Hoje me lembrei do café da manhã mais
marcante da minha vida: waffles com doce de leite. Não me recordo ao certo se tinha
oito ou nove anos, mas fecho os olhos e ainda consigo ver com clareza o banco
no qual me sentei e a bancada qual apoiei o meu prato. Destaca-se nesta memória
a minha desorientação quando meu amigo perguntou se eu iria querer waffles. Já
naqueles tempos, eu era tímido, mas com medo de ser demasiadamente leigo diante
de um carinha que sabia tão mais que eu, assenti e disse: claro. Quase me
apavorei quando ele perguntou se eu iria querer doce ou salgado. O que
diabos? Respondi com determinação que preferia doce, embora não fizesse ideia
do que era. Ele concordou resoluto, como se só os idiotas comessem waffles
salgados. Nos minutos que se passaram, apenas observei a cozinha, mordendo os lábios inferiores com apreensão. Três mulheres transitavam de um
lado para o outro e era difícil dizer como tantas pessoas ocupavam aquele
ambiente. Também era impossível deixar de notar o dono da casa. Ele fazia
algazarra e arremessava alimentos no chão. Não concordei com aquilo e nem achei
graça, mas acredito que no momento eu não havia assimilado com precisão
o restante do mundo. Quase todos os meninos ricos tinham a liberdade para suas
próprias birras ou acessos de fúria, mas o surto dele para ganhar atenção era
irrelevante. Talvez fosse necessário para com os pais dele, porém, minha placidez era digna de um monge budista e eu só tinha cabeça para o presente. Meus olhos viam sem
enxergar, como em um sonho distante, principalmente quando um cheiro inebriante
adentrou minhas narinas. Instantes depois, como mágica, lá estava aquilo. Ainda hoje não descrevo dignamente o meu fascínio ao olhar para aquela massa arredondada e repleta de
pequenos quadradinhos. Havia doce de leite ao redor de quase toda a massa, cercando
cuidadosamente uma pequena bola de sorvete posicionada ao centro. A bola não teria para onde correr com tanto
doce de leite em volta, pensei e torci para não ter dito em voz alta ou
poderia me tornar alvo das zombarias do anfitrião. Envolto com o que contemplava, eu deixei
de entender o que acontecia. Senti vontade de mergulhar no prato, mas aguardei
até que meu amigo começasse. Ele se cansou de protestar e, enfim, encarou seu waffle. Imitei-o e comi o meu.
Ao terminar minha refeição, eu apenas
queria ir para casa. Eu precisava contar para minha mãe que Deus existia e
tinha inventado os waffles doces. O amigo resmungava de maneira perspicaz sobre como fazer tarefas
não era algo tão importante assim (o que eu concordava), mas eu já não tinha
mais paciência para olhar para alguém que comia algo tão bom com tanto desdém.
O sujeito mais acostumado com uma vida opulenta do que a minha deixou sobras no prato, algo que eu era particularmente contra (embora meus irmãos não comessem tudo o que serviam sempre). Tive o ímpeto primitivo de comer as sobras, porém, naquela época
eu me preocupava em ser o alvo das piadas dele – os garotos espertos são mestres na arte do sarcasmo. Pelo menos eu não precisava entender o mundo para ganhar dele no
vídeo game e isso me fazia sentir uma satisfação imatura e deliciosa. Ainda sobre o café da manhã, eu havia constatado um fato: os waffles não
significaram nada para ele ao passo que me fizeram acreditar em magia. É
detestável assimilar algo novo ao lado de alguém que acha sua experiência entediante. Suponho
que da perspectiva dele, meu prazer fosse banal e o assunto soasse como uma
sugestão de música.
“Ei, cara. Escute isso aqui. Decididamente é uma música boa e você vai
gostar”.
“Amigo, eu ouvi e não gostei, mas tudo bem se eu te disser que prefiro
escutar outras coisas?”
“Poxa, seu comedor de waffles do caralho. Você nasceu para coisas
irrelevantes mesmo. Se um dia você provar um Dadar Gulung de Jakarta... Aposto
que se você comer a própria merda depois, ela vai se igualar a um daqueles waffles
de doce de leite”.
Este é o momento qual eu me afasto.
Desconhecendo se meu velho amigo possuía a intenção de destacar a hipérbole ou criar
uma metáfora, convenço-me de que ele estava sendo infantil. Você não pode
simplesmente deixar os waffles dos outros? É preciso mesmo falar de fezes? Aproximadamente quinze anos se passaram desde o dia em que eu conheci os
waffles. Agora entendo o ponto de vista
dele, embora siga discordando. Quando menino ele só antecipou uma das tendências mais comuns
de todo ser humano. Raramente é possível conhecer alguém que saiba ver (e enxergar) as boas coisas que possui.
Talvez, no começo, tudo seja mágico. O cheiro da boa novidade atrai e seduz. Não
há porque ser negativo. Talvez seja suficientemente convidativo a ponto de
que você chegue a pensar que comeria waffles para o resto dos seus dias, mas
qual é o sentido disso? Ao menor sinal do desaparecimento de encantamento, nós
transformamos o velho waffle em algo patético, só pelo fato de que agora enjoamos dele. Não, ele não deixa de ser cheiroso. Não, a massa não está crua e nem
falta doce; mesmo os waffles salgados, feitos exclusivamente para os
otários, ainda são saborosos como sempre foram. A única coisa realmente ausente
é a animosidade sincera em saber apreciar o que se possui, entendendo que,
até possuir é uma ilusão. Soa utópico, mas há quem saiba reconhecer que
os waffles continuam gostosos. Existe quem reconheça este fato, mas se convença
de que um alimento tão bom não é tão digno de alguém com tantos defeitos e
vícios aparentes. Insanidade! Todos nós somos dignos das coisas boas, mas, às
vezes é mais prático se acostumar com o pouco que se tem. Depois choramos
sozinhos, pois achamos que ninguém sente o mesmo que a gente ou que somos os
únicos do mundo a apreciar quando o waffle é bem feito. Não somos.
A vida recentemente desferiu diversos
golpes em mim e tenho buscado me recompor, mas não quero recuperar quem eu fui,
pois não sou mais o mesmo. Apesar disso, creio em magia. Tomo meu café metodicamente
todos os dias e o aprecio como um bebedor de café profissional. Talvez um dia
dragões saltem diante de meus olhos enquanto observo as janelas, mas acaso não
aconteça, eu realmente aproveitei a visão que tinha (hoje uma idosa andando com
sua neta e seu cachorro). É ainda melhor quando chove, pois aprecio meu café
enquanto observo com encantamento as infinitas gotas de chuva que caem em seus próprios ritmos. Às vezes sonho com as ondas do mar ou com os mares
imensuráveis nos céus, mas há dentro de cada novo olhar um mundo inteiro. Se
você sentir que é incompreendido e que todo mundo desdenha das suas dores, dos
seus sonhos ou até mesmo dos seus waffles, eu apelo para que você aguente
firme. A imensidão deste mundo foi feita para ser vivida e apreciada por VOCÊ.
Tudo bem se então for triste hoje, mas prepare-se para as grandes alegrias que virão.
Tantos anos depois do meu primeiro café da manhã perfeito, notei que não é
fácil encontrar pessoas que saibam apenas apreciar a qualidade do que já
possuem, mas elas estão mesmo por aí. Talvez uma delas, sem qualquer pitada de estranheza, ainda divida o silêncio contigo e faça seu sorriso ser mais largo,
porém, é preciso não se esquecer de que, mesmo sem companhia, os waffles e
cafés podem ser saboreados. O mundo foi feito para ser apreciado por todos nós.
Nos momentos difíceis lembre-se de respirar fundo e ter paciência. Mantenha a
calma e siga em frente.
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