Os olhos de Tristan encaravam a criatura
gigantesca, mas só alguns instantes depois pôde se permitir a acreditar no que
via. Um dragão maior do que uma montanha prostrava-se diante do cavaleiro. Os olhos
de Tristan marejaram, e os pelos de seu corpo inteiro se eriçaram. O seu avô,
Tristan I, havia dito que em uma de suas centenas travessias pelo Oásis de
Freoni, vislumbrara a beleza e o terror de um dragão. Você não vai acreditar, briguento, mas o bicho era maior que tudo o que
você já viu. Maior do que um grifo, maior do que um sapo-rei, e maior até do
que os muros da capital das luzes. Eu estava com Samir, Beltenker, Himmurd, que
Amon Rá os tenha, e Grass. Só Grass e eu estamos vivos nos dias atuais, ou,
pelo menos foi o que me contaram. Beltenker faleceu há 15 anos, Samir na década
passada, e Himmurd ano retrasado. Não tenho notícias de Grass desde o velório
de Himmurd.
Tristan esperava pacientemente que os rodeios da história de
seu avô terminassem para que ele continuasse a descrição do dragão. Seu pai lhe
ensinara que os velhos, apesar de lentos na fala, sempre tinham algo sábio a
ensinar, mesmo quando não pretendiam que seu ouvinte aprendesse. Feroz, briguento. O dragão parecia feroz mesmo dormindo. Estava
descansando a cabeça dentro do pequeno lago que havia no oásis, e protegendo
seu próprio corpo com a cauda. A cauda, briguento, era tão longa a ponto de
conseguir proteger-se em trezentos e sessenta graus. Só conseguiriam atacar o
dragão pelo alto, mas quem seria suficientemente louco para atacar uma criatura
gutural e temível? Eu não, e nem meus companheiros cavaleiros. Grass era o
único mago da pequena companhia, e se demonstrou ainda menos curioso do que
nós. “Não façam barulho. A audição de um dragão é mil vezes melhor do que a de
um humano, e eles podem ouvir os pensamentos turbulentos também. Não o encarem
muito. Sua pele esconde olhos que observam ao seu redor enquanto os olhos da
face descansam. Não respirem muito forte perto dele. A respiração de um dragão
puxa muito ar. Se ele sentir que mais alguém está puxando o ar, nós podemos
estar encrencados”. É claro que nós cavaleiros seguramos o riso. Sabíamos que
os magos eram sábios, mas excessivamente sistemáticos.
O velho divagou por mais um
instante parecendo rememorar com pesar o seu passado que nunca mais retornaria.
De repente seus olhos faiscaram com a lembrança. Gigantesco! Ficamos a observá-lo por uma hora ou quatro, quem sabe
dizer? Sabíamos que presenciávamos algo mágico e não ousamos nos mexer. O
dragão se revirou, e sem tomar conhecimento de que era observado, ou, sem se
importar com isso, sentou-se por um instante antes de voar. Sua pele era negra
e reluzente, e parecia que toda a extensão de seu corpo era pesada e resistente
como placas de aço. Abriu a boca em um longo bocejo, e vi dentes que seriam
capazes de destruir metade de um castelo em uma mordida. Seus olhos eram
púrpuros e incandescentes, e por um milésimo de segundo estiveram em nossa
direção. Prendemos a respiração, paralisados, como quem aceita que a morte em
uma circunstância tão singular não é tão ruim, mas também como quem sabe não
ter como reagir. O dragão não nos deu importância. A nossa vida não o
interessava e deve ter imaginado, com razão, que cinco coisinhas não ajudariam
a saciar sua fome. Bateu suas gigantescas asas e voou. Samir foi arremessado
dez metros ao longe pela lufada de ar, e nós só não tivemos o mesmo destino
porque nos agarramos firmemente em árvores. Ah, briguento... Quase ninguém
acredita nessa história, e ninguém se importa mais. Os que viveram para ver já
não estão mais entre nós, e a nova geração só bebe e engorda. A paixão pela
aventura morreu. Você acredita no seu velho?
Tristan deixou as lágrimas escorrerem por
seu rosto. Na época em que escutara a história havia acreditado plenamente em seu avô, mas
com o passar dos anos e o aperfeiçoamento no ofício de cavaleiro de Prontera, aprendera a distinguir os animais dos monstros e os monstros dos mitos. Um
dragão não passava de... Verdade! Os dragões eram mesmo reais. Este que estava
defronte a ele não era o mesmo que seu avô vira meio século antes, mas era sem
sombra de dúvidas um dragão. Grande como uma montanha, e com uma pele vermelha e incandescente que lembrava um vulcão. Tristan estava desnorteado demais para encontrar palavras para descrever o que observava.
- Espero que me perdoe, velho. Cresci e passei a
achar que todas as histórias infantis eram criadas para fazer as crianças
ficarem impressionadas. Ah! Eu estava tão errado, mas agora já não importa. Em
algum lugar do outro mundo iremos nos encontrar, e falaremos sobre nossos dragões! Neste outro mundo é que decidiremos qual foi o mais majestoso e terrível! Descanse em
paz, meu velho. – De repente Tristan estava cansado. Sentia o peso de suas
quarenta e uma primaveras sobre os ombros. – O seu briguento ainda não tem
filhos, e nem é um rei tão importante ou imponente quanto deveria ser. Como
venceremos essa guerra, meu velho? Como mudarei o destino? – Tristan suspirou.
– Não tenho as respostas que gostaria, mas saiba que o seu briguento vai até o
final com isso. Pela linhagem dos reis, pela população, e por Prontera! Por
nossos dragões não imaginados também... – Tristan sentou-se e ficou a observar
minuciosamente a criatura. Sentia em suas entranhas que jamais teria outra
oportunidade de contemplar uma lenda viva. Admirou a beleza do dragão até ser lentamente arrebatado para um sono profundo e sem sonhos. ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
Sei que o domingo e a segunda-feira já ficaram para trás, mas ainda assim desejo uma excelente semana para vocês! Vamos ser corajosos, bondosos, e se possível educados também! Fiquem bem! Um beijão!
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