posto de combustível
Como fez Walt Whitman
Canto eu mesmo
Ansioso por celebrar-me
Já que sou sólido e um dia não terei mais corpo
Paro e respiro profundamente
A gente não é o que mente
A gente não é nada que não tente
A gente é mais do que o que sente?
Pelo menos alguns de nós entendem
A gente é apenas o que sente
E agora o que vai ser, Daniel?
O que resta do mundo para você?
Agora que encontrou o rabo do cometa
A inteligência e a revelação te isolarão
Por que de repente fiquei mudo?
Estarei satisfeito no estágio final do começo de tudo?
Os que muito sabem perdem a capacidade
De serem realmente felizes
Ah, mas quem é louco para querer ser apenas feliz?
Querem o riso geral do público, humoristas
Eu quero a minha cerveja preta e
meu cachorro, Link
Eles querem dinheiro infinito e
a posse dos objetos
Eu quero ovos mexidos e
chocolate amargo
Há um limite para o quanto
posso aguentar sem chocolate e café
Eles querem ser singulares e reconhecidos
Querem o suprassumo do prazer
Eu quero muito meu gato Hadec miando
Avisando sobre sua fome ao amanhecer
Querem tudo e com tudo não se satisfarão
Detentores do novo mundo
Reis e rainhas da ilusão
Não há um deles realmente colhudo
Para admitir que ame o circo e o pão
Heróis repletos de conteúdo
Personificados em insurreição
E que parte tenho nesta terra?
Ouço eu mesmo dizer
Nesta infinita treva em guerras
O pouco que me resta pode se perder
Ah, mas eu ainda procuro
Embora esteja à beira do colapso
Levando tiros no escuro
Completamente seguro
Meu corpo fechado é de aço
Só consigo me fingir surdo
No calor de um abraço
Chorei ao ouvir uma música italiana no carro
Sentindo-me não mais que uma criança
Lembrei-me de esculturas de barro
Ergo-me pela própria temperança
Minha mãe dizia “você é raro”
Prossigo minha andança
Seria bom ser hábil na dança
Valsar com um novo amor
Bem atados como um laço
Compreender meu lugar espaço
Girar no mais perfeito compasso
Deleitar-me em teu sabor
Aproveitar-te toda e nua
Dando de ombros para a nova face do fracasso
Aceitando a expressão da alma literalmente crua
Em essência me aceito crasso
É como se ao acender um novo maço
Eu retornasse eternamente à mesma rua
É como deve ser
A morte não anuncia retornos
Espero que alguém um dia espere por mim
Espero que um dia todos os fantasmas
na costa da praia me lancem olhares calorosos
No baile animado de teus olhos mortos
Acharei tudo o que preciso
Ainda que eles sejam seres sem corpos
Eu os saudarei, pois por tanto tempo os procurei
São minha face do Paraíso
Ah, mas no fim de tudo, tudo, enfim, tudo tanto faz
Minhas memórias parecem feitas de veludo
Brilhos fracos em uma vida fugaz
Há lampejos de luz em um caminho 
qual costumava ser escuro, mas
Em um breve sussurro, eu juro
Não volto nunca mais
Adeus para sempre.

Registro da Quarta Fase - Fantasmas de Daniel.
Por: Daniel Rosa Possari.

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

O segredo de Oz



     Prometer revelar o segredo de um mágico deveria ser o suficiente para atraí-los para esta leitura, porém, sou um bom ouvinte e costumo entender as pessoas; escutar os sons que produzem, assim, eu imagino que os que permanecerão aqui são menos da metade dos que inicialmente cogitaram ler. Revelo por antecipação que os magos, não só os que voam e invocam os poderes da natureza, mas também os que entendem de ervas e conseguem se comunicar com os animais e o mundo, são em regra, sujeitos muito simples. Eles não costumam dizer bom dia, são de ínfimos metodismos e odeiam a rotina. Suas carrancas de desespero são cômicas, suas expressões de fúria são incredulamente assustadoras, porém, quem viu um mago ou qualquer criatura capaz de fazer magia sabe do que há de mais notável neles: o riso. Aquele ser estranho, quiçá etéreo, gargalha tão espetacularmente que os pássaros riem em coro, acompanhando o fluxo de uma energia tão bela e pura. Geralmente são barbudos e possuem uma aparência suja, pois Deus se esconde no mendigo e o bom só é bom quando pratica a bondade sem expectadores.

     Outro dia, eu me encontrei com um mago melindroso. Seu nome ofende muita gente, pois assim me vejo obrigado a protegê-lo. Apesar dos meus esforços em defendê-lo, ele riu de mim até sua barriga doer. Escutou os meus dramas, compreendeu o meu sofrimento pelo menos até o limite qual é possível tentar, ofereceu-me um instante prolongado de luto, fechou-se em silêncio e rompeu aquele ritual padrão com uma risada sonora e ribombante. Corei e senti minhas bochechas esquentarem, mas evitei os espelhos para não me ver enrubescido. Os figurantes da sociedade me fitaram por um instante, como se aquele momento fosse derradeiro e eu, obsceno por ter chamado a atenção, ainda que involuntariamente, possuísse uma espécie de dever de me desculpar ou de me enaltecer pelas atitudes do meu amigo. Calei e me julgaram tão ridículo quanto o mago, que ainda soluçava de tanto rir. Por que fez isso? Perguntei sem ter a certeza do motivo pelo qual estava incomodado. Por que não? Ele me respondeu e se levantou. Eu quero tomar sorvete de flocos com cobertura de caramelo. Não tenho mais tempo para a sua miséria, exceto se tomarmos sorvetes.

     Sua maneira de ser persuasivo era estranha, creia-me, mas uma hora depois estávamos tomando sorvetes. Olhe, não, não olhe. Apenas escute. A insuficiência em si é que faz crescer o medo. A projeção do que queremos ser, justo em cima do que somos, e o que “ainda” somos sempre flertando com a ideia do que já deveríamos ser, é o que mais nos apavora. Não se trata de formação intelectual. A dúvida moral, os questionamentos, a necessidade de culpar alguém pela sua vida ridícula é o que te afasta de nós (os magos). Ser insuficiente aos olhos dos pais é frustrante.  Ser insuficiente aos amigos é desesperador, contudo, ser insuficiente a si mesmo é morte. Na hora do perigo, discretamente sua mente tenta fugir para alguém em quem confia para se apoiar. Frequentemente seu apoiador vira uma ilha para a fuga, seu escape no mundo. Um dia, quando você não precisar mais dele, você vai deixá-lo, pois a vida é assim. O fato de não ser divertido como deveria, inteligente como deveria, ter dinheiro como deveria, nada quer dizer. Nada é nunca como supostamente deveria. Veja, não, não veja, apenas escute. Viu como eles me olharam quando eu ri alto na lanchonete? É a ideia se formando ao redor de você e se apoderando, como um chiclete que gruda no cabelo. Você arranca pedaços do chiclete e ele se vinga. Não raramente ele deixa uma marca feia, pois tudo o que gruda por tempo suficiente dá trabalho para sair. Não é necessário ser apenas uma direção, enclausurado em expectativas de pensamentos medíocres. Você pode ser tudo. Segure na mão uma estrela cadente. Devore o mundo.

     Ele disse que ia ao banheiro e desapareceu. Aquilo me divertiu, pois me lembrei de um amigo que não via há anos. Entretanto, eu mastiguei seus conselhos lentamente e tentei achar sentido no sentido que já havia, piscando como um letreiro luminoso em uma noite de escuridão. A jornada de Dorothy até Oz, a estrada dos tijolos amarelos e os desejos melancólicos de seus companheiros saltaram em minha mente. O leão covarde, quando percebeu a situação adversa, virou-se e rugiu. Não notou sua coragem, mas o ímpeto em proteger seus amigos havia lhe feito ser o que no fundo sempre fora. O espantalho, pobrezinho, tão estúpido, foi quem organizou o plano sem falhas para que sobrevivessem e o homem de lata, terrível, não fez mal a qualquer criatura. Assim somos nós. Na jornada pela busca da transformação para sermos quem desejamos ser, às vezes, não damos conta do que somos. Valorize-se! No desejo profundo em sermos alguém diferente, esquecemos que nascemos especiais. Se lhe amaldiçoarem, retruque com um palavrão inventado. O segredo de Oz é que ele conhece o coração das pessoas e lhes revela suas qualidades como o espelho revela a imagem refletida. Às vezes já somos quem desejamos ser. É preciso ter amor próprio. E respeito. O segredo dos demais magos, eu ainda não descobri, mas creio que tenha relação com mirar o impossível e transformá-lo. Ontem mesmo, eu quase peguei uma estrela cadente. Foi por um triz! Quem sabe eu não fosse hoje um mago barbudo? Quem sabe um dia, se eu não acabar me consumindo por tantos pensamentos cruéis e fugazes, eu mesmo não me alongue bem pelas manhãs e devore o mundo no ocaso.