segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Manhã de Natal

     O ventilador produz um som estranho que me faz lembrar uma galinha da angola. To fraco, to fraco, to fraco. Os tolos diriam que a tarde seria mais bela se fosse ensolarada e colorida, mas há dias que nasceram cinzas. Conforme os minutos passam, preguiçosamente devagares, lampejos de um azul enegrecido começam a buscar seu espaço no céu. Quem vê diversas cores neste dia é apenas um doido varrido. O mundo gira e ninguém sente. Todo mundo pira e quem é que não mente? Malabarismos com objetos delicados, ousados, arriscamos perder o que mais perto tínhamos de permanente. 

     A noite caiu e eu dormi jogado no sofá. Meu irmão disse que eu deveria ter ido na balada  com ele, mas ainda me sinto sonolento. O que é que tanto tento escrever? Somos tão apegados aos aniversários que às vezes nos esquecemos de sermos felizes o resto do ano. Hoje é aniversário do menino Jesus. Ao menos é alguém importante o bastante para reunir famílias felizes, tristes e quebradas ao redor de uma mesa. Quero transmitir algo interessante, mas a gata preta não quer me deixar escrever. O cachorro bicolor quer passear e me fita com esperança. Minha mãe dormiu e meu irmão resmungou antes de dormir. Para o que se vive?

     Compensei minhas faltas com excessos. Perdi-me em questões numéricas que costumavam ser fáceis. Eu que sou tão exato tenho sido tão humano, que desejo ser mais exato novamente e esquecer dessa humanidade pueril. A resposta para a vida, o universo e tudo mais é 42, mas qual era mesmo a pergunta? Cães latem, gatos pulam, aves voam, pessoas mentem. Todo mundo precisa de um pouco de amor, mas a gente mal sabe o que quer e de tanto não querer querendo e de querer não querendo, faz o que não quer para ter o que não precisa. Aí perde e noutro momento de repente a vulnerabilidade entra em destaque. Perde-se o que não poderia, mas se esquece que já ganhou o necessário. Às vezes a gente quer precisar do que não precisa. 

     Corri ao lado de dezenas de lagartas. Se tivéssemos mãos na época, andaríamos de mãos dadas, mas só havia o velho brilho nos olhos da compreensão máxima. Estou ao seu lado. O processo era incompreensível e com o tempo quase ninguém se mantém nas proximidades, muito menos ao lado. O entendimento escorria por mim. Nós bichos rastejantes forçamos o corpo contra o chão. E vamos agora, vamos um pouco mais. É claro que vamos! Meus colegas ganharam asas antes. Alguns viraram borboletas, outros mariposas e abelhas. Havia um que tinha um jeito de morcego e asas escuras, mas não soube dizer o que era. Por que só minhas asas não nasciam?

     Deve ser porque bebe muito café, assiste muitos "desenhos japoneses", não dá sentido à palavra FÉ e ainda vislumbra frequentar estádios ingleses. Ainda que me explicassem, eu continuava a arrastar o meu corpo. Morto-vivo, vivo e morto. Sabia que nenhuma Força me daria sequer uma mãozinha. Sabendo que a jornada é realizada sozinha. Compreendendo que de quando em quando nós fugimos. Estradas para locais seguros. Suspirei quando senti um formigamento. Demora, mas sempre chega o momento. Meu corpo planou quando bateu o vento. Atravessei a pior das tempestades, mas sorri ao contemplar meu tesouro. Por de trás do arco-íris, eu consegui pegar o meu pote de ouro. 

     O que há de especial na manhã de natal? Nada, mas para os que fogem de si mesmos e não gostam de refletir, o dia do natal não é um dia bom para existir. É tudo sobre quão especial era o menino Jesus? É tudo sobre quão abrilhantou o mundo sua luz? Não... É mais sobre amor e carinho. Num mundo cruel e fugaz, às vezes a gente só sente a falta que faz, quando ceia sozinho. Ano que vem tudo pode ser diferente, por favor, não se esqueça de valorizar hoje quem te ama de verdade e honestamente grita pela cidade o quanto sua falta é saudade. Um dia tudo se perde, mas hoje tudo está ao alcance. Feliz natal para nós todos! 


     Can you tell the difference about 
before, after and between?
     Can you explain me about
the little magics of the wind?
     Can you tell me what is your
most precious dream?

     Can you explain me about
why do we all stab the trust?
     In the end or in the start
We are no more than common stars 
Poor powder of dust.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Coisas Frágeis


     Andei em linha reta. Passo. Outro passo. O segredo é continuar caminhando, disseram. Eu ri, mas não desafiei a superstição. Passo. Outro passo. Não passo. Estagno. Recordações de tempos de amor invadem minha memória e eu transbordo. Soo como um louco, mas sou louco? Meu sorriso é largo e minhas lágrimas são como torrentes. Sou feliz e triste. A casa era tão cheia, havia tanto riso, o cachorro pegava o brinquedo e trazia. Por algum tempo havia até alguém para me chamar de amor. Tudo estava no lugar. Todos os nomes eram pronunciados corretamente. Amálgama do idealismo. Era possível captar o vislumbre de tudo e a verdade. A coragem não é para todos, sabem? É na realidade para os covardes como eu. Os que se enchem de paixão e fúria, mas se calam por entender o valor do que a maioria consente em ser ínfimo. Nada é ínfimo. A qualidade não está no peso ou no tamanho. Só se vê bem com os olhos vendados. Somos capazes de destruir tudo o que amamos.

      Quando notei, eu estava parado em frente a um lugar antigo. Sou um colecionador de momentos, apanhador de memórias. Quando quero, nada me foge. Observo e vejo o que poucos veem. É que ninguém desacelera na loucura de um mundo apressado. Previ as datas que sofreria. Acertei. Soube dos meses, das horas e até dos minutos. Soube que seria até enquanto eu trabalhava. Soube quem e soube quando, só não sabia por quanto. Nada como a beleza e a tragédia de conhecer. Busquei com todo o meu coração evitar que os outros sofressem, não jurei por Deus, mas tanto quanto pude, eu cumpri minha parte. Lembrei de frases sussurradas e de objetos de vidro. Coisas que caem uma vez e não se consertam. Meu coração é feito de material mais resistente que o vidro. Fui desafiado a dizer a verdade e olhei nos olhos do interlocutor. Soube que iria perdê-lo, mas não evitei o que sabia ser evitável. Há tanta confusão. Chamam de amigo os que te apunhalam. Ferem os que são amigos, quando ninguém mais pôde ser. O que pode ser feito? Se é tão barato contar uma mentirinha em um mundo maluco e fugaz, por que me sinto impelido a ser sincero? Por que é que tudo dói mais conforme cresço? Por que é lento o processo de ter o que mereço? Por que quando tudo se faz vento, sou eu o ferro?

     Recusei intimidade com outras pessoas. É fato que tive poucas chances de fazer novos amigos, mas não deixei que ousassem a me chamar por nomes mais profundos. Dispensei a conexão, principalmente a romântica. Sei que o tipo de intimidade que precisava encontrar era comigo, novos motivos para ser feliz. Até matei o meu charme, mais do que o faço normalmente. Meus olhos revolveram para dentro. Dormia acordado. Sonhava em mim. Distinguia com facilidade o que era e não era. Ainda assim paguei caro por uma ilusão que chamei de real. Até os mais doces sonhos acabam eventualmente. Hoje tenho o que gastar, mas notei que o dinheiro é só um papel mais bonito.  Não que eu não soubesse. O diamante não difere tanto assim do granito. Acordo e olho para os lados completamente assustado, mas embora minhas próximas ações sejam mecânicas, eu suspiro. Sinto um alívio profundo em saber que ainda há tempo, embora não saiba para o que. Queria que minha mãe tivesse preparado o café, mas moro sozinho, pago minhas contas. Tenho um novo ritual. Como um pedaço do meu chocolate amargo antes do café da manhã. Se você já fez isso poderá dizer como a experiência é diferente. Ao mesmo tempo ele é mais chocolate e mais amargo. A vida se renova com o começo do dia.

     Enfim, eu tomei uma decisão. Confesso que sou como um hobbit. Gosto de ler livros, confortável em minha poltrona, mas amo aventuras. É hora de viver a minha. Se todos eram capazes de ser tão mais felizes sem que eu estivesse por perto, por que eu não poderia ser mais feliz sem todos eles? Neste instante derradeiro, eu me convenci. Tenho bons olhos. Decoro as sardas de um rosto como se fossem constelações. Memorizo nomes, pois possuem força e poder. É tão precioso se lembrar da maneira certa de chamar alguém como acariciar do jeito correto os cabelos da mulher que se ama. Admiro os trejeitos na fala de cada indivíduo. Sei que até o que se parece é diferente. Quase nunca mais gaguejei. Fui muito rápido ontem. Fui muito lento antes de ontem. A vida pede ritmos e tenho oferecido impressões erradas quais não posso consertar. Volto os olhos para meu cerne. Ainda procuro o rosto que minha alma tinha antes da criação do Universo, mas é uma busca vagarosa. Quem me olha, raramente me vê, pois é preciso olhar certo para captar além de mero vislumbre. Cuido bem dos detalhes. Sei amar as coisas da maneira correta e ainda me lembro de amar o que a maioria esquece e também o que escolhem deixar para trás. Não prefiro o gato ou o cachorro. Amo igualmente os dois. Não falho em preparar meus cafés pelas manhãs. A vida é simultaneamente rápida e sutil. Tudo se despedaça rapidamente, até mesmo algumas coisas das quais cuidamos com carinho, mas é assim que deve ser. Cada um tem a oportunidade de viver e se valorizar no próprio brilho que a faz singular, porém, ainda que exista escolha, quase todos escolhem ser mais dos mesmos. É comum que guardem ouro e lixo na mesma repartição e se esqueçam da diferença. É comum que sejam todos iguais. Eu? Não posso ser assim. Acho que sou como Neil. Acho que também prefiro me lembrar de uma vida desperdiçada com coisas frágeis do que uma vida gasta evitando a dívida moral. Agradeço ao mundo por ainda estar aqui. Tenho motivos para agradecer. Ao final do dia, eu ainda sei quem sou. Contradigo-me quando necessário e busco a felicidade. Nunca mesmo piso em coisas frágeis. E você?

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

A vida é um poema maluco

     Viajei por uns dias. Superei aquelas tão típicas semanas de tristeza e placidez. Quiseram me encarar de frente e pela primeira vez estreitei ligeiramente meus olhos para espiar de volta. Não encontro resposta, pois noto que mal sei qual é a pergunta. Entrego-me aos devaneios diurnos. Imagino meu cachorro correndo em minha direção. Ele chora de alegria pela minha presença. Os melhores sentimentos do mundo se fundem em algo sublime. Existe alguma besteira qual já imaginou repetidas vezes? Algo que ache tão singular e exclusivo ao ponto de que se considere bizarro? Tenho várias, mas aí vai uma... A alma de meu cão Link é tão bonita que, acaso eu tenha um filho depois da morte do meu cachorro, rogo para um deus qual não acredito, que faça com que a alma do meu cão seja a mesma da minha prole. Bobo, não? Ora, o que você saberia sobre isso, sobre amor, se nem mesmo gosta dos animais?

     Tenho me tornado mais frio pelo acúmulo do sofrimento, mas não me importo. Reservo minha cautela para os detalhes que a maioria não deseja ver. Às vezes me emociono ao observar a paisagem que me cerca. Quase qualquer coisa basta. O canto dos pássaros, um documentário sobre a vida marinha, elefantes, ostras, sapos coloridos. Atento, admiro os relâmpagos que me chamam. Isso soa estranho? Tenho compreendido minhas partes e, por conseguinte, consigo entender melhor as partes dos outros. Sou gentil, mas não completamente empático ou sensível. Chore se sentir vontade, meu caro, mas se estiver passando mal, não vomite no chão da minha sala. Eu vou cuidar de você, mas conserva a ti mesmo um pouquinho de pudor e de higiene para que possamos ser sociáveis um ao outro, ok? Veja, eu mesmo vomitei mais vezes na vida do que você. Pelo que me aparenta ser um longo período, eu apenas colocava tudo para fora. Durante essas crises de febre alta, ardendo em delírios, uma vez notei que minha força para o combate inspirava meu próprio declínio físico. Eu era um ferrenho desafiante contra as inverdades do mundo, mas que é que eu poderia fazer diante de uma realidade tão dura? Ah, você pensa que me encurralou, pois outro dia gastei minha saliva discorrendo sobre como a vida por aqui é inefável. E é, porém, também não é. O que se pode fazer a respeito dos maus e dos intragáveis? Danem-se eles, você pensará. Ainda podemos recolher-nos em uma bolha com duas ou três pessoas boas, que, definitivamente são melhores do que a maioria dos vis oportunistas que nos cercam. São mesmo? Dê tempo ao tempo e verá. Seu herói sem máscara, talvez seja apenas um vilão comum. Notará ainda que até mesmo um mau sujeito pode se cansar de vilanias e iniciar uma busca por um futuro auspicioso. Vale se apegar a qualquer resquício de redenção. Enfim, na beirada do abismo, chega à indagação, por que é que devo continuar?


     Nada faz sentido, mas lá atrás houve coisa certa que sentido fez. Foram apenas dias, embora, no coração estejam revestidos por uma muralha de ouro, intocados em forma de boas recordações por toda a eternidade. Você, vendável, sabe que daria tudo o que tem para repetir aqueles lampejos de felicidade pura e genuína. Não se vê essa alegria no meio dos períodos quais a desfruta, de jeito maneira. Também deixa de perceber a intensidade do momento até que o tenha vivido. Depois, somente depois é que se toma nota que desejaríamos que aquele passado fosse infinito. Você, porcamente altruísta, pois não pensa honestamente com empatia, conhece o seu próprio preço e reconhece, ainda que jamais diga, por onde é que estaria andando neste estágio da vida se pudesse fazer diferente. Egoistamente, você até arrastaria três ou quatro pessoas com você, não mais que isso, pois saberia que o aumento do número de pessoas faria crescer diretamente a diversidade de interesses, tal qual, você teria os seus próprios desejos arriscados ao fracasso. Pois, você tem alguém que caminharia com você? Deixe-me ser mais claro: possui alguém que dividiria a estrada contigo, mesmo que soubesse que lá no fundo sua alma é sórdida, vil e abjeta? É irônico o quanto somos submetidos a uma diversidade de ironias. Não há os completamente bons e nem os inteiramente maus, mas reluto em admitir que a vida toda, toda vida, tudo seja sobre um jogo de interesses. Meus interesses, por sinal, renascem todas as manhãs e morrem com o lusco-fusco. Existe salvação para quem desaprendeu a ter uma relação de amor duradouro com o mundo ou este novo amor, honesto e mutável, é uma nova versão minha? Não faço sentido. Talvez não precise fazer... Que mania idiota é essa que tenho de querer compreender o mundo inteiro?


Acaso pensa 
que existe um 
esquema para tudo? 
Ele tenta, 
Insiste e não aprende
A vida é um poema maluco. 

domingo, 16 de dezembro de 2018

Conselhos de Mestres

     Cedo desperto, mas sem me sentir esperto, pois ainda sinto a necessidade de dormir. Será hoje outro bom dia para sorrir? Pasme você, ontem fiz alguns exercícios físicos vestindo uma camisa polo, mas o que mais eu poderia fazer? Se eu não me extravasar, implodo. Ri de mim e ri comigo. Sou suficientemente maduro para saber que ninguém tem nada a ver com aquilo que é somente meu. Sou quem sou ou pelo menos quem tento ser. Sempre me recuso a existir sendo apenas metade. Certamente ainda existe maneira de que eu reencontre as coisas que pensei ter perdido ou que de fato perdi, mas como é que se filtra o valor da perda? Como e quando se decide que o perdido é fundamental ou não? Quando é que a insistência pode premiar e quando é que soa como um excesso vulgar?

Somos mais do que as partes que nos formam.

     Haverá adiante mais loucos que possam acreditar nas coisas que acredito. Então, eu poderei ainda vislumbrar com outras pessoas um mundo mais bonito. Pessoas que acreditem em canções, dragões e aventuras. Nem tudo o que é belo perdura? Toda pessoa sensata anda sempre a vestir sua própria armadura? Ah, eu não sei mais o que fazer. Meu coração se tornou um comprador assíduo de qualquer ilusão, pois também quer crer na ilusão de pertencer. O que sou? O que você é? O que nós somos? Somos mais, somos mais, muito mais que as partes que nos formam. Repito e tento fazer deste o meu novo mantra. Já não sou mais capaz de olhar para trás, até por saber que nada disso adianta.

Isso de ser exatamente aquilo que se é ainda vai nos levar além.

     Leminski estava mesmo correto? Pois tenho sido exatamente o que sou e a gentileza não é premiada em dobro, eu aprendi. Tenho sido alvo de línguas afiadas, a piada pronta de pelo menos meia dúzia, mas de que isso importa? Eu admito que ainda prefiro ser sincero independentemente da situação. Rio dos papos rasos dos ascetas e profetas, mas a verdade é que invejo até a religião. Sequer imagino como é depositar minha confiança em forças alheias. Quando penso nos meus motivos, minhas razões de lutar, meus olhos brilham e meu corpo se incendeia, mas nas noites sombrias ainda indago. Por que é que uma pessoa tão familiar se tornou tão fria? Por que sinto a ausência de afago?

A gente sempre destrói aquilo que mais ama
Em um campo aberto ou numa emboscada
Alguns com a leveza do carinho
Outros com a dureza da palavra
Os covardes destroem com um beijo
Os valentes com uma espada.

     Talvez Oscar Wilde estivesse mesmo correto. Talvez ele fosse pontual ao ponto de ser sublime. Talvez, apenas talvez, ele tenha vislumbrado as coisas exatamente como são. Talvez o destino de todos os amantes seja a destruição. Sou prolixo, anunciei bem antes. Começo a falar de amores, esplendores e termino em diamantes. Não sei bem expressar como é que me sinto. Sei, porém, que não sei evitar não ser sucinto. O que é que há para mim agora ou depois? Por que insisto em falar de mim como se eu mesmo fosse dois? Creio, porém, que os que possuem bons olhos possam enxergar exatamente tudo o que há para ver. Detalhes. Coisas frágeis... Coisas pelas quais almejo viver. Escrever livros, beber café, rir alto e vivenciar o amor, mais do que tentar explicá-lo. Um descuido, porém, as crenças se abalam e escoam pelo ralo. Somos assim, até mesmo os mais fortes de nós, completamente vulneráveis. Morremos de centenas de jeitos diferentes todos os dias. Quem é que liga para os de empregos menores? Quem não os trata como fantasmas? Quem vê poesias? A praticidade do mundo me assusta quando somada com a seriedade objetiva das pessoas. Uma imagem de coragem brilha na escuridão e minha luz batalha contra as trevas. Todos são assim assustadores?

Devemos ensinar os nossos temores a nos temerem

     Neil Gaiman está certo. Essa talvez seja a única maneira saudável de existir. O que mais me apavora é realmente o que me impede de sorrir? É assim que tenho me sentenciado. Um olho no presente e outro sempre distante no longínquo passado. Essa é a receita perfeita para que tudo dê errado. Bem, se sei como me errar, por que, enfim, não acerto? Por que não consigo afastar a letargia e me sentir desperto? Por que é que memorizo nomes, jeitos e vozes de pessoas que mal conheço? Por que é que leio tão bem tanta gente do avesso? O dever do escritor é mostrar ao mundo em que vive o próprio mundo em que vive. Será possível que todos sejam tão cegos assim? Não. Quem não vê sou eu. Quem não sente sou eu. Nem sei se posso ser mais do que sou ou sentir mais do que quero. Sei que pouco sei, porém, por este motivo não me desespero. Quando me olho já não corro. Oscilo entre meus vinte e seis, meus oitenta e meus cinqüenta anos de idade. Há instantes em que sou criança novamente. Meu coração sorri com serenidade para o mundo e raios de sol despertam algo adormecido em mim. Corro pelas escadarias do meu próprio ser rindo e chorando de tudo o que um dia foi, de memórias perfeitas e estilhaçadas que significam tudo e também nada. Somos todos são especiais, vocês percebem? Este é o ano mais longo que já vivi e até ele está prestes a se findar. Mudei completamente, mas mantive minha essência intacta. Por todas as experiências minha alma é grata. Uma única coisa que em mim permanece estável: não sou vendável. Que os vendavais levem todo o resto. Mais uma semana se inicia e é tempo de correr atrás do que é meu. Dei três passos para trás para pegar impulso e disparar. Olhei nos olhos dos meus maiores objetivos. É tempo de realizar sonhos. Vi quem sou e pela primeira vez senti que poderia cruzar o deserto por meus próprios ideais. Sorri ao lembrar de uma frase de Exupéry. 

São os caminhos invisíveis do amor que libertam o homem. 

     Sinto-me liberto. A sensação me basta e me sinto repleto de alegria. Sou grato pelos últimos dias. E você? Agradeceu recentemente por sua sorte? Outra semana se inicia, sorria e seja forte. 




sábado, 24 de novembro de 2018

Há amor depois do amor?

     Meu único amor, eu tenho te esperado por tanto tempo. Por onde é que você anda? Soube meias notícias sobre você, meias verdades apenas, mas custei a acreditar nos boatos. Por onde erra você? Jaz no sono eterno ou eternamente se perdeu no vento? O porta-retratos com a velha foto ficou exposto por algum tempo na sala vazia, mas muitos começaram a achar estranho que eu ainda a ostentasse, mesmo tendo a perdido. Depois veio outra mulher em um porta-retratos novo. Nunca a vi, mas ela se parece com uma menina de cabelo colorido, então, deixei ela na sala para colorir minha imaginação. Todos que antes se incomodavam com a foto antiga, perguntam agora quem é a nova. Sorrio. Uma modelo qualquer de algum lugar qualquer. E o que aconteceu com a antiga? Ora, eu sou descuidado. Em um equívoco legítimo, alguns dirão que eu a perdi mesmo, mas importa tanto assim o meio se o fim é igual? Que seja a perda então. E se eu dissesse que mesmo com a perda, eu ainda ganhei? Há uma parte que será, até o dia de nossas mortes ao menos, eternamente minha, eu sei. Entendo sua partida, pois “o amor não enche barriga” e apontar o dedo por deduções é algo mais comum do que se imagina, mas quem é que diria? Quando me tornei certo de que você não voltava, a insuportável invernia no meu coração piorou e eu só rezei para melhorar. Rezava para quê ou para quem? Não sei dizer, mas cada uma das raras lágrimas que derramei escancarou minhas fraquezas. Choro é fuga. Que razão há no mundo para um homem de sonhos profundos se lhe tiram o que mais ama? Que razão não há para tudo ignorar e viver isolado vestindo o mesmo pijama? Fuga no sono, queda dramática, cama. Infelizmente até em meus sonhos, onde sento em um vistoso trono, você me chama. Por que faz tanta questão de me possuir se nunca mais foi capaz de me desejar?

     O fim da vida é a morte e hoje pouco ou nada me interessa devanear sobre o que há depois. De que importa, afinal? Eu só gostaria de saber se há amor depois do amor, pois com a última batida pesada da porta, imediatamente soube que meus sorrisos não seriam os mesmos. Há ilusões de paraíso para meros vagabundos à esmo? Meus medos me consumiram. Hoje é sábado, 9h10, mas estou em um escritório. Nos meus sonhos mais antigos isto é como comparecer ao meu próprio velório. Lancei eu mesmo a flechada que perfurou a minha armadura. Fadado a viver em batalha, constatação de uma gama de falhas, uma voz que ecoa: A vida é dura. Já não penso mais sobre o amor, pois se há esperança de perseverar nele, esta esperança apenas é alimentada nos momentos em que é impossível raciocinar. A lógica é inimiga do sentimento. Se pensar com clareza pode concluir que nenhuma ou todas as suas atitudes foram capazes de influenciar alguém. Adianta disparar a arma quando a vida tomou reféns? Que há por de trás do ódio senão a candura? As faces de escárnio, todas secas, horripilantes, lançam olhares mortificados para os que ainda se preocupam. Quanto tempo nós temos? O que é que fazemos aqui?

     O não pensar nos faz livres e o pensar nos faz prisioneiros, por tal, digo que é mais feliz aquele que nunca aprendeu a raciocinar. Aquele que não sabe que o mundo é gigantesco, não sente falta de conhecer sua imensidão, pois o resumo em que vive o basta para se satisfazer e ser feliz. Quem é louco de querer ser apenas feliz? Aquele que pensa, age ou não, mas inevitavelmente se compunge pelas façanhas realizadas ou por aquelas que deixa de realizar. Aquele que não pensa, porém, age e a extensão de seus porquês se encerra na própria razão que o levou a agir. Furtei um pão, pois senti fome. Se não fui preso, fui feliz. Se fui preso, não fui ladrão bom o suficiente. Era preciso fazê-lo e aqui se encerra a existência da questão. Não há razão para questionar se é moralmente correto tomar o pão; foi necessário. Há amor para os tolos? Sim! Principalmente para os tolos, mas sigo em minha racionalidade banal ao me perguntar: há amor depois do amor?

     Alguns que me leem me acham inteligente. Outros me tomam por um tolo infantil. Estou amadurecendo ainda e sou qualquer coisa entre criança e adulto; entre o divino e o cético; entre o pueril e o razoável. Se me consideram imbecil, provavelmente estão certos. Se captaram em minhas palavras algum vislumbre genial, pode até ser que ele também exista. A felicidade é para quem sabe agir esquecendo-se de pensar ou para quem sabe olhar para o que possui, sabendo que possuir é mera ilusão. Talvez a palavra ilusão sintetize a ideia errada, pois possuir é ainda menos. Na realidade, nós não possuímos, em regra, nem a nós mesmos e somos condicionados a fazer coisas que muitas vezes não queremos exclusivamente por uma vontade que nos leva ao que desejaríamos que fosse. Possuir é expectativa longínqua de ilusão. Tudo que não existe em ação e solidez é mais real para quem raciocina. A imaginação é importante, pois é nela que se firmam todas as nossas teses e se continuamos a acordar no dia seguinte e no dia depois, é, apenas pelo fato de que em um lugar dentro de nós, existe uma fé cega em nossas próprias capacidades. Antes de Deus ou da ideia de Deus ou de qualquer ideia que não o envolva, a realidade nos guia para uma fé cega em nós mesmos e quanto mais arrogante somos em pensamento menos altruístas (verdadeiramente) tendemos a ser em nossas atitudes. Há humildade só no agir simples. A bondade na simplicidade é geralmente discreta. Desconfie dos que fazem barulho por qualquer coisa. Afaste-se dos que sentenciam à morte quem cometeu qualquer erro frugal. Se puder, seja humilde, peça desculpas, mas evite se humilhar. Não devemos baixar a cabeça, pois não somos servos de Rainhas ou Reis. Acaso não possa ser humilde, seja coisa nenhuma. Ainda que cada indivíduo seja a meditação contemplativa da memória do que um dia foi, o que ele é agora é apenas expectativa do que o que imagina ser.

     Assim, por ora, encerro em mim todas as questões existenciais essenciais tanto como as francamente patéticas. A chance de que os cruéis, os pernósticos, os ascetas e os desmedidos sejam felizes é absurdamente maior do que a chance de felicidade dos ingênuos e dos coerentes. A ausência de culpabilidade, o não remorso, faz com que a arrogância predominante da alma se eleve. Elevado, supostamente há leveza no ser, mas não o há, porém, para os que se martirizam por erros que nunca cometeram. A própria expectativa de liberdade geralmente é uma artimanha ilusória para com a verdadeira liberdade. Somos prisioneiros da suposição do que poderíamos ou deveríamos ser.  Associamo-nos à pessoas degradantes para nos impedirmos do privilégio de pensar. Juntamo-nos aos réprobos, pois queremos evitar a solidão. Que sentido há em viver? Há sentido em qualquer coisa? Tornar o sonho real faz com que se perca a possibilidade do sonhar, mas, creio, embora sem forçar expectativas demasiadas, que realizar o sonho nos torna complacentes. Se é importante ser bom ninguém jamais soube dizer. Do mesmo modo ainda não tenho a resposta para a pergunta que me fez escrever e pensar inutilmente em tudo isso. Há amor depois do amor? Há lealdade em um mundo de oportunistas? Para o que se vive é o mesmo para o que se morre? A palavra futuro é ridícula. Tudo que é, obviamente, é agora. Erro-me por medo de não ter errado o bastante, pois deveria ter dito algumas coisas que não disse. Ainda assim, quando tive a oportunidade de dizer, falei muito em silêncio, mas quando tentei me expressar com a voz, disse tanto e ainda assim nada transmiti. Como são curiosos os caminhos, vê? Forçaram-me a estar aqui neste sábado. Lancei um débito errado e esqueci de dar o desconto de um centavo. Na segunda-feira cedo, eu vou perder mais trinta minutos da minha vida por isso, mas o que serão trinta minutos quando já estou fadado a perder nove horas? Desejo o tempo livre que tinha. Desejo ser um pouco mais do que fui e um pouco menos do que sou. Não penso para depois. Não passo para depois. Sou o que sou e sou agora. Apenas isso importa, mas que há de acontecer?

     Não há justiça no mundo. A ordem é uma palavra inventada para frear o eterno caos que passa por cima de tudo. Por dentro, quase todos, vi com meus próprios olhos e senti com minha própria carne, são selvagens. Parte de mim também compartilha dessa animalesca selvageria, mas sou um desses coitados infelizes que se presta a pensar além do próprio umbigo. Constatei sem derramar lágrimas que só há felicidade destinada a mim em sonhos. O mais belo deles se resume em um homem recostado em uma árvore lendo um livro; uma mulher cochila está deitada nas coxas dele. Uma menina, um menino e um cachorro correm ali perto, exultantes, ninguém saberia dizer o porquê. Respiro longamente e sou toda aquela cena. Se sou o homem, sou feliz. Se sou a mulher, a filha, o filho ou até mesmo o cachorro, sou igualmente feliz. Se sou a árvore que observa aquele instante, viverei mais por conta disso. Se sou o sol que faz suar as crianças, sorrio, mas cedo espaço à chuva, pois creio que ainda aqui cabe um arco-íris nesta utopia. Sonha-se acordado, vive-se dormindo. Não há rumo novo. Não há alegria nova. Felicidade é ser e ser é existir sem expectativa e sem pensar. Os outros decidem muito sobre nós; eles não importam. Decido-me hoje sobre alguns desejos matreiros velhos desejos ainda matutam em meu coração. Quero fazer uma viagem para fora do país, pois não quero entender completamente as línguas que falarão comigo. Que seja uma aventura. Quero descobrir o que há depois do mar, para onde os dragões verdes partem e onde dormem os corações partidos. Quero descobrir se há morte após a vida ou se até isso é ilusão. Quero desenrolar meu próprio ser, eu mesmo me saber, entender meu coração. Quero descobrir se há como viver desperto, além dos sonhos e se há amor depois do amor. Talvez nada disso te faça sentido, raramente sinto o sentido, mas ainda assim, é uma jornada longa e dura para que eu a faça sozinho. Quem sabe alguns se juntem a mim antes, durante ou ao final do caminho? Tanto faz. O pouco que sei é insignificante, sigo inconstante, chutando para longe os mais belos diamantes. Quero sonhar acordado, não pensar nos dilemas morais, fazer algo pela existência, mas me aflijo ao pensar, há como acreditar neste mundo que vive por aparências? Não sei. Partirei em breve. Se quiser ir comigo, será bem-vindo. Prometo que será leve, mas não sei se será lindo. Desconheço o destino ainda, mas chegaremos aos lugares que pretendemos. Saiba que está convidado a ser parte da minha tripulação. Tudo bem se ainda tiver medo, nós vamos nos superar. Coragem não é ausência de medo e por de trás um mundo de segredos quem sabe eu ainda possa amar.

Uma espécie de limbo tenta me engolir por mais uma semana,
mas ele se engana se acha que esse espaço vazio me fará desacreditar...
Se há amor depois do amor? Eu me pergunto e me respondo: claro que há. 


segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Não se cale, por favor.


     Não se cale, por favor. Diga-me, eu imploro! Fale sobre todas as tolices de seu coração pueril. Narre todas as suas histórias dramáticas, eu quero conhecê-las. Conte-me sobre essa tua nova fase, conte. Ora, por que parece tão terrível contar algo assim?

     Diga-me tudo o que estiver disposta sobre a nova brisa que direciona sua vida. Eu mal te conheço, mas adoraria te conhecer. Fale-me mais sobre sua cor favorita; conte-me sobre o que considera abjeto; erga a voz e desfaça o meu tom mais discreto. Diga-me agora: quais são os seus animes e filmes secretos? Por que não tenho uma chance de conhecê-la? Será que já (ou ainda) nos conhecemos?

     Ora, não se cale por minha causa. Eu sentiria tanto a falta da sua voz (que escutei uma única vez). Não se intimide, se eu parecer inteligente. Também peço para que não me humilhe, se eu não parecer. Posso soar inocente ou estúpido, se você disser que posso. Posso ser tudo o que sou e até um pouco do que não sou (embora prefira me ater a mim). Sou mais do que as impressões que passo, mais que as partes que me formam. Ao buscar o reconhecimento de minha identidade em outros olhos, hoje não faço mais confusão. Sei o que busco. Barganho pela melhor ilusão. 

     Quero ser aceito mais do que quero ser compreendido. Quero conhecer alguém que admita, sem pudor, que adoça o café, come bolos de laranja e odeia frutas. Quero alguém autossuficiente ao ponto de dizer que refrigerantes são melhores do que sucos e que os civilistas são a ruína do século. Então nós vamos discordar e rir, pois te direi que a graça do café (se é que tem graça) é que ele só funciona sem açúcar. Sorriremos juntos e brindaremos por estarmos vivos.

     Não se cale, por favor. Expresse-se com toda a sua alma. Grite sua intrepidez e celebre tua calma. Mostre-mais da sua verdadeira face. Já não imaginou coisa melhor que essa? Claro que se supôs em um pesadelo mais sombrio também, certo? Há quem diga que todo cão que mora em um apartamento deseje a rua, e, todo cão da rua deseje um apartamento. A fuga do "eu" é um problema insolúvel. Mal sei cuidar de mim e dos meus desejos, mas sou, às vezes, presunçoso ao ponto de acreditar que meus livros poderão mudar o mundo. Poderão? Que tipo de cão eu sou? Utopia colorida ou objetivo traçado? Não sei, não sei se vivo ou tenho sonhado.  

     Apaixonei-me e durou duas horas. Logo depois me apaixonei de novo por apenas um minuto e meio. Minhas paixões não valem nada. Vivi os sonhos do astronauta e do apanhador no campo de centeio. O que valho? Uma boa ilusão, talvez. O relógio acelera, tanta coisa fica para trás, exceto o que levo para frente. Os motivos de minhas ações ainda são conscientes? Não faço ideia, mas fale comigo, diga o que sente. Não se cale, por favor. Apenas continue, sem pressa, essa conversa pode se alongar até o infinito. A noite se estende e nos cobre com seu negrume mais bonito. Mas não se cobre se o cobre lhe parecer menos valoroso que o granito. O silêncio nos surpreende e enche meu coração de pavor. É nas lacunas deste ambiente que o passado evoca memórias de amor. Estou novamente tenso e você aí calada. Não encontrará fim esta madrugada? Que venha o sol ou tua voz para que não me aflija agora aquela velha dor. Diga qualquer coisa sem demora, mas não se cale, por favor.

     É provável que eu sinta falta da sua voz.

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Despedida

Dei azar esta manhã
Suponho que talvez a culpa seja divina
Não tenho rezado nem em silêncio
Minhas únicas orações consistem em
longas olhadelas na BR 163
Talvez os caminhoneiros precisem de Deus
Talvez o vejam nas luzes de seus companheiros
Cruzando o breu da madrugada gelada
De certa forma é triste a constatação, pois
Eles não passam de uns ferrados assim como eu
Os infames seguem em vantagem
Embora sejam patéticos na essência
São belos em suas cascas
Quem quer descobrir se ele usa máscara?
Quem quer interromper o encantador de serpentes?
Se o capuz serve e não machuca a corrente
Deixe que prevaleça o conveniente
Cada um veste as roupas que necessita
para cobrir o próprio frio
Sugiro isso, mas nem sempre pratico
Cometo mil erros, mas não cuspo pra cima
Sei não ser ridicularizado por eu mesmo
Ah, mas a vida é algo imprevisível
Os infames possuem mesmo a vantagem
Os falsos se sobressaem 
É assim que a maioria gosta
É assim que a banda toca
De que lado estou?
Adiantou ser “bom” durante uma vida? 
Há calmaria neste novo lugar
Há tranquilidade sem desdém
Há boas pessoas, porém,
Há outras formas de amor
Infelizmente elas não me servem
O coração é teimoso e anseia por especificidades 
Vou apunhalar os bons costumes
Percorrer a vida na contramão
Ser o maldito colecionador de borboletas
Repugnante destruidor de sonhos
Sim, almejo estar entre os réprobos 
Ser o maior deles
Desferir socos e pontapés em meus rivais
ainda que estejam deitados
Mais de vinte anos de tentativa de justiça
Sem possuir fidalguia, tento agir com nobreza
Para no fim das contas ser o alvo favorito 
A mais suculenta das presas
Arre, vocês me deprimem
Covardes estúpidos e arrelientos 
“Não serei nunca como eles”, bradei um dia
E hoje vejo que posso cumprir a promessa
sem ser zombado
Veja bem, há potencial para que se vá longe
Você pode ser o pior de todos, se tentar
Vai tentar?
Covardes é que se escondem em pretextos
Farei ou deixarei de fazer em nome do amor
Viajarei para ver o mar ou para encontrar
certos prazeres que tenho me negado
Critica os que dançam na avenida,
mas busca sua própria maneira de gritar
Ao mundo a significativa existência
Ah, admita 
Eu fui sua escada
Use-me
Use-a
Deixe-se usar
Deixo-me usar
Faça-me
Faça-o
Falo, mas não em nome do amor
O que diria em nome dele?
Não faço juras em Deus
tampouco sacrifico minha ética
Por qualquer dos amigos meus
E daí? Converso e falo, mas 
Nunca em nome do amor
O amor fez pouco em meu nome
Encaro a vida com um persistente ardor
Enquanto o que importa some
Ah, mas já não era a hora de abandonar
todas as tolices dos tempos de moço?
Não é hora de amassar os papéis dos lindos 
sonhos e se contentar com o mero esboço?
Já não quero mais os resgatar, mas sim me juntar
aos esquecidos no fundo do poço
Meu melhor estado é o febril
Sinto melhor o mundo que nunca me sentiu
Será que nunca mesmo?
Ouviram meu choro em trinta e um de março
do ano de mil novecentos e noventa e dois
Eu também estava febril
Na adolescência comprei brigas 
Salvei a vida de minha mãe
Vomitei e tremi por quatro anos
Tudo passou, mas a memória ficou
Não importa mais pelo que passamos
Acredita que sonâmbulo e fora de mim
Eu li o livro três da Crônica do Matador do Rei?
Rothfuss nem havia o escrito, mas com quarenta graus
Isso nem interferiu
Beirando à insanidade
Nos limítrofes finais da realidade 
Outra vez minha alma sorriu
Desconsidere minhas declarações apaixonadas
Não por serem falsas, mas sim exageradas
Tenho uma tendência ao eterno e ao drama
Rio dos falsos espertos
Metralhadores de opiniões 
que só atingem espectros 
A frase matreira em busca da fama
O soldado ambicioso escondido à paisana
Homens nus nos desertos
Lamentáveis suínos banhados de lama
Ah, mas são valentes
Corajosos guerreiros da virtude
Não compreendem os movimentos, mas
Intrépidos erguem os punhos para o combate
Corpos adultos com personalidades de bebês 
Bois dopados correndo para o abate
Ah, mas como enchem a boca para xingar
Mania de civilistas mimados e frescos
Fascistas, nazistas, baixistas, flautistas
Vocês todos não prestam
Comunistas, petistas, clubistas, OPORTUNISTAS
Tantos berros narcisistas
Vocês são mais da mesma remessa 
Pedem calma na hora decisiva
Chutam o balde com toda pressa
Querem a estrela na testa
Odeiam as coisas como são 
Arrancam as roupas os ativistas em festas
Alegam que foi pelo bem da nação
Tentam provar seus motivos louváveis
Para prosseguir com a vituperação
Aparentam ser afáveis, porém,
Suas ideias são vendáveis
Prostitutos por atenção
Não arrumam nem a própria cama
Ainda assim passam toda a semana
Muitos tantos só com o dinheiro dos pais
Príncipes da própria trama
Tanto falam e nunca se enganam 
Prisioneiros no próprio cais
Falsos miseráveis intragáveis
Tão cheirosos em seus caros perfumes
Os caminhos são irrecuperáveis para
Quem se acostumou a comer estrume
Belos rostos se convertem em faces de escárnio
Ironizam-me no ápice do azedume
Ah, mas eles sempre sabem mais
É bom que você se acostume
Eles te deixarão para trás
Perfeitos nunca sentiram ciúmes
Professores dos conhecimentos ancestrais
Chutaram o rabo dos mestres de artes marciais
Amam seus reflexos nos vitrais
Na noite de morte, eles são todos vaga-lumes
Que direi eu que escalei o primeiro patamar
à bilhões que estão no cume?
Ah, mas não direi palavra
Gargalharei de tudo e criarei um verso
Visto uma roupa desbotada
Arremessarei longe meu único diamante
Que ninguém o encontre nas profundezas do mar, imerso
Sigo em frente, desafiante
Recuso a prescrição de calmantes
Quero entender o Universo
Vejo tudo, exceto eu mesmo
Como posso me revelar sem me envergonhar?
Pois às vezes tenho me envergonhado sim
Quem não riria se eu dissesse que tenho
todos os sonhos do mundo em mim?
Tantos outros disseram isso antes que eu
Suponho que estejamos todos pirados
Espero que me entenda, nasci em 1992
Ouviu bem? Seu grande idiota! 
Sou dos anos de devaneios sobre o amor
Sob a luz do luar, eu ri de criativas lorotas
No meu próprio nexo
Nunca digo “oi, quero sexo”
Atitudes e palavras devem 
De quando em quando
Ter algum valor
Ah, mas neste mundo vasto
Talvez um dia possam me convencer
Vocês são a felicidade em fiasco
Eu triste ao menos me basto
Tenho muito o que aprender
Sou ridículo quando falo de fantasias
Deprimente quando mostro as poesias
Sirvo bem de escudo para os covardes indecisos
Perco amigos
Sirvo bem de escudo para os que precisam de um alvo
Perco a família
Sirvo bem de escudo para todos
aqueles que se promovem em confusão
Perco o convívio com a sociedade
Sozinho quem liga para a vaidade?
Vou vagar para um mundo sem fim
Ninguém me precisa
Nem eu mesmo preciso de mim
Embora não tenha perdido eu mesmo
Tenho a voz péssima, mas canto
Orgulhoso de transmitir uma mensagem
Os sapos não se importam tanto
Aproximam-se de mim pela margem 
Do rio onde faz frio
Choro sem perceber
Seco meu próprio pranto
Meus desejos minguam e voltam
Sou incapaz de ver miragens 
Trabalho para juntar dinheiro
O trabalho dignifica o homem
Disse um homem morto uma vez
Não me sinto mais digno
Almoço com os viajantes
Aposentados, famílias e 
solitários caminhoneiros
Uma mosca esfrega as patas 
de olho no que tenho no prato
A paisagem ao fundo parece um desenho
Na contemplação, eu empaco
Poderia passar algumas horas aqui
Descrevendo as cores do céu e dos caminhões
Homens e máquinas no meio do nada
De certa forma todos estamos sempre sós
Na imensidão de uma infinita estrada
Exupéry viu o mundo de cima
Vinicius de Moraes viu-o por dentro
Os caminhoneiros o veem em linha reta
Assim como viu os humanos, Fernando, o Pessoa
Cogito destruir aquilo que mais amo
Como disse que Oscar Wilde que toda pessoa faz
Chego atrasado, como é de praxe
Já destruíram tudo antes de mim
Desanimo, mas me levanto
Penso em cantar meu próprio ser
Como faz o galo perto do posto de combustível
Como fez Walt Whitman
Canto eu mesmo
Ansioso por celebrar-me
Já que sou sólido e um dia não terei mais corpo
Paro e respiro profundamente
A gente não é o que mente
A gente não é nada que não tente
A gente é mais do que o que sente?
Pelo menos alguns de nós entendem
A gente é apenas o que sente
E agora o que vai ser, Daniel?
O que resta do mundo para você?
Agora que encontrou o rabo do cometa
A inteligência e a revelação te isolarão
Por que de repente fiquei mudo?
Estarei satisfeito no estágio final do começo de tudo?
Os que muito sabem perdem a capacidade
De serem realmente felizes
Ah, mas quem é louco para querer ser apenas feliz?
Querem o riso geral do público, humoristas
Eu quero a minha cerveja preta e
meu cachorro, Link
Eles querem dinheiro infinito e
a posse dos objetos
Eu quero ovos mexidos e
chocolate amargo
Há um limite para o quanto
posso aguentar sem chocolate e café
Eles querem ser singulares e reconhecidos
Querem o suprassumo do prazer
Eu quero muito meu gato Hadec miando
Avisando sobre sua fome ao amanhecer
Querem tudo e com tudo não se satisfarão
Detentores do novo mundo
Reis e rainhas da ilusão
Não há um deles realmente colhudo
Para admitir que ame o circo e o pão
Heróis repletos de conteúdo
Personificados em insurreição
E que parte tenho nesta terra?
Ouço eu mesmo dizer
Nesta infinita treva em guerras
O pouco que me resta pode se perder
Ah, mas eu ainda procuro
Embora esteja à beira do colapso
Levando tiros no escuro
Completamente seguro
Meu corpo fechado é de aço
Só consigo me fingir surdo
No calor de um abraço
Chorei ao ouvir uma música italiana no carro
Sentindo-me não mais que uma criança
Lembrei-me de esculturas de barro
Ergo-me pela própria temperança
Minha mãe dizia “você é raro”
Prossigo minha andança
Seria bom ser hábil na dança
Valsar com um novo amor
Bem atados como um laço
Compreender meu lugar espaço
Girar no mais perfeito compasso
Deleitar-me em teu sabor
Aproveitar-te toda e nua
Dando de ombros para a nova face do fracasso
Aceitando a expressão da alma literalmente crua
Em essência me aceito crasso
É como se ao acender um novo maço
Eu retornasse eternamente à mesma rua
É como deve ser
A morte não anuncia retornos
Espero que alguém um dia espere por mim
Espero que um dia todos os fantasmas
na costa da praia me lancem olhares calorosos
No baile animado de teus olhos mortos
Acharei tudo o que preciso
Ainda que eles sejam seres sem corpos
Eu os saudarei, pois por tanto tempo os procurei
São minha face do Paraíso
Ah, mas no fim de tudo, tudo, enfim, tudo tanto faz
Minhas memórias parecem feitas de veludo
Brilhos fracos em uma vida fugaz
Há lampejos de luz em um caminho 
qual costumava ser escuro, mas
Em um breve sussurro, eu juro
Não volto nunca mais
Adeus para sempre.

Registro da Quarta Fase - Fantasmas de Daniel.
Por: Daniel Rosa Possari.