sábado, 24 de setembro de 2016

Casas e coração

Eu costumava me indagar sobre ter que mudar mesmo contra a minha vontade. Achava, de maneira ingênua, que eu era a casa que pertencia à cidade. Faz qualquer sentido? Morei quase dezoito anos na mesma casa, e de repente, a vida vem como um furacão e tira tudo do lugar. Tudo. Para quem já sentiu na pele as rajadas cruéis de vento que parecem vir de lugar nenhum somente para te perseguir, a lembrança da conspurcação da sua mentalidade pura é algo nítido, real e doloroso. O processo que você encara mexe com seu brio, e geralmente é fatal e desgostoso. Quando você enxerga o mundo como ele é, precisa respirar fundo e ter calma, pois quem vive aqui e não se pertence, cedo ou tarde perde sua alma.


Não é uma rima de maldição, muito pelo contrário. Eu só estou falando do que vivi. Alegria e calvário. E quem diria, que um dia, eu não seria mais o menino da rua Ipacaraí. A maravilhosa rua sem saída da qual eu achei que fazia parte. O lugar onde cresci jogando vídeo game todos os dias, e fazendo eternos ensaios sobre minhas artes. Imaginei que a rua gostava de me ter por perto, mas uma rua é feliz desde que exista quem more nela e você não precisa ter sido uma rua para saber. Ela nunca precisou de mim, e nem eu dela, mas nos meus sonhos isso existia de uma forma poética. Zero a vinte. De bebê até menininho, de menininho até menino chorão, de menino chorão até menino, de menino até menino que acha que é crescido, e de menino que acha que é crescido até menino que acha que está ficando adulto. Quando a gente percebe quão lentas são nossas mudanças, é difícil não ficar puto. E continuamos a evoluir. O menino que acha que está ficando adulto vira um jovem que acha que é adulto, e esse jovem que acha que é adulto torna-se um jovem que não é menino e nem adulto. Finalmente você evoluiu. Parabéns, agora você é nada. Isso mesmo: nada. É aqui onde você reflete sobre o que você é de verdade. No meu caso, eu era um menino-homem, desesperado para ser mais homem do que realmente era. Um garoto velho e pentelho que tentava se convencer de que ainda havia bons espelhos, mas que acreditava em qualquer boato. Parti da rua Ipacaraí nesse estágio em que eu era igual a nada. A casa ficou, o mundo mudou, e eu fui levado junto.


Nas marés da vida, se você não tem força para nadar para onde quer, vai acabar em qualquer lugar que seja arrastado. Nas tormentas dos outros, vai confundir o certo com o errado. E tudo que você aprendeu só terá valor quando você tiver aprendido novamente, de outra maneira. Porque somos teimosos e persistentes nos erros, e fazemos muitas besteiras. É esquisito, mas geralmente é necessário que seja assim. Tive depressão depois da primeira mudança. Não daquela que te faz chorar todos os dias, mas daquela que te faz ter pesadelos todas as madrugadas. Não daquela que faz com que você queira se matar, mas daquela que você não tem forças e muito menos coragem para se mover. Paralisado. Um ano assim e eu soube que demora até mesmo para se chegar ao fundo do poço. E você não procura profissionais para tratar suas dores e medos, e se esforça para não ser consumido por seus poucos segredos. Você quer ser dono de você agora, imediatamente, mas você percebe que ainda não se pertence. Vômito. Hospital. Brigas infindáveis. Esquecimento. Loucura. Sono. Raiva. Mais vômito. E você acha que o seu mundo não pode piorar, mas há gente caindo do céu perto da janela do seu quarto. Plack. E você não pode fazer nada por eles, pois não é nem mesmo capaz de fazer algo útil por você. E repentinamente, outra mudança.



Quando mudei de apartamento, minha cabeça se preparou para os grandes eventos que eu já vinha ameaçando realizar. E depois de tantas tempestades num mar agitado, veio a bonança. 1802. Centro. Pedro Celestino. Não sei como, mas revivi meu eu menino. E li muitos livros, quase escrevi um inteiro, e admirei a obra do Criador todas as manhãs, tardes e noites. Pés na terra. Olhos no céu. Felicidade inédita frágil como o papel. O nascer e pôr do sol, as estrelas em um céu pintado de preto ou azul escuro. A lua imponente. Quase dois anos morando no alto. E percebi que queria estar no alto para sempre. Quase dois anos de grandes evoluções dentro da minha alma e do meu coração. Grandes reforços nas minhas convicções, refinamento do meu caráter, e confirmação da postura que eu escolhi para a minha vida. Paguei o preço. Precisei de alguns recomeços, mas depois de tudo finalmente pude perceber o quanto só eu era o responsável por tudo que acontecia comigo, e tudo que eu deixava acontecer. Não me sinto mais culpado por aquilo que muita gente tentou me colocar a culpa. Não sou culpado pelos pesares de qualquer pessoa e nem por relacionamentos alheios. Não sou culpado por qualquer coisa que não fiz. E quando eu tentava me ajeitar no que parecia ser quase bom o bastante, nós nos mudamos mais uma vez. E eu percebi que nunca mudei tanto antes. Não eram as mudanças de endereço que me faziam piorar ou melhorar. Eram as experiências que eu vivia durante aquelas épocas difíceis, mas que sempre terminavam em um lar acolhedor. Agora eu sei que não posso esperar que seja acolhido toda vez que tudo der errado. Finalmente a casa e os prédios não fazem mais quem eu sou. Eu sou a minha própria casa e o meu coração bate por mim. Posso dizer isso de uma maneira figurada ou literal, mas de ambos os jeitos será algo verdadeiro. Hoje tenho certeza que com a "casa arrumada", grandes coisas estão por vir. Ouça os outros, mas presta atenção em você mesmo. Ajude as pessoas, mas não decida nada por elas. A única coisa incontestável que sei é que só eu tenho certeza das coisas que eu sinto. Mil conselhos não farão mudar o que habita dentro do teu peito. Só a gente sabe o que se passa dentro do nosso coração. Só nós podemos edificar uma casa que não ceda à um furacão. E a última coisa que vou te dizer, leitor, mas que sei que você não vai me dar ouvidos (eu não te ouviria também). Você pode ir com tudo, mas vão tentar cortar as suas asas, e na marra vai aprender que não se mergulha fundo em pessoas rasas. Esta é a atualização do blog do dia 24 de setembro de 2016. Um ótimo sábado para todos e que o Palmeiras vença o Coritiba! Fiquem com Deus! Amém!
*Uma excelente semana para todos vocês que vieram até aqui me ler. O Palmeiras venceu. Postagem feita ontem, mas publicada hoje no dia 25*.

"Sempre se glorifica por seus atos
Caçador de ratos
Da mente obscurecida
Eu queria ser como você
Mas hoje posso ver
Você não vale sua comida".

Um comentário:

  1. Filho, as letras são como brinquedos imaginados pela alma de uma criança que é capaz de transformar qualquer coisa em qualquer OUTRA coisa... rsrs Saber brincar com elas e usá-las para se expressar ou até mesmo para alegrar a vida de outras pessoas que se identificarem com sua capacidade de transformar sentimentos em palavras e palavras em uma realidade abstrata é algo para poucos. Adoro ler você!

    Houve uma época, lá por volta dos 16 aos 20 anos, que eu escrevia muito, parecia psicografar dada a garrancheira e rapidez com que escrevia. Parecia psicografia por eu não sabia o que havia escrito até terminar e ler... No início eu escrevia a expressão dos meus sentimentos e isto não demorou a me causar forte desconforto. Pois na leitura da expressão de mim mesmo passei a me descobrir e ter de me encarar de frente e percebi minhas fraquezas, fragilidades, covardias, insensibilidades onde eu achava ser sensível... Foi uma fase breve que tão rápido quanto caiu a ficha eu reagi e mudei minha vida literalmente. Não era, não sou e jamais serei fraco porque sou filho único de Deus e meu pai é a própria força que sustenta todo o universo infinito, todo o micro e macro cosmo. Eu não seria jamais um fraco, frágil, covarde e insensível. Assumi que sou humano e não Deus e por isto estou sujeito a errar e ser errado segundo a visão de terceiros (impossível satisfazer a todos), mas que lutaria cada dia de minha vida para amanhã ser melhor que ontem e assim sucessivamente. Decidi que usaria toda a força que Deus me permitisse alcançar para fazer coisas que possam mudar para melhor a vida das pessoas a começar por aquelas que liam o que eu escrevia.
    Assim, após estas decisões, sem perceber, eu já não escrevia sobre mim e sim sobre alguém que fazia parte do meu circulo. Não sei porque e nem como acontecia. Simplesmente através de mim as mensagens vinham e se encaixavam para alguém e eu entregava tendo lido apenas uma vez. Não corrigia uma única palavra, nada! Entregava a garrancheira para a pessoa e algumas vezes vi algumas delas caírem em prantos ao ler. Assim foi durante uns poucos anos. Mas havia tomado a decisão de reescrever minha própria história e isto acabou me afastando das letras. Ainda gosto de escrever e de vez enquando alguma coisa minha aparece em meu perfil social ou profissional. Queria ter mais tempo e tranquilidade para escrever mais. Mas o momento é para outras construções que, desejo, farão mudanças muito grande, na vida de muita gente neste mundo.

    Sou apaixonado pelo teólogo e escritor Genézio Darci Boff mais conhecido como Leonardo Boff e em seu lívro a Águia e a Galinha ele fala o seguinte (e lhe roubo as palavras e as faço minhas)

    "Ler significa reler e compreender, interpretar. Cada um lê com os olhos que tem. E interpreta a partir de onde os pés pisam.
    Todo ponto de vista é a vista de um ponto. Para entender como alguém lê, é necessário saber como são seus olhos e qual é sua visão de mundo. Isso faz da leitura sempre uma releitura.
    A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Para compreender, é essencial conhecer o lugar social de quem olha. Vale dizer: como alguém vive, com quem convive, que experiências tem, em que trabalha, que desejos alimenta, como assume os dramas da vida e da morte e que esperanças o animam. Isso faz da compreensão sempre uma interpretação.
    Sendo assim, fica evidente que cada leitor é co-autor. Porque cada um lê e relê com os olhos que tem. Porque compreende e interpreta a partir do mundo que habita".

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