Eu costumava me indagar sobre ter que mudar mesmo contra a
minha vontade. Achava, de maneira ingênua, que eu era a casa que pertencia à
cidade. Faz qualquer sentido? Morei quase dezoito anos na mesma casa, e de
repente, a vida vem como um furacão e tira tudo do lugar. Tudo. Para quem já
sentiu na pele as rajadas cruéis de vento que parecem vir de lugar nenhum somente
para te perseguir, a lembrança da conspurcação da sua mentalidade pura é algo
nítido, real e doloroso. O processo que você encara mexe com seu brio, e geralmente
é fatal e desgostoso. Quando você enxerga o mundo como ele é, precisa respirar
fundo e ter calma, pois quem vive aqui e não se pertence, cedo ou tarde perde
sua alma.
Não é uma rima de maldição, muito pelo contrário. Eu só
estou falando do que vivi. Alegria e calvário. E quem diria, que um dia, eu não
seria mais o menino da rua Ipacaraí. A maravilhosa rua sem saída da qual eu
achei que fazia parte. O lugar onde cresci jogando vídeo game todos os dias, e
fazendo eternos ensaios sobre minhas artes. Imaginei que a rua gostava de me
ter por perto, mas uma rua é feliz desde que exista quem more nela e você não
precisa ter sido uma rua para saber. Ela nunca precisou de mim, e nem eu dela,
mas nos meus sonhos isso existia de uma forma poética. Zero a vinte. De bebê
até menininho, de menininho até menino chorão, de menino chorão até menino, de
menino até menino que acha que é crescido, e de menino que acha que é crescido
até menino que acha que está ficando adulto. Quando a gente percebe quão lentas
são nossas mudanças, é difícil não ficar puto. E continuamos a evoluir. O
menino que acha que está ficando adulto vira um jovem que acha que é adulto, e
esse jovem que acha que é adulto torna-se um jovem que não é menino e nem
adulto. Finalmente você evoluiu. Parabéns, agora você é nada. Isso mesmo: nada.
É aqui onde você reflete sobre o que você é de verdade. No meu caso, eu era um
menino-homem, desesperado para ser mais homem do que realmente era. Um garoto
velho e pentelho que tentava se convencer de que ainda havia bons espelhos, mas
que acreditava em qualquer boato. Parti da rua Ipacaraí nesse estágio em que eu
era igual a nada. A casa ficou, o mundo mudou, e eu fui levado junto.
Nas marés da vida, se você não tem força para nadar para
onde quer, vai acabar em qualquer lugar que seja arrastado. Nas tormentas dos
outros, vai confundir o certo com o errado. E tudo que você aprendeu só terá
valor quando você tiver aprendido novamente, de outra maneira. Porque somos
teimosos e persistentes nos erros, e fazemos muitas besteiras. É esquisito, mas
geralmente é necessário que seja assim. Tive depressão depois da primeira
mudança. Não daquela que te faz chorar todos os dias, mas daquela que te faz
ter pesadelos todas as madrugadas. Não daquela que faz com que você queira se
matar, mas daquela que você não tem forças e muito menos coragem para se mover.
Paralisado. Um ano assim e eu soube que demora até mesmo para se chegar ao
fundo do poço. E você não procura profissionais para tratar suas dores e medos,
e se esforça para não ser consumido por seus poucos segredos. Você quer ser dono
de você agora, imediatamente, mas você percebe que ainda não se pertence.
Vômito. Hospital. Brigas infindáveis. Esquecimento. Loucura. Sono. Raiva. Mais
vômito. E você acha que o seu mundo não pode piorar, mas há gente caindo do céu
perto da janela do seu quarto. Plack. E você não pode fazer nada por eles, pois
não é nem mesmo capaz de fazer algo útil por você. E repentinamente, outra
mudança.
Quando mudei de apartamento, minha cabeça se preparou para
os grandes eventos que eu já vinha ameaçando realizar. E depois de tantas
tempestades num mar agitado, veio a bonança. 1802. Centro. Pedro Celestino. Não
sei como, mas revivi meu eu menino. E li muitos livros, quase escrevi um
inteiro, e admirei a obra do Criador todas as manhãs, tardes e noites. Pés na
terra. Olhos no céu. Felicidade inédita frágil como o papel. O nascer e pôr do
sol, as estrelas em um céu pintado de preto ou azul escuro. A lua imponente. Quase
dois anos morando no alto. E percebi que queria estar no alto para sempre.
Quase dois anos de grandes evoluções dentro da minha alma e do meu coração.
Grandes reforços nas minhas convicções, refinamento do meu caráter, e
confirmação da postura que eu escolhi para a minha vida. Paguei o preço.
Precisei de alguns recomeços, mas depois de tudo finalmente pude perceber o
quanto só eu era o responsável por tudo que acontecia comigo, e tudo que eu
deixava acontecer. Não me sinto mais culpado por aquilo que muita gente tentou
me colocar a culpa. Não sou culpado pelos pesares de qualquer pessoa e nem por
relacionamentos alheios. Não sou culpado por qualquer coisa que não fiz. E quando eu
tentava me ajeitar no que parecia ser quase
bom o bastante, nós nos mudamos mais uma vez. E eu percebi que nunca mudei
tanto antes. Não eram as mudanças de endereço que me faziam piorar ou melhorar. Eram as experiências que eu vivia durante aquelas épocas difíceis, mas que sempre terminavam em um lar acolhedor. Agora eu sei que não posso esperar que seja acolhido toda vez que tudo der errado. Finalmente a casa e os prédios não fazem
mais quem eu sou. Eu sou a minha própria casa e o meu coração bate por mim. Posso
dizer isso de uma maneira figurada ou literal, mas de ambos os jeitos será algo
verdadeiro. Hoje tenho certeza que com a "casa arrumada", grandes coisas estão por vir. Ouça os outros, mas presta atenção em você mesmo. Ajude as pessoas,
mas não decida nada por elas. A única coisa incontestável que sei é que só eu tenho certeza das coisas que eu sinto. Mil conselhos não farão mudar
o que habita dentro do teu peito. Só a gente sabe o que se passa dentro do
nosso coração. Só nós podemos edificar uma casa que não ceda à um furacão. E a
última coisa que vou te dizer, leitor, mas que sei que você não vai me dar
ouvidos (eu não te ouviria também). Você
pode ir com tudo, mas vão tentar cortar as suas asas, e na marra vai aprender que não se mergulha fundo em pessoas rasas. Esta é a atualização do blog do dia
24 de setembro de 2016. Um ótimo sábado para todos e que o Palmeiras vença o
Coritiba! Fiquem com Deus! Amém!
*Uma excelente semana para todos vocês que vieram até aqui me ler. O Palmeiras venceu. Postagem feita ontem, mas publicada hoje no dia 25*.
"Sempre se glorifica por seus atos
Caçador de ratos
Da mente obscurecida
Eu queria ser como você
Mas hoje posso ver
Você não vale sua comida".