E novamente viram Fazel aconselhando outras pessoas. Quem o conhecia há pouco tempo, achava o rapaz genial. Quem o conhecia há muito tempo, achava ele repetitivo, massante, e algumas vezes até ridículo. Era uma pessoa montanha russa, assim como são a maioria das pessoas, ou como disse o senhor de terno, poderiam dizer também que ele era como São Paulo. Não entendi inicialmente o que significa ser igual São Paulo, mas ele logo fez questão de explicar-se. Você precisa levar um guarda-chuva e um casaco quando sai de casa às 6:00h. Porque até chegar o meio dia, pode ter chovido e parado de chover cinco vezes. Porque às 15:00h pode estar insuportavelmente quente, e às 17:00h pode estar bastante frio. Sim... Fazel não era igual São Paulo, e jamais se enxergava assim, mas os outros o achavam. E Deus... Como ele se importava com o que achavam dele! Fazel era puro de coração, e não tinha malícia em quase nada, foi quando conheceu Ame.
Quem nunca ouviu que os opostos se atraem? Ame era totalmente diferente de Fazel. A garota já tinha passado por maus bocados em sua vida. Eram tantas suas experiências que até carregava um certo rancor do mundo. Tinha tido traumas amorosos, tinha tido traumas familiares, e encarava tudo de peito aberto. Seu lema era ter uma coragem capaz de engolir o mundo. Ela sabia mais do que ele, e mais do que quase todos. Você não nada junto com outros peixes amigos. Quem nada com você são tubarões, e todos eles querem te comer. No caso dela, não era só uma metáfora. Era uma garota bonita. Não espetacular, ou fantástica, mas bastante bonita. Sua maior virtude além de sua coragem era sua singularidade. Ela era das mulheres mais difíceis, e eram sempre estas que os homens mais se esforçavam para conquistar. O mundo tinha sido duro com aquela mulher. Ame havia aprendido muito sobre o mundo para deixar que o mundo fosse seu molde.
- Você precisa tomar cuidado... Quase ninguém vai querer seu bem.
- Mas eles são todos meus amigos e minhas amigas. Você pode confiar.
- Seria mais fácil se você acreditasse em mim, mas, é você quem faz suas escolhas. Eu bati muito a minha cabeça e machuquei ela muito forte.
- O que quer dizer?
- Que eu não tenho mais cabeça para bater por ninguém. Por mais que eu não goste de acreditar, um dia teremos o nosso fim selado por você.
- Eu nunca faria isso! Eu amo você, Ame!
- Claro que ama, mas mesmo o amor exige alguns sacrifícios e alguns esforços.
- Eu posso me esforçar mais...
- Não. Nós sabemos que não, Fazel.
- Você vai me deixar?!
- Não. Nunca. Infelizmente eu não consigo... Mas depois que você perder todos os seus falsos amigos, e sobrarem dois, ou três, ou nenhum, você vai ver que eu estava certa. E aí vai ser a vez de você recuperá-los. E você vai! Vai até fazer novos amigos... E eles vão te deixar de novo. E você vai viver em eterno sacrifício por eles mesmo que nenhum deles se sacrifique por você.
- E o que eu faço então? Eu não quero te deixar.
- Não quer agora. Um dia vai querer... Quando eu te vi eu soube e quando você me disse que já nos conhecíamos de outra vida, eu acreditei em você.
- Eu sinto que nos conhecemos.
- Sim, eu quase me lembro. Você é minha alma gêmea.
- Então por que não vamos ficar juntos?
- Porque eu farei todos os sacrifícios necessários por sua felicidade, Fazel, e você fará tudo pelos outros, mas esquecerá de mim. É, porque, até ontem éramos outros, mas você cometeu os mesmos erros. Me dê motivos, mas não me dê escolhas. Eu cometerei o erro de insistir no tanto que eu te amo. Eu não posso te deixar.
- Cala a sua boca! A gente pode dar certo... A gente já deu certo antes.
- E daí?
- Não faz diferença?
- Claro que não! Garoto estúpido! Será que você não entende?
- Sim!
- Claro que não entende!
- Entendo!
Eram apaixonados um pelo outro, mas jamais se entendiam. Fazel não se blindava de ninguém. Todos que o atiravam, acertavam Ame. Ela não podia deixar seu amado ser metralhado, e na realidade, todos sabiam que ela era quem tinha a pele resistente como um escudo de aço, mas mesmo assim o tempo é cruel, e algumas balas perfuravam a forte barreira de Ame. Aos poucos, ela não conseguia mais ficar em pé. Fazel melhorou para tentar socorrer seu amor, mas não mudou o suficiente e no tempo que era necessário. Queria que tudo fosse lento, e no seu tempo. Não conseguia entender porque Ame estava morrendo. Não conseguia ver os sacrifícios que Ame fazia pelo amor deles. Mesmo sem ter a intenção, Fazel submeteu Ame outra vez a todo o inferno que ela já tinha vivido muito antes de conhecê-lo. Ela não mais vivia, e nem mais andava, só vivia rastejando de um canto para o outro. Ele a repudiou um pouco, mas teve pena. E foi sua pena que matou Ame de vez. Em seu leito de morte, a garota juntou forças para ficar de pé uma última vez. E por uma última vez os dois foram como no primeiro dia. Se beijaram tão intensamente que até mesmo as estrelas mais brilhantes no céu ficaram com inveja daquele brilho no olhar. Os dois choraram... Fazel chorou por arrependimento e Ame chorou por acreditar que Fazel finalmente tinha aprendido. Ela tocou suavemente seu rosto, e sentiu sua barba serrada pela última vez.
- Meu amor... Eu queria que tivesse descoberto enquanto eu ainda tinha forças.
- Perdão... Dessa vez é sincero. Perdoa-me, amor.
- Sempre. Só me prometa uma coisa, Fazel...
- Qualquer coisa!
- Não será assim com a próxima pessoa.
- Eu prometo. Eu matei você, meu amor... O que eu fiz?!
- Você precisa ser você mesmo, Fazel. E isso não quer dizer que você tenha que viver a sua vida em sacrifícios.
- Eu sei o que significa agora... Eu devia ter escolhido melhor pelo que vale a pena se sacrificar. Você sempre me protegeu e eu... Eu ainda sim não me sacrifiquei por você. Quase nada! Você merecia muito mais... Me perdoe!
- Fazel... Não há mais motivos para pedir desculpa. Não importa o que vai ser para você daqui para frente. Eu vou virar um anjo e vou continuar te protegendo. Só não cometa os mesmos erros, e tente você mesmo ser seu próprio escudo. Eu aguentaria levar quinhentos tiros, mas você me deixou ser atingida por mil.
- Desculpe... Eu vou te amar para a eternidade, Ame.
- Nossas almas voltarão a se encontrar. Daqui 100 anos, ou 1000. O que eu sei é que teremos novamente uma chance de ficar juntos. Enquanto isso, eu vou na frente, e vou afastando os perigos do caminho para quando chegar a sua vez. Eu e você voltaremos a nos encontrar, meu querido.
- Sempre?
- Sempre...
"A gente sempre destrói aquilo que mais ama
Em um campo aberto ou numa emboscada
Alguns com a leveza do carinho
Outros com a dureza da palavra
Os covardes destroem com um beijo
Os valentes com uma espada". Oscar Wilde.
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