segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Instante e a vontade de não ter vontades

       Por um instante odiei o fato de que só posso ser quem eu sou.

     É, você bem sabe que eu sou razoavelmente inteligente e não tão comedido assim na minha expansividade, mas aprendi e hoje sei bem como me esgueirar, entende? Preencho espaços vazios de maneira cirúrgica, creia-me. Não importa realmente o quanto posso ser expansivo, pois eu nunca deixei que os outros se anulassem perto de mim. Sempre quis ser tão melhor, mas antigamente não queria por mim. Minha mania estúpida e altissonante de querer mudar o mundo era tão exagerada no coração que era transmitida através de meus olhares brilhantes, mas era tudo reflexo da minha estupidez e ingenuidade. Talvez eu seja apenas idiota ou inocente, sabe? Às vezes queria conseguir ser ou me cogitar tão vilão como qualquer um pode ser. Sinto-me ainda mais idiota e inocente. Quem sabe realmente se existe tanta diferença entre uma coisa e outra? O que me faz pensar que tenho o direito de melhorar algo como se eu fosse uma espécie de síndico chato querendo impor novas regras ao que está fadado a ser ruim. Ver o lado bom das pessoas é uma maldição quando você se percebe incapaz de ajudá-las. Ajudar, porém, pode ainda ser um trabalho ingrato quando você sente que estica o seu braço para alcançar o mundo inteiro, mas o mundo mal nota seus berros desesperados por auxílio. Quem nunca sentiu que fez muito e se sentiu sozinho? Neste processo de percepção, ignorado como tantas pessoas já foram, eu me fechei em mim e esperei por algum acontecimento cinematográfico para me sentir resgatado de um abismo sem fundo. Coisas ruins acontecem independentemente de como eu aja e me afetam. Não gasto os vídeos felizes da internet hoje, pois não quero tirar a graça deles. A alma pode ser fragilizada ou é o coração que adoece? Sinto uma espécie de veneno tentando me percorrer. Corto qualquer parte envenenada sem autocomiseração. Dispenso a companhia dos medíocres e a pena dos que se compadecem por coisas erradas. Eu nem cuspi para cima e o cuspe acertou a minha testa. Por quê? Procuro respostas. Às vezes busco o isolamento e me torno viajante de vários países sem sequer me mover. Penso em inglês para me fingir estrangeiro e até me visualizo gaijin no Japão. Repudio o fato de que prefiro não atuar em um planeta tão oscilante e circense. Todos possuem uma certa inclinação artística, ainda que nela ninguém pense. São poucos os que trabalham para desenvolvê-la. Ouço o sussurro da noite e o choro do vento traz até a minha janela a sombra pálida de uma alma triste. Não sinto pena. Sou tudo o que existe. A madrugada me chama e eu vou. Que cada um ache o que procura! 

     A padronização é ridícula e os padronizados mais ridículos ainda e os que se pensam superiores se igualam na opinião preconceituosa do que se desconfia, mas não se conhece. Eu que conheço sei o suficiente para me manter distante e opto pelo silêncio confortável de quem não possui a pressa de opinar em algo desnecessário. Por um instante queria não ser tão sensato e xingar todos os que se posicionam de maneira descuidada, pois oferecem oportunidades aos verdadeiramente cruéis de existirem por cima. Não, vocês não entendem. Urge em mim um senso de justiça, uma espécie de dever para com uma espécie de lealdade não direcionada. Lealdade à quem, eu me indago e falho em encontrar respostas. Ninguém se importa realmente com muitas coisas.  A realidade é tão assustadora que buscamos amores ao longe. Não há quem nos compreenda ou nos faça feliz na nossa própria cidade e desconheço razão para agir com simpatia sendo que nenhuma dessas pessoas jamais poderá me compreender em um nível intelectual ou emocional. Sinto pena de quem pensa assim, mas uma ou outra vez eu ri. Também posso de quando em quando ser suficientemente inseguro até o ponto de crer que tudo vai dar errado. Pessoas tão absolutas e cheias de si se prostram de joelhos para pessoas mais fracas em nome do amor ou de qualquer coisa parecida com isso. Disso não ouso rir. Quando a percepção alcança a nossa sensibilidade algumas das piadas amargam. O único amargo que tenho admitido é o do café e do chocolate que tanto gosto, mas no último mês me faltou dinheiro e idas ao shopping para que comesse os chocolates. Por um instante odeio todas essas manias e maneiras e maneirismos que me pertencem e que de forma inequívoca me compõe. Uma convicção lúgubre e indelével se deita em minha mente e me vejo paralisado por ser apenas quem eu sou, pois desejei neste instante ser diferente e ter outros sonhos e desejos ou apenas a vontade absoluta de não ter absolutamente vontade nenhuma. Sou incapaz até da vontade de não ter vontades. Entristeço-me. 

     Chego em casa e recebo a alegria dos verdadeiros donos do meu coração. Tenho vivido para fazer companhia aos meus bichos nas oportunidades que eu tenho? Se o sim fosse convicto, eu afirmaria que é uma vida não desperdiçada, mas duvido de mim. Faço comparações absurdas para me sentir  mais dentro de algum lugar. Tento me mover para qualquer lugar longe de mim. Às vezes é difícil. Quando não posso tratar meus incômodos e nem assustar esses fantasmas que me aterrorizam, revolvo-me, inclino-me mais para dentro e longe de tudo. Já que ser outra pessoa não é opção para gente como eu, desejo apenas não ser encontrado. Sumam! Parem de falar comigo! Não, eu não espero que alguém como você entenda. Desde que o gato chegou o cachorro foi esquecido e quem é que nota? Conheço suas teorias banais e discordo de todas elas. Francamente? Essa conversa de não sei se sei o que sei e qualquer idiotice como não sei o que eu quero você pode fazer o que bem quiser. Senti ontem a falta de ter um confidente... Matei o tempo para outra coisa qualquer não conseguir me matar. Sinto falta de alguém que possa guardar segredos e confiar o fardo pesado que é segurar todo o meu coração. Não sei como me fiz assim, mas no último degelo das minhas emoções, transformei-me em algo quase sublime. O meu coração enternecido faz expulsar trevas alheias, ainda que às vezes o escuro se incline sobre o corpo já tão cansado. Façam o que quiserem, sussurro para os demônios que me cercam. Se for preciso abraço toda essa dor e escolho esse tortuoso caminho. É melhor ser ferido e passar por tudo isso sozinho. O meu desgaste aparece nas olheiras. Em breve chegará o tempo da colheita. Sorrio aliviado, mas não me sinto feliz. Por que tudo soa tão errado se estou vivendo como sempre quis?

     Foi só um dia ruim e um instante de loucura de fim de mundo. O que fica e vale é como a gente se acha no estágio final do começo de tudo? Tanto faz. Sinto fome e a vontade de comer faz com que eu me sinta vivo novamente. Aquele momento de desejar não desejar já passou. Vivo por mim e por onde passo deixo meu amor. Espero um dia poder ter alcançar. Você diz que não, mas nós dois bem que poderíamos ser um par. 

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Sonhos excessivos

     Há em mim sonhos excessivos. 

     Li por esses dias que os sonhadores diurnos são perigosos, mas não tenho atacado ninguém. Seria proveitoso que eu me lançasse ao ataque e fizesse o que fosse necessário, inclusive tomar reféns? Um sujeito como eu poderia se valer e tirar vantagem? Não, é impossível, apenas não me vejo assim. Não apenas meus sonhos são excessivos, mas talvez todo o resto que exista em mim. Existe medida exata para que os excessos não sejam assim tão excessivos? 

     Aprendo rápido, mas não sou muito de buscar qualquer tipo de conhecimento. Aprendi a escrever, veja, escrevendo. Minhas experiências pesam sempre mais que minhas observações, embora tenha aprendido a confiar nos olhos do meu coração. Há demasiada esperança na expectativa do que os outros prometem ser e nunca são. Estive sempre para os meus amigos e nem sempre os meus amigos estiveram ali quando necessitei. Agora fiz novos. Admiro-os. Estimo o valor individual de cada um e rogo para que as tempestades vindouras não sejam capazes de nos abalar. Meus amigos verdadeiros me tornam mais feliz. 

     Um dia desses li sobre o que arruinou a amizade de Tolkien e Lewis e é impressionante se informar de que o ego atrapalha até mesmo duas das mentes mais intelectuais e brilhantes. Quantos escolheriam a sensatez quando poderiam ter tudo? Quão invejosos seriam se o seu sucesso ecoasse pelo mundo? Vejo essa situação sem me preocupar. Não sou capaz de esperar isso dos meus amigos e nem de sentir isso por eles. Será que um dia seremos tão vulneráveis e irascíveis assim? Às vezes ninguém me compreende, mas entendo que é por conta dos sonhos todos que carrego em mim. Nem todos abrem os olhos para as possibilidades. É mais barato se economizar em algo distante e alheio, por certo, menos capaz de nos ferir. 

     Olha, se minhas amizades se perderem por tolice, eu não sei o que farei. Fiz os amigos que nunca imaginei que faria e sou feliz como nunca imaginei. Às vezes a rotina lança uma letargia profunda nos dias de rotina e eu conto inutilmente quantas horas faltam para o final de semana. Espero por novas alegrias ao lado das pessoas que amo e me amam. Não tenho como prever o futuro obscuro dos dias, mas se me incomodariam tanto se eu transformasse vocês todos em uma eterna poesia? Rezo para qualquer entidade para que eu não seja responsável por perder meus amigos. À todos os outros não ligo de ser acometido. Que os nossos esforços não sejam esquecidos. Espero que vocês possam valorizar os seus amigos também. 

     Há em mim esperanças excessivas. Espero que apenas minhas amizades sejam correspondidas. Eu me permito devanear neste início de noite com minha boa ilusão. 

domingo, 22 de setembro de 2019

Palavra que não encerram nada - Noite de domingo

     Medos que não sinto ultimamente estão me mantendo acordado. 

     Há um rato no porão, mas não há porão no apartamento. Há algo que incomoda meu coração, mas só me alegro com o que sinto por dentro. O copo de leite gelado está em cima do livro do Wilde e mudo o copo de lugar para nostalgicamente abrir o livro e ler a dedicatória. 

     Em um mundo cheio de Dorian Gray's é um prazer encontrar pessoas como você. Prazer maior é ainda poder te chamar de amigo. 

     Sorrio. O que mais posso fazer? O domingo foi marcado por jogos ruins de futebol, vento gelado, dia ligeiramente cinza, afagos em bichos que sentiram minha ausência. Se um dia eu me for, será que eles vão me esperar com todo esse amor e essa paciência? 

     Creio que sim. Debruço-me na janela para sentir melhor a brisa e observar os transeuntes. É tudo mais vazio aos domingos, embora nos horários de missas tudo mude. Quase toda refeição do meu dia foi insossa. Seria eu o responsável por não sentir o verdadeiro gosto da comida? 

     Tenho pensado excessivamente. Será que eu não superestimei algo por ter medo de perder o pouco do novo que havia de repente? Será que não escolhi fechar meus olhos para algumas falhas graves e conexões repletas de desconexões apenas por ter encontrado pessoas maduras e independentes numa cidade repleta de adultos juvenis e jovens ainda mais pueris? 

     Creio que exista a possibilidade. Há um garoto em um porta-retratos ao lado do teclado qual agora digito. A confiança é um prato que se come frio, é uma frase que eu inventei e o menino gelado ouviu, mas tampouco sei se realmente acredito.

     Vejo sonhos coloridos nos olhos vidrados dos peixes mortos. Espaços brancos a serem preenchidos com a oração dos nossos corpos. Deixo-te para não me deixar. Deito-me para que possa me distanciar. O sono marca a passagem do tempo. Doí agora, mas quem sabe como será no próximo momento?

     Há um evento. Ensaio a minha cegueira para não ver o que não desejaria ver. Não me atuo, mas vejo essa gente viciada em criar personagens prevalecer. O mundo não é justo, eu ouço alguém gritar e sinto o grito se espalhar e sumir. O mundo não é justo, mas e daí?

     O domingo vai se encerrar e eu já deveria estar dormindo. Amanhã acordo cedo para fazer o que se deve e trabalhar como posso. Espero que meu computador não me abandone. Não estou pronto para viver sem ele, mas até que tenho me acostumado a viver com centenas de coisas quais achei que nunca mais poderia viver sem. Tenho até, admito, orgulhado-me de uma ou outra poesia. 

     O amor verdadeiro é insensato e demonstrações não se exigem. A insistência no absolutamente forçado vai te causar uma forte vertigem. Ouça só a notícia boa que chega. É o trem cruzando o apartamento novo como acontecia em um antigo mundo que se esquecera de toda a gente e foi reciprocamente esquecido. Custa-me crer na morte de um velho amigo. 

     A velhice é incômoda e triste. A gente prolonga a vida e numa insistência cega e tola persiste. Há uns tantos por aí derramando arrogância, outros tantos dormindo e perdendo a vida no sono, não sabendo o quanto estão decretando o próprio abandono. Os velhos querem ser mais novos. Os novos querem ser mais velhos. Eu só tenho o desejo de ser eu mesmo. 

     Bebês nascem aqui e muito mais ao sul. A minha cor favorita é vermelho e a sua cor favorita é azul. Não combinamos, sim, eu sei, mas de tanto descombinar com quem combino, eu assino minha condição de risco e me aproximo. Será que você vai me amar e me matar? Será que sou eu destinado a me transformar numa espécie de assassino?

     Não, pois é impossível. Todo assassino mata e eu só consigo me ferir. Você acha que não pode, mas cá estou de novo a me devenir. Não há olhadelas para trás para averiguar o que se deixou. Agora tanto faz o que um dia tanto importou. Outra vez gastei tantas palavras que não encerram nada. Vou dormir e só espero acordar de madrugada se acaso sonhar com o amor. 

Es muß sein!

     Volto e me sinto um pouco em casa. As coisas são diferentes sem o seu barulho. Você faz falta, disseram-me. Eu também senti a falta de muita gente. Bom, eu não sei se creio em Deus ou em qualquer coisa, mas deve existir alguma espécie de centelha sobrenatural envolvida nos meus últimos meses. Eu olho para dentro, revolvo-me, espreguiço-me e mergulho na lembrança dos reveses. Volto e me situo. Olho para a noite e com todo o seu cobertor estrelado. Agradeço por tudo o que me acontece. A gente nem sempre reconhece o que a gente merece, mas isso é parte do crescimento. Quem sabe um dia eu possa deitar sobre a minha própria imagem o carinho que eu tanto dedico aos outros. Es muß sein! Tem de ser assim!

     O quarto está uma bagunça. Vejo que o Yusuke aponta o dedo para um lado e o Majin Boo aponta o dedo para o lado oposto. Deixo a bagunça permanecer. Que nenhum Bimbo-gami me note e que os outros deuses me perdoem, mas hoje não mexo nisso. É um raro dia de hábitos felinos e vou oscilar entre comer e dormir até que me canse de comer e dormir e durma para acordar em um novo dia no qual eu possa ser minimamente útil e absolutamente produtivo. O vento sopra uma canção sem nome. A Nami dorme sossegadamente em uma mala que está acima do armário. Noto que perto dos meus pés o Link também adormeceu com o macaco que comprei de presente para ele. Todo brinquedo novo que trago logo se torna o favorito dele. Com o que sonham os cães? Com o que sonham as gatas? Einmal ist keinmal... Uma vez não conta. Uma vez é nunca.

     Ando por caminhos que nem sei se sei. Corro meus riscos e sei que posso falhar subitamente e de maneira épica. Devaneio sobre o futuro, o tempo, a vida e o amor. Solto por aí, eu apenas sigo e ando. O dinheiro que ganho não é muito, principalmente quando equiparo ao que ganhava. Não há motivo para fazer comparações. Às vezes me congelo quando penso no último emprego, mas tiro o peso de mim até que nem exista pesar. A recordação de que foi na época que saí de onde estava para estar aqui onde estou e que conheci pessoas maravilhosas me conforta. Novas histórias se formam. A gente se enxerga pela primeira vez em muito tempo como parte de um quebra-cabeças. A sensação é inebriante. É bom saber que há pessoas que te olham e te consideram importante. O tanto que sofri para ficar assim... Es muß sein! Tem de ser assim!

     Não sei direito ainda, confesso, qual é o meu lugar. Entenda que eu não me sinto perdido, não, não é isso, mas apenas me vejo confuso quando preciso explicar como adequar meus hábitos que são tão inadequadamente únicos. Nas manhãs de sábado geralmente sou todo barulho, mas nas de domingo sou todo silêncio. Não vejo como explicar de um modo que lhe faça sentido, mas eu tenho protegido os meus amigos e feito algumas coisas boas aqui e ali, tentando sempre, inevitavelmente falhando também. Viver dói e é ingênuo dizer que o sofrimento não é necessário. Às vezes me prendo de maneira excessiva e rigorosa na moralidade. Deveria me arriscar mais do que antes? Deveria hoje considerar essa como a minha primeira e última chance? Einmal ist keinmal... Uma vez não conta. Uma vez é nunca. 

     O amor é diferente para cada um e assim também é o tempo. Tenho vivido sem receios, mas sem pensar e pesar tanto seja lá quais forem as consequências. Às vezes não faço o que quero fazer, ainda que me sobre vontade. Viver retamente é uma espécie de síntese da hipocrisia no que chamamos de realidade? Veja, eu não tenho tido vontades tão excêntricas, mas de quando em quando me pego em imaginações tão férteis e fúteis quanto às ações tão comuns na vida real. Um ou outro olhar que se cruza, um comentário suave sobre a beleza daquela blusa, uma vontade secreta daquilo que ninguém quer realmente fazer segredo. Talvez ocorra apenas uma atitude discreta, pois a ousadia talvez forme uma conexão rápida com o medo. Sinto que perdi uma grande oportunidade. A vida é rápida e eu sou meio lento para algo tão apressado. Estou pontualmente atrasado, quase sempre, quase todos os dias, quase só cinco minutos... Es muß sein! Tem de ser assim.

     É bobeira não apostar em si mesmo. Vidas mudam a todo o instante. Você pode pensar que um momento é insignificante ou vazio, mas está absolutamente errado. Arrastar-se por migalhas de amor vai te fazer mais cansado no dia de amanhã e talvez o seu cansaço te cegue para as próximas oportunidades que a vida trouxer. Não descansar devidamente após fazer exercícios físicos pode fazer com que você machuque seus músculos e tenha que cessar de treinar por meses. Sei como devo agir, mas me inverto. Quero ver se acerto do lado contrário e sinto um arrepio percorrendo os meus ossos, uma espécie de frio que me faz duvidar se posso, mas sou sincero e sigo em frente. Einmal ist keinmal... Uma vez não conta. Uma vez é nunca. 

     Desconfio que me vejam como o vizinho barulhento, uma espécie de vulto que percorre a madrugada gelada, mas inevitavelmente acorda cedo e carboniza o que há em volta. Apesar disso, eu sei amar. Às vezes, configuro-me em uma espécie de categoria não categorizada, como um pokémon nunca visto e pela primeira vez catalogado na pokedex. Talvez lancem estudos sobre a minha pessoa, mas sou tão diferente quanto qualquer outra pessoa e a singularidade de cada um queima no meu peito a chama da alma imortal. Há alguns livros no chão, alguns copos no quarto, gatos pretos, sapos e corujas que me observam. Talvez eu falhe, mas que será de mim? Sinto-me especial em minha convicção sobre obviedades. A vida é muito curta para ser arrogante. Tenho sorrido para todos e pasmo, eu tenho feito isso sendo absolutamente sincero. Será que almas gêmeas existem? Será que há sentido em buscar o emprego dos sonhos ou é melhor o hábito costumeiro do trabalho enfadonho que nos enche de melhores perspectivas de viver e morrer bem, ainda que não do jeito que sonhamos ou desejamos que fosse desde o início? Como protagonista de minha história, pergunto-me, posso pelo menos escolher os meus próprios vícios? Sim! Es muß sein! Tem de ser assim.

     Não sei se me pertenço, mas às vezes cato pedras nas ruas e as arremesso. Troco lixeiras de lugar só para sentir que desafio a lei natural das coisas. Tão cansado da sobriedade habitual, embriago-me em imaginação e canto a felicidade da vida, a bênção divina ou a promessa de tragédia de confiar minha vida em pessoas novas, o júbilo, o fim da solidão, o começo da nova etapa, os tipos de amor, as coisas que me envelhecem e as pessoas que nos matam antes de morrer. Vejo-me de fora, revolvo-me outra vez e absolutamente para dentro. Será que a cidade me abandonou e devo partir? Será que sou apenas um eco fraco do que restou? Meus olhos enxergam profundidades sutis, mas minhas pernas às vezes enfraquecem. Na lucidez desta noite sem fim eu espero que ninguém veja como estou desnudado e minhas vulnerabilidades estão expostas. Nunca escrevi em todas as páginas de um caderno, nunca preenchi metade de uma agenda e nunca pulei de paraquedas. De alguma maneira, porém, concluí três livros. Desorganizado demais para organizar algo que faça sentido, só tenho me achado quando me percebo absolutamente perdido. Possuidor de um orgulho tosco sobre imbecilidades, sou um ótimo mentiroso, mas talhado para falar a verdade, confesso meu pudor moral em quase nunca mentir. Foge-me o que me proporciona absoluta satisfação. O que é que faz sorrir o coração? Odeio quando dizem que sou talentoso. Ando me esforçando um tanto para melhorar que vocês não poderiam supor. Tenho sacrificado meus dias para entender mais quem eu sou. Ainda que talvez eu possa me revelar como um tipo de decepção. Preciso continuar a escrever. Preciso continuar a viver. Os sentidos hoje me escapam, mas minha sensibilidade (minha única qualidade nata), faz com que eu siga em frente. Sou hoje como posso, mas amanhã talvez escolha ser diferente. A gente é o que sente e faz o que sente que precisa fazer. Einmal ist keinmal. Uma vez não conta. Uma vez é nunca. Tem de ser assim. Es muß sein! 

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

O Cântico Angelical

Ouve-se distante
O cântico do infinito
Eterniza cada instante
Transforma o feio em bonito

Ouvem-se os rumores
Quem canta se protege do mal
Torna vivas outrora murchas flores
Como se fosse então Natal

Ouvem-se on sons e as cores
Cada um que os vê é especial
Que surpresa notar que os cantores
São de origem angelical 

Ouve-se distante
O cântico que se propaga
Estrelas despencam flamejantes
Na delicadeza noturna que se apaga

O Amor é exuberante
Mas o cântico distante
Pressagia que ele sempre acaba

Se os anjos te deixam sem esperança
Impotente como uma chorosa criança
Talvez compense acreditar em fadas

O morador de rua

      O morador de rua levanta e caminha. Às vezes ele passa a noite inteira em marcha, passo ante passo, buscando se afastar das coisas quais ele não quer que se aproximem. Ele discretamente lê as capas de jornais. Outrora ele fora alfabetizado, mas esconde essa capacidade. Talvez os outros que dividem a rua com ele se sentissem enraivecidos. É melhor se fazer ignorante. Quando se recorda da vida de antes ele sempre sente vontade de se embriagar. É melhor ser um ignorante. O morador de rua segue caminhando ao longe e só vai parar com o nascer do sol. A melhor hora para se distanciar é nas quartas e quintas de noite durante os jogos de futebol. Quando os perigos se afastam é que seu coração desacelera um pouco. Ele foi assaltado, espancado e humilhado por tantas vezes que perdeu a conta. Ele não quer ser ferido hoje.

     O morador de rua acorda com um chute no abdome. O policial fala qualquer besteira de maneira vil e diz que ele está dormindo em local proibido. O homem concorda com a cabeça, embora ainda tenha lucidez o bastante para saber que poderia muito bem dormir ali. Devagar ele se levanta e passa por quem não quer passar por ele. Evitam o contato de sua pele como se ele fosse excessivamente sujo ou simplesmente contagioso. Agora ele não chora mais. Não há Deus que o salve da miséria. Sonhos e esperanças agora se misturam com a pilhéria que nem deveria haver. Mas quando o mundo se torna ainda mais triste ele reza para os deuses que o esqueceram, pois deseja que chegue logo o amanhecer. Recorda-se de outros tempos, mas desanuvia a cabeça com rapidez. Não adianta perder tempo pensando naquilo que nunca se fez e nem naquilo que foi feito e nunca mais irá mudar. Alguns velhotes passam realmente tristes e sorumbáticos. O morador de rua identifica em seus olhos uma espécie de lamentação que persiste, ainda que não seja algo enfático. Os idosos são silenciosos em suas dores, pois mais da metade de seus amores já partiram. Os moradores de ruas se solidarizam, ainda que ninguém se solidarize com eles. Travam discussões ferozes pela proteção de um cão abandonado. Dividem sua refeição com um bicho que geralmente deixam de lado.

     O morador de rua não corresponde ao seu arquétipo estereotipado. Há um universo ali mesmo que você nunca tenha imaginado. Um dia ele nasceu e era um bebê exatamente como você foi. Talvez ele tenha sido alfabetizado ou talvez não, mas isso não torna ele criatura vil e sem coração. O morador de rua anda em frente por haver gente que gostaria de machucá-lo. Você não precisa dividir sempre o seu fardo, mas será covarde se evitar notá-lo. O morador de rua parece um fantasma ambulante errando por aí e aqui assim tão de repente. Às vezes não notamos, mas o morador de rua também é gente. Eu sei que agora vou dormir e no meu sono vou me indagar sobre alcances, relances, rompantes, crises, reviravoltas e romances. Lá fora um mendigo pode ser espancado e estamos separados por centenas de planetas ou apenas seis quadras, mas estamos universos distantes. 

     Agora certamente vou me distanciar. Nunca desvio meus olhos e me dói não fazer nada por quem vive em necessidade. Após retornar da sexta estação vou me debruçar de corpo e coração pelas pessoas dessa cidade. Quem sabe o mundo não seria melhor com menos vaidade? Acredite em si. Ajude a quem puder... Coragem! Às vezes um morador de rua só precisa de um pouco de atenção. Há coisa mais triste do que alguém que não saiba aproveitar qualquer estação?

   Lá vai ele
Vai como vai
Seu porte
possui requinte
Seu rosto marca
a sombra da morte
Codinome pedinte
Um dia ele teve nome
E até apelido
Agora é alma penada que some
Muitas vezes chamado de bandido
Mas bandido é quem rouba e mata
Ele era só um tranquilo mendigo
Daqueles que juntava latas
Discreto tipo de amigo
O morador de rua está com fome
Chora por moedas e
uma velha lhe diz: "some"
E eu o segui quando ele sumiu
Estendeu um lençol esfarrapado
E de repente dormiu
O sono marca o descanso
E eu preciso me deitar também
Os velhos estão entristecidos
com o fim da juventude.

Noite para solitários

     Uma noite para solitários, eu pensei, provavelmente seria o nome ideal para o texto qual pretendo escrever. Cogitei mensagens para os amigos, mas eles estavam certamente ocupados. Não que eu estivesse realmente sozinho no apartamento em qualquer momento durante a escrita deste texto, mas os que estavam comigo logo se fizeram absortos em outros universos. Cada um é um oceano, não é? Algo assim ou apenas uma gota em um único oceano, se você preferir. Entende essas metáforas breves? Se esta noite é para solitários e solitários somente, eu confesso que vou aproveitá-la da melhor maneira. Eu já fui ao jogo e vencemos e já comi a pizza e a digestão foi feita e tomei mais de oito cervejas, mas isso antes das 18h00 e aí tomei um copo de Coca-Cola. Tive três oportunidades para sair de casa, mas eu sou um solitário de merda e muitas vezes sem valor. De quando em quando preciso da minha solidão. Suma o mundo e eu vou ficar aqui sozinho cantando uma canção ou nenhuma. No prédio da frente alguém termina de tomar o banho e logo se arruma. Existe noite dentro da noite em São Paulo e eles estão na intenção de aproveitá-la. Estão certos, mas seus corações hoje não poderiam suportar o peso de uma noite quieta e só. Quem é que pode culpá-los? Daqui conto agora catorze janelas acesas. Não que as janelas pisquem, mas falo das lâmpadas dentro dos lares. Catorze vidas diferentes da minha e eu aqui só pensando em mim, eu sei, extremamente idiota, como se qualquer pensamento em uma madrugada de sábado mudasse qualquer coisa. Nunca muda. Sinto um pouco de falta das coisas que estão faltando, mas só a chuva tornaria este momento mais lúgubre e solitário. Todo mundo que não é idiota sabe apreciar o charme da chuva e das boas coisas quando elas estão por aí acontecendo e acontecendo e a gente para a vida que se leva correndo para ver o que acontece o tempo inteiro, mas geralmente bem devagar. A gente ostenta um orgulho vil do nosso código de conduta. A gente ostenta um orgulho imbecil da força que se emprega em uma luta. A gente se acostuma com o orgulho, porém, é inadmissível admitir que nos fazemos pequenos para nos encaixar em lugares minúsculos que nunca vão comportar a nossa vastidão. Todo mundo sabe que o problema de ser grande em um lugar pequeno é que você acaba espremido, sem poder exprimir sua opinião. Como não somos frutas, óbvio, não viramos suco. Apertado eu só arrefeço e diminuo e esqueço e poluo e sou qualquer coisa, exceto eu. Por aí jovens aprontam em suas juventudes imbecis e usam drogas e contraem doenças e sorriem e são felizes e fazem seus melhores e rezam para deuses e para demônios. Pedem salvação, pois foram trocados e na leviandade da juventude achamos que o mundo acaba com um fora ou uma decepção, mas a gente continua para aprender o que ensinam e até o que não querem ensinar, mas os bons alunos conseguem notar e os péssimos alunos conseguem outros tipos de aprendizado. Nós não nos valemos das coisas que podemos nos valer porque no fundo a emoção vence a pose e você se vê tão patético quanto os que você trata como opróbrios. Você bebe e bebe e bebe, mas continua sóbrio. Preferia se embriagar hoje, não? Preferia que alguém alcançasse um atalho para o seu coração, mas ninguém alcança. Você pensa que logo chega onde quer chegar, mas não vai chegar. Nem todo mundo chega. 

     A pose é importante, claro, não posso passar a impressão de fragilidade em um mundo viciado em esmagar. E olha aí como a noite se apresenta longa e a lua no céu lança sua sombra no meu corpo e aí no instante seguinte já não sei se estou vivo ou morto e não há lugar para retornar. Agora o estômago queima, a cabeça dói, o coração sofre agulhadas, mas estranhamente minhas mão estão mais firmes do que nunca. Acho que é isso que faz um escritor. Continua colocando a tinta no papel, entende? Eu sinto como se fosse natural continuar digitando neste teclado e digitaria até não sentir meus dedos. Todo o resto fora do lugar e eu aqui feliz com minhas mãos. É irônico, mas faz sentido. É bom me sentir inteiro depois de por tanto tempo estar partido. A solidão não me incomoda hoje e tampouco me comove. Qualquer cidade nova chamo de minha, mas nada é meu até que eu fique. As pessoas chegam e vão tão rápido assim como eu me deito para dormir exausto e acordo no dia seguinte até o dia em que não haverá dia seguinte. Um dia não haverá mais nada e estaremos diante do abismo que engole a vida. Sinto falta do que me falta, mas ninguém entende se não quiser entender. O meu problema é que eu nem sempre sei o que quero querer. Sei o que me é aprazível e poderia gastar outra madrugada descrevendo o indizível para tentar te fazer entender, mas não. Eu me cuido e você se arruma. Assisti quando sua versão antiga partiu na bruma. Todos que podem melhorar também podem piorar. Tanta gente se achando tão madura e fazendo pouco caso das oportunidades que estão por aí e se apresentam como são e aparecem como devem aparecer e você não pode dormir agora, mas quer e pode dormir logo mais, mas logo mais não é o suficiente. A noite é longa e a pose te abandona. Noto que agora são oito luzes acesas. Num quarto mais baixo uma mulher fecha a cortina e tive a impressão de ver mais uma mulher e outro homem. As cortinas não se fecham sem motivos em dias tão quentes. Eles farão sexo e eu continuarei escrevendo. Provavelmente eles ainda vão adormecer antes que eu. As outras janelas então apagadas sinalizam uma despedida. Parte deles optou por dormir e outros começaram a noite. O que é que me espera? Eu sei. Como alguns salaminhos na cozinha e preparo um leite gelado com Nescau. Bebi muitas outras coisas hoje e basta! Um leite gelado com Nescau é o que eu preciso. Volto ao computador e cá estou a escrever ou tentar me descrever apenas para que me sinta objetivo, porém, falho miseravelmente. Nunca durmo com fome e nem me esqueço de um nome, mas um dia esse talento se perde. Escuto alguns berros dos moradores das ruas e percebo que suas discussões são muito mais pontuais que os meus textos. Vai fazer frio e eu mereço esfriar, mas penso nas pessoas lá fora até o momento em que não penso mais. Ah! Eu estive errado. O clima é quente como raras vezes foi e acabo de conferir a previsão. Vai esquentar ainda mais! Cruzes! Toda tragédia é tão singular quanto banal. Sei que as minhas me pertencem. Hoje a minha banalidade é a sensação de incapacidade de escrever um texto. Ainda assim, eu teimo em fazer o que sinto que hoje não posso fazer.

     Durmo duas horas e depois vinte minutos. Trabalho incansavelmente por quatro dias e paro por dois. Queria continuar a escrever agora, mas é melhor deixar para depois. Quando a cidade dorme é que me sinto acordado e insone. Durante os dias anoiteço e preciso descansar, mas não descanso. Minhas olheiras são cada vez maiores e mais roxas, mas minhas atitudes me guiarão para um futuro sensato. Faço o que mais amo e assim nunca me mato. Cumpro minha missão, sou todo coração e por mais esse dia me sinto absolutamente grato. 
 
     Para os que foram cedo desejo bom dia. 
     Para os que foram tarde desejo boa noite. 
     Espero que tenham um ótimo restante de hoje.
    

terça-feira, 17 de setembro de 2019

O mundo está aí para jogo

     Tortuosa sina que me persegue quando
o mundo inteiro facilmente segue em frente
 Se sou tão apto para agir,
Por que tantas vezes me sinto diferente? 
Ah, minha mente não acompanha a velocidade dos vagões
Eu às vezes pareço estar trancado para o lado de fora
No vasto reino dos corações
Perdi-me em um jogo de videogame
Confundi a realidade com a vida
Toda existência é surreal
Ainda que você não perceba ainda 
E o mundo está aberto para o jogo
E você pensa que não pode fazer nada novo
Tortuosa sina que me persegue
Mesmo nos períodos em que eu não habitava este mundo
Os fortes ventos das colinas rasgam minha pele
Qualquer coisa transportada pela ventania
Diz qualquer coisa sobre o fracasso
O receio é um medo infundado
Puro fogo de palha, mas
quando a maré virar e te exigir
Você precisará estar pronto para a batalha
O mundo está aberto aí, sim, senhor
As possibilidades dependem de ti
Não reclame mais, por favor, 
Os motoristas de Uber sempre têm bons conselhos
Se você está bem disposto a escutá-los
Alguns cantam baixinho as músicas do rádio
Outros confessam que falharam em seus sonhos
"Eu aqui queria ser policial e é por isso que
faço meu horário assim. Gosto de chegar em casa
em tempo de assistir minha novela"
Banalmente odiei novelas, ainda sendo poeta e romancista
Mudei quando entendi a importância que exerce
Tortuosa sina de quem falhou no percurso
Alguns fantasmas seguem em nossa encalço
Seu monólogo verdadeiro soa falso
O povo pede outros tipos de discurso
Sentado e com a camiseta apertada me sinto forte
No espelho vejo que engordei alguns quilos
Qual é a importância disso tudo?
Nas calçadas de São Paulo há sempre muita gente,
nas calçadas do centro de Campo Grande também,
Veja que na Champs-Élysées em Paris é igual,
Agora na cidade de Dourados, sempre avermelhada, 
aos domingos eu encontrava mais galinhas
E um dia até encontrei um coelho
O mundo está aí para jogo e
você se dramatiza por querer colo
Tudo bem, tudo bem, tudo bem mesmo?
Saiba que Deus não existe, mas simultaneamente
Deus existe com firmeza
Tenho dois ou três amigos que podem
te guiar pelo processo qual preferir
Mas com ou sem a divindade
A mais dura e bela realidade
O mundo segue aí para jogo
A libertação da sua alma
Ocorre a qualquer momento
Grito de alegria ou de desespero
Lembro-me de quando era comum ter pesadelos
Agora eu apenas não sonho nas noites
Mestre das madrugadas, eu gasto hora por hora
Até me sentir absolutamente sozinho
A escuridão engole o mundo sem demora
Restam apenas o chilrear dos passarinhos
Levanto e caminho como se fosse o senhor do meu Destino
Nunca sei se realmente o sou
Queria achar um mestre que me ensinasse
muito mais do que já penso saber sobre o amor
Amor pra mim é a primeira xícara de café do dia
Seja ela tomada com pressa ou não, mas que se evite a pressa
É preciso saber beber café
Amor pra mim é a gata e o cachorro despertarem
na mesma sincronia que eu e abrirem a porta do banheiro
Eles acordam carentes e letárgicos
Não esperam eu terminar a primeira mijada da manhã
para me pedirem carinho
Agradeço-me por ter sido sempre eu
Às vezes o preço que se paga é alto
Que me falte o resto, mas eu não me falto
Agora me vejo numa praia deserta e de mar fosforescente
Abro os olhos para encontrar na água estrelas cadentes
A gente é o que sente e apenas o que sente
E o mundo está aberto para jogo
E hoje de manhã eu comi ovo
Como se eu não tivesse opção
O céu troca de cores e eu me adapto
Independentemente da situação
E alguns vão para São Paulo e não voltam
Outros ficam não querendo permanecer
Outros vão para o Canadá viver
Outros permanecem esquecidos com a ilusão
de ainda serem lembrados
No final disso, nada terá importado
Os fins acontecem e a gente se esquece
que o que começa precisa terminar
Como é que a gente consegue o que acha que merece
se quando cresce percebe que tudo muda de lugar?
É raro, mas eu diria que nem tudo
Olha o jeito daquele cara parado ali simplesmente
Será que um dia ele pode parar de se preocupar e então encarar
O futuro de um jeito distinto?
Caras como aquele logo logo estão extintos
Ele paga o preço, porém, não quer saber
Firme caminha na água como se fosse algo normal
Bem aqui perto todo e qualquer segredo
Levou centenas de milhares ao degredo
Sombra cinza de poluição
  Tortuosa sina que me persegue quando
Oscila freneticamente o meu coração
O meu juízo é correto, mas minha solidariedade
faz com que eu tenha pena de anunciar a minha decisão
Será que estou trancado eternamente para 
o lado errado do reino dos corações?
Rezo para que o menino dono da chave me ache
Mas não é como se ele realmente existisse
Nem como se realmente se importasse
E a vida segue e o tempo é um conceito inventado
O que não o impede de nos tirar quase tudo
A memória, a beleza, a suavidade da pele,
Amassa tanto a forma quanto o conteúdo
Você gostaria que se conservassem
pelo menos seus grandes acertos
Seu melhor flerte de amor
No final todos esses êxitos
são esmagados nos trilhos do metrô 
A noite caiu, o mundo saiu, as luzes se acenderam,
Amanheceu dentro de mim
O morador de rua me sorriu
Meu primo me procurou
E o mundo vai como vai e nós também
40% dos japoneses adultos são virgens
 Dizem que a Austrália e a Dinamarca são
os melhores países para se viver, mas penso que seja
apenas uma questão de ponto de vista
No Brasil o presidente mimado faz besteira de novo
E nenhum governante jamais pensa em seu povo
Meus problemas eu até que resolvo
A miséria, porém, persiste
A gente fecha os olhos, mas o povo miserável existe
Desacreditando em Deus ou em Futuro ou no dia seguinte
Espancados na madrugada por serem apenas pedintes
Existo mais ou menos do que eles?
Conto meus reveses para que não me perca
Sigo apenas me pertencendo e sabendo
O mundo está aberto para jogo
É tempo de começar de novo?
Responde extasiado meu nobre pobre coração
Aqui dentro é quase sempre inverno
Lá outono, primavera e verão
E eu aqui me sentindo esperto
Espero parado na sexta estação
Ao lado de um fantasmas que me segue
Por se espelhar no meu tipo de ação
Poderei eu ser exemplo nesse mundo para alguém?
Está certo que fantasma é criatura do Além 
Cuido bem da minha casa e do meu jardim
Mas não há borboletas
Quando me sinto assim é como se
minhas perspectivas fossem obsoletas
Nunca vi tantas coisas tão boas ruindo
A canção compartilhada de eternidade
Revela-se em pura verdade
Um sempre acaba desistindo
Tudo que existe é findo?
Muitas pessoas desconhecidas são assassinadas
Mas só aquelas ligeiramente famosas aparecem no jornal
Há diferença para os mortos?
Aqui estamos presos nestes corpos
Sonhando com uma espécie de libertação infinita
E dizem que o mundo está aberto para jogo
E você não escolhe a Rapininha Demaciana 
Embora simpatize com aves de rapina
Estranhamente você deixou de ser um espírito do rio 
E se tornou um especialista em túneis
Cava diretamente para o futuro ou para o passado
Sempre que se sente inseguro ou deixado de lado
A loucura espreita nas profundezas?
Acha-se tudo, exceto certezas
Enxerga-se tudo, mas sem clareza
Confesse-me esta noite o que há
O que te impede de seguir em frente
Você foge da própria culpabilidade
Outras vezes a assume de forma integral
Não restou um pingo de formalidade,
mas você não se sente normal 

Renasça agora para que possa continuar
O ambiente urbano é o seu lugar

Não deixe que te perturbem e diga
Diga mesmo com firmeza e em voz alta
Eu me amo e essa é minha condição exata
Não ligo mais se você me exalta
Houve um tempo em que amei como podia
Hoje meu amor virou poesia 

Meus olhos outra vez transmitirão amor?
Quem merecerá ouvir minhas palavras e o
que produzo com minha mente e dedos?

Como será o novo sabor?
A próxima amada será privilegiada ou
enjoará com rapidez de meus carinhos?

Não sei se ainda sei o que costumava saber
É triste a última rima de quem nunca para de querer se conhecer

Tortuosa sina que me persegue em sonhos
Um dia fui um menino tão risonho

Cresci e fui ferido pelo melhor amigo
Amadureci e morreu meu eu antigo
Quando fico em casa só fico sem camisa
Por quatro anos tive que usá-las sempre, pois
A mais leva das brisas inflamava a minha garganta
Eterno lutador que quando cai sempre levanta 

Preparava-me para o combate impossível
Perdia
Preparava-me para mais uma vez
Perdia
Não importa o quanto a performance fosse incrível
Perdia
De tanto me perder em coisas necessárias
Proteção dos irmãos, amigos e da casa
Achei que estava morto, quando me vi vivo
Saí por aí e me embriaguei espalhando meu sorriso
Isso me causa uma estranha nostalgia
O antigo menino feliz pode sonhar com o paraíso?

Hoje só os melhores vendedores me enganam
Só os inimigos mais inteligentes ainda tramam
Contra mim

E o mundo segue aberto para jogo
Se for bom o bastante nos enfrentaremos de novo
Há um homem zangado morando em meu peito
Há um homem entristecido também
que não sabe que pode ser de outro jeito

Rode-se o mundo para este eu desatino
O mundo está aí para jogo
E eu confiando em destino 

Erro o flerte mais fácil quando basta mentir
Acerto a conquista mais improvável sem me esforçar
Penso no quanto cresci e sei que nunca mais vou voltar
Às vezes me sinto como um anjo colocado por Deus na Terra
Outras vezes grita de dentro um demônio clamando por sangue e guerra
Os tolos ainda perdem tempo com a vituperação
Que cada um diga o que conseguir
Até hoje ninguém foi capaz de traduzir
O meu sempre pulsante coração 

Bebo o café preparado por meu irmão 
E isso é um sinal das novas eras 
Houve um tempo em que ele não sabia fazer café
Agora bebe consideravelmente, ainda que exagere no açúcar
Como salames e bebo mais café
Não tenho religião, mas sou homem de fé
É preciso crer principalmente em si mesmo
Cedo ou tarde todo mundo se pega andando a esmo
Ainda somos os mesmos?

Campo Grande fica em Mato Grosso do Sul
Acho mais bonito o céu cinza do que o azul
Paris, Inter de Milão, gata, cachorro
Talvez eu tenha morrido cem vezes
Mas agora não morro
Conto os minutos para o meu novo trabalho

Não tenho dúvidas do quanto que valho
A gente se ergue pronto para mais uma nova batalha
E eu não estou pronto para algumas despedidas
Vencerei toda e qualquer tentação
Mas não estou mesmo pronto para algumas despedidas
Gostaria de sair daqui exatamente agora
Um pássaro voa, grito e minha voz ecoa
Reinarei outra vez em melhores horas 

A minha miséria é de conhecimento público
Minha felicidade às vezes me torna alheio
Um helicóptero passa e me recordo
Estou hoje na cidade grande
Seria essa a minha cidade das esmeraldas?
Acredito piamente na antiga magia
E nas máquinas enormes que voam
E nos construtores de prédios, mas
Li muito Fernando Pessoa e desconfio-me
Assim desconfiando em seguida do resto
Um jogo de futebol renova minha vida
Isolo-me depois da trágica eliminação em protesto
Minha gata sobe em cima do armário
Meu cão guarda a porta do meu quarto
Eles sabem que devem me proteger
Até que eu possa me livrar de todo esse fardo
É presunção minha achar que posso fazer coisas boas?

Não sei, mas se é assim que é
É assim que tem que ser
Tem de ser assim! Tem de ser assim,
Se me tirarem meus sonhos
O que restará de mim?
Que murchem todas as flores
Que levem todos os amores
Que sentenciem a permanência de minhas dores
Que me tornem monocromático em um mundo de cores
Mas me deixem escrever e sonhar com um mundo melhor
Deixem-me em paz quando eu falar
que quero mudar o que está ao meu redor

Contei para uma conhecida que quinta-feira
É o dia de Thor
Ela achou que era bobeira, mas
depende do ponto de vista
As mulheres sabem que é perda de tempo, 

mas seguem engravidando de charmosos guitarristas
E o mundo está aberto para jogo
Qualquer músico é do tipo mais perigoso
De gente, mas no final do dia todo mundo é
Apenas o que sente quando não mente
E não há ninguém para ver
Seu isolamento é um pequeno prêmio
Pela coerência que você promete ter
Não tenho compromisso com a coerência
Você esgotou a minha paciência e quero distância
Nem se tivesse a melhor das aparências
Toleraria sua loucura e inconstância
Mas seja assim mesmo, por favor,
Exatamente como é
Nessa vida todo mundo nasce devedor
E a gente fracassa tentando chegar ao objetivo que quiser
Não sinto vontade de morrer, não, Senhor

Deixe-me aqui por muitos anos
O que acha?
Dane-se o futuro, entretanto,
Hoje é dia de cerveja e cachaça com meus irmãos
E talvez seja o último dia assim ou o primeiro de muitos que virão
Em um tempo em que não se conta até que tenha passado
Acenderam o cigarro perto de mim e eu que nunca fumei
Talvez tenha mesmo fumado, mas acho que não
A solidão às vezes me embaça
Meu ímpeto nunca vira fumaça
Meu corpo sempre se levanta do chão
O amor infinito é uma ilusão
Um sentimento duradouro assim morre e surge de repente
Dividir anos e planos é uma vulgaridade,
mas na felicidade essa vontade a gente sente
Vê como a vida vai de repente?
E o mundo está aí para jogo
E eu também
E você está aí para jogo
Apesar do seu desdém
E eu estou aí para jogo
Sei que estou pronto, enfim,
para o próximo encontro assim
O mundo segue aí para jogo 

Os idiotas se aproximam
Os especiais se afastam e somem
A separação é o destino final de cada homem
Acharei alguém quando a noite acabar?

Estive sentado em uma mesa de bar
Hoje a cerveja não desceu tão bem
É tudo sobre como cai o álcool
É tudo sobre quase qualquer coisa que se alcança
Só os tolos e ingênuos conservam alguma esperança
Quase tudo foi perdido antes mesmo de sua presença
A solidão te assombra e retorna no que você encontra sua sentença
Você acha que não merece ser mais feliz do que é
Acha que quem seguiu não tinha o direito de amar
Justamente em seguida
Oitenta e oito horas depois
O amor da sua vida amou outra pessoa
Você se vê como uma sombra pálida
Memória impotente e falha
Criança sem guarda-chuva largada na garoa
Os trilhos do trem seguem firmes
Todo mundo aguarda pelo estouro
Toque de Midas se aproxima
Desafiante errante da própria sina
Você também quer transformar tudo em Ouro
ou qualquer coisa mais valiosa do que isso
Meu coração é mais forte que o vidro
Mas o amor é algo notavelmente estranho
Ele pode nascer num mergulho profundo de um beijo
ou na profusão de olhos comumente castanhos
Mas o amor é algo indecifrável, pois amar 

é correr o risco de se encontrar
Sozinho, triste, enraivecido e sem lar
Quando a convicção vira incerteza
Quando a comoção se transforma em dureza
Ah, mas o que você precisa entender é simples
Pessoas vão por longos tempos e algumas não voltam
Eu sou o senhor do lago e rei do mar vermelho
Você qualquer coisa maior
Não acredita em miragens e conhece passagens
que nos transportam através de espelhos 

Iluminado seja o meu caminho
Que eu sempre note as fragilidades
Que eu enxergue a verdade de tudo que vejo
Que eu feche os olhos a cada beijo
Que eu persevere no negrume

Que na escuridão infinda eu seja vaga-lume
Que eu bata papo como os sapos
Coaxe apenas insultos fracos
Abrilhante o que for absolutamente opaco
Se tudo o que há foi construído pensando em nós
O que explica o costume que cada indivíduo possui
de se tornar o próprio algoz?
Há trabalho para fazer e contratos para ler
E e-mails para enviar e livros para revisar e contos

Sim, contos também, embora eu seja romancista ficcional
Nada disso me faz me sentir como mais do que meramente normal
Alguém me avisa se ainda há o que procuro
Alguém me avise se minha luz finda o escuro
Será que meu riso cruza a ponte da sua solitude?
Será que dividir o tempo comigo pode fazer com que você mude?
Pois eu tenho me transformado quando bem acompanhado
Aprecio sempre água, café, vinho, cerveja e companhias
Faço vitaminas, tomo suco e finjo que entendo de poesias
Há luz no apartamento do vizinho
Como será que gira o Universo dele hoje?
Será que se encontra sozinho?

O mundo é vasto e os meus esforços eu gasto
Tentando melhorar e prevalecer
Não perco a minha humanidade e levanto minha cabeça
Já recuperei a minha sanidade, mas é bem provável que eu a esqueça
Assumo minhas responsabilidades e depois as golpeio
Sou mais sonhador que o apanhador no campo de centeio
Pode ficar perto de mim sem me odiar ou sem me amar?
Odeio a indiferença que sinto pelos diferentes
Eu bem que prefiro ser amado ou odiado
Sem meio termos, mas não sei se você me compreende
Você gosta do meio do caminho e das instabilidades estáveis
Ama dizer que não sabe o que fazer, embora esteja sempre fazendo
O mundo está aí para jogo e você vai jogando e vencendo
Engole a seco uma verdade crua e áspera
Imito um músico, pois não posso ser cruel assim
Embora os fantasmas de amor zombem do que ainda resta de mim
Renasço hoje, pois ainda há tempo para ser feliz
Renasço e me movo rumo ao que eu sempre quis
Nunca me esqueço, mas sei que um dia me esquecerei
A gente se despede antes do beijo final da morte
Só quem é dotado de muita sorte
Consegue devidamente desaparecer
O que conta, em regra, é a regra

Alguns gritarão, pois odeiam a regra
Não seguir nada deve ser a atitude cega
Apenas seguir em frente
Solilóquios em fúria
Sem ensaios ou esboços de minha lamúria
Não ensaiamos a vida, eu li algum conselho assim
Em algum dos livros recentes
A gente mal estreia e é hora da partida
A vida passa como um filme e ri da gente
O Deus ou os Deuses que nos colocaram aqui ou
qualquer explosão no espaço
Riem e se divertem com o nosso cansaço
Nós não somos o que fomos
Nós apenas não podemos mais ser
Há lembranças tão poderosas e
você coloca todas à prova
Quer deixar essa cidade,
o estado e até o país
Essa cambada de manés
Repletos de vaidade
que nos impede de ser feliz
Galho seco, árvore morta, tortuosa,
Mouse neon, música clássica, trova,
Carteira, remédio, cigarros, loto, 

Notícia alvissareira encerra o tédio
Dirijo meu carro e mato minha sede com um copo
De água
Leio três livros em três meses
Leio mais dezesseis em outros três
Arranjo o tempo que não me facilita a vida
Perco o medo e morre minha ansiedade
Desisti de exigir dos outros qualquer tipo de verdade
No final nos esqueceremos mesmo
Eu já nem lembro quem fui dez anos atrás
Tenho me esforçado para nunca andar errado
Seria péssimo me sentir incapaz
Memorizo os horários mais improváveis do relógio
Prevaleço entre os opróbrios
A minha vontade de viver queima sem hesitação
Amanhã vou ser melhor do que hoje
Nas entranhas sinto que o mundo está para jogo
Se me sentir com vontade até escalarei montanhas
Apenas para observar um tipo lendário de corvo
Não há segredos que possam ser guardados
Bocejo sozinho no meu quarto
Calo-me e penso se há realmente algo
que eu gostaria que ninguém jamais soubesse
Será que se Deus existir lá para o final de tudo
nós podemos rever nossos piores e melhores momentos?
Há alguns dias que fui tão engraçado e mal me lembro
Gosto de fazer outras pessoas sorrir
Divido estradas com pessoas quebradas
Até que elas possam se reconstruir
Observo a Vida de minha sacada
Como se fosse Algo que pudesse remir
Enjaularam coisas importantes
Mas você cresceu tanto agora
Governantes, mendigos, ébrios, príncipes,
Comediantes, mercadores e sérios,
Todos esperam por melhores horas
Nenhum dos filmes novos prestam
Queria sacudir quem não me conhece e me detesta
Eu conheci o segredo da Escuridão
Quase morri sufocado nas trevas
Outra vez fui salvo por meu coração
Sobrevivente de tantas guerras
Continuei, pois sempre continuo
O crepúsculo anuncia que em breve
Tudo deve encontrar um fim
Estátuas de carne fingem o que devem fingir
Blogueiros da nova geração simulam sorrisos
Por eles vocês só saberão o que eles julgam preciso
Imitações baratas do tradicional Narciso
Mas não se afogam, ah, não 

Misturam idiomas para aumentar a pose
Now we are so close
Nada adianta, mas novas pessoas surgem
Eu preparo a minha simples janta
Os velhos leões rugem 

As novas necessidades urgem 
Plante uma árvore, faça um filho, escreva um livro,
Plante um livro, escreva um filho, faça uma árvore,

Faça o que você quiser e nada além disso,
Se desejar faça sexo sem compromisso,
É melhor viver do que ser omisso
Aproveite o mês, a semana e o dia
Compre um pacote de viagem caro
Parcele sua agonia, mas
Seja feliz inteiramente agora
Tome café em horários improváveis
Deseje um ótimo dia para todo mundo
Conquiste terrenos inconquistáveis

Faça sua própria campanha
Mestre singular das façanhas
Lute como um lutador de boxe
Se ainda possuir joelhos que aguentem
Os ossos são importantes por toda a vida
Escute músicas diferentes e dê um jeito
No seu mais secreto e bobo preconceito
Não rejeite por antecipação
Você não sabe o que quer que seja por dedução
Fale, ouça, transmita, pergunte,
Com os velhos e as crianças seja paciente
Um dia fomos pequenos incompreensíveis
E é provável que sejamos idosos impotentes
Estou aconselhando alguém com a esperança
de que exista alguma profundidade em frases rasas
Esperando que a temperança me faça bem
Assim como bem me faz digitar essas palavras
Bebo água e encho a garrafa e sinto saudades
De coisas que nem sei se vivi ou não
É melhor ser sensível ao invisível
do que imune à comoção 

A poeira das queimadas coloriu a lua
As crianças inocentemente se divertem nas ruas
Pressagiando e blasfemando dezenas de poesias
O país se acabando e em cada rosto ainda vejo alegria
Estou perdido dentro da minha própria cabeça?
Ouvi o Silêncio tentando pronunciar nomes
Não dou ouvidos
Nos Estados Unidos um gato é preso suspeito de furto
Há um cachorro que é prefeito de uma cidade
Esse tipo de bobageira eu sempre curto
Como não amar a simplicidade?

A vida nos ensina
A praticidade de se viver
O processo de amadurecer
A próxima rima

Nunca mais tive medo de avião
Vê como sou grande agora?
Enfrentaria sozinho um batalhão
Se fosse para proteger-te agora
Mares calmos não fazem grandes marinheiros
A si mesmo seja verdadeiro
Não se envergonhe de ser quem é
O resto que se dane
Quem é que pode contra sua fé?
Percebo que me perdi outra vez
Canto minha vida e minha tristeza
Sou feliz pela vulnerabilidade que há
em minhas fortalezas
Convicto apenas de minhas incertezas
Os olhos se comprimem e a visão é perfeita
Um dia o corpo cansa, mas a alma se sentirá satisfeita
O que é que previ em uma noite de sono profundo?

Era o meu fim ou apenas o fim do mundo?
Vi sonhos coloridos nos olhos vidrados dos peixes mortos
Espaços brancos a serem preenchidos com orações
E nossos corpos
Nus
Há uma centelha de Algo maior
que espreita ao redor e ainda me seduz
Da torre mais alta resolve meus dilemas
No ocaso surgem novos e complicados problemas
Abro o portão e choro sozinho
Acho-me e depois me perco
Sumo e reapareço logo bem disposto
Mostro-me tanto que me sinto nu e exposto
É o que tenho que fazer, eu presumo,
Espremo-me até o corpo material virar sumo
Será que os santos me observam de braços cruzados?
Será que me julgam por não ter rezado?
Em silêncio faço orações
Discretamente alegro corações
Havia, porém, algo importante qual eu vim falar
Era algo sobre como e quando ou sobre algum lugar?

Distraído bati meus cotovelos e ombros
Não sei como ainda me assombro
Depois que a raiva de instantes passa, eu sorrio
O frenesi vira uma espécie de carcaça transportada por um rio
Metafórico ou não
Oscilo eternamente entre herói e vilão
Ainda não me lembro do que pretendia dizer

Admiro os que permanecem retos
quando todos os outros se curvam
Nunca alternam e sempre são os mesmos
Ainda que seja bobeira não mudar
Alguns são fadados a ficar
Incredulidade que se arrasta
Ausência que nos afasta
O que é que nos basta?
Às vezes perco a memória do sentir
Se eu te pedir com carinho
Só por essa noite você pode me ferir?
Preciso dizer algo, mas não sei o que é
Certamente me esqueci
da parte mais importante de novo 

O que é que eu tinha que lembrar?
Ah! O mundo está aí para jogo!
Está mesmo, de fato?
Os esquecidos seguem sendo esquecidos
Os mais idiotas estão guardados em algum lugar
Sortudo é quem possui amigos para os quais voltar
Mas um dia a gente vai e não volta nunca
E você ainda não valoriza as coisas que conquistou?
O mundo aí pra jogo e você pensando que desconhece o amor?
Espero que chova bastante hoje, amanhã e depois
A secura têm me ferrado de verde e branco
Tanta escravidão que facilmente se vê
Tanta gente prostrada no chão de joelhos
Amargamente, vejo, apenas por dinheiro
Ainda existe amor verdadeiro?
Claro que sim, claro que sim, claro, sim,
Embora toda boa história precise de um pouco de devaneio
E todo começo encontre seu devido Fim
A noite se aproxima e logo o sol some
Amanhã cedinho lá vai a vida outra vez
Pelo menos para a maioria
O mundo estará para jogo
A gente tem que reaprender todo dia
Sobre como começar de novo.