sábado, 24 de novembro de 2018

Há amor depois do amor?

     Meu único amor, eu tenho te esperado por tanto tempo. Por onde é que você anda? Soube meias notícias sobre você, meias verdades apenas, mas custei a acreditar nos boatos. Por onde erra você? Jaz no sono eterno ou eternamente se perdeu no vento? O porta-retratos com a velha foto ficou exposto por algum tempo na sala vazia, mas muitos começaram a achar estranho que eu ainda a ostentasse, mesmo tendo a perdido. Depois veio outra mulher em um porta-retratos novo. Nunca a vi, mas ela se parece com uma menina de cabelo colorido, então, deixei ela na sala para colorir minha imaginação. Todos que antes se incomodavam com a foto antiga, perguntam agora quem é a nova. Sorrio. Uma modelo qualquer de algum lugar qualquer. E o que aconteceu com a antiga? Ora, eu sou descuidado. Em um equívoco legítimo, alguns dirão que eu a perdi mesmo, mas importa tanto assim o meio se o fim é igual? Que seja a perda então. E se eu dissesse que mesmo com a perda, eu ainda ganhei? Há uma parte que será, até o dia de nossas mortes ao menos, eternamente minha, eu sei. Entendo sua partida, pois “o amor não enche barriga” e apontar o dedo por deduções é algo mais comum do que se imagina, mas quem é que diria? Quando me tornei certo de que você não voltava, a insuportável invernia no meu coração piorou e eu só rezei para melhorar. Rezava para quê ou para quem? Não sei dizer, mas cada uma das raras lágrimas que derramei escancarou minhas fraquezas. Choro é fuga. Que razão há no mundo para um homem de sonhos profundos se lhe tiram o que mais ama? Que razão não há para tudo ignorar e viver isolado vestindo o mesmo pijama? Fuga no sono, queda dramática, cama. Infelizmente até em meus sonhos, onde sento em um vistoso trono, você me chama. Por que faz tanta questão de me possuir se nunca mais foi capaz de me desejar?

     O fim da vida é a morte e hoje pouco ou nada me interessa devanear sobre o que há depois. De que importa, afinal? Eu só gostaria de saber se há amor depois do amor, pois com a última batida pesada da porta, imediatamente soube que meus sorrisos não seriam os mesmos. Há ilusões de paraíso para meros vagabundos à esmo? Meus medos me consumiram. Hoje é sábado, 9h10, mas estou em um escritório. Nos meus sonhos mais antigos isto é como comparecer ao meu próprio velório. Lancei eu mesmo a flechada que perfurou a minha armadura. Fadado a viver em batalha, constatação de uma gama de falhas, uma voz que ecoa: A vida é dura. Já não penso mais sobre o amor, pois se há esperança de perseverar nele, esta esperança apenas é alimentada nos momentos em que é impossível raciocinar. A lógica é inimiga do sentimento. Se pensar com clareza pode concluir que nenhuma ou todas as suas atitudes foram capazes de influenciar alguém. Adianta disparar a arma quando a vida tomou reféns? Que há por de trás do ódio senão a candura? As faces de escárnio, todas secas, horripilantes, lançam olhares mortificados para os que ainda se preocupam. Quanto tempo nós temos? O que é que fazemos aqui?

     O não pensar nos faz livres e o pensar nos faz prisioneiros, por tal, digo que é mais feliz aquele que nunca aprendeu a raciocinar. Aquele que não sabe que o mundo é gigantesco, não sente falta de conhecer sua imensidão, pois o resumo em que vive o basta para se satisfazer e ser feliz. Quem é louco de querer ser apenas feliz? Aquele que pensa, age ou não, mas inevitavelmente se compunge pelas façanhas realizadas ou por aquelas que deixa de realizar. Aquele que não pensa, porém, age e a extensão de seus porquês se encerra na própria razão que o levou a agir. Furtei um pão, pois senti fome. Se não fui preso, fui feliz. Se fui preso, não fui ladrão bom o suficiente. Era preciso fazê-lo e aqui se encerra a existência da questão. Não há razão para questionar se é moralmente correto tomar o pão; foi necessário. Há amor para os tolos? Sim! Principalmente para os tolos, mas sigo em minha racionalidade banal ao me perguntar: há amor depois do amor?

     Alguns que me leem me acham inteligente. Outros me tomam por um tolo infantil. Estou amadurecendo ainda e sou qualquer coisa entre criança e adulto; entre o divino e o cético; entre o pueril e o razoável. Se me consideram imbecil, provavelmente estão certos. Se captaram em minhas palavras algum vislumbre genial, pode até ser que ele também exista. A felicidade é para quem sabe agir esquecendo-se de pensar ou para quem sabe olhar para o que possui, sabendo que possuir é mera ilusão. Talvez a palavra ilusão sintetize a ideia errada, pois possuir é ainda menos. Na realidade, nós não possuímos, em regra, nem a nós mesmos e somos condicionados a fazer coisas que muitas vezes não queremos exclusivamente por uma vontade que nos leva ao que desejaríamos que fosse. Possuir é expectativa longínqua de ilusão. Tudo que não existe em ação e solidez é mais real para quem raciocina. A imaginação é importante, pois é nela que se firmam todas as nossas teses e se continuamos a acordar no dia seguinte e no dia depois, é, apenas pelo fato de que em um lugar dentro de nós, existe uma fé cega em nossas próprias capacidades. Antes de Deus ou da ideia de Deus ou de qualquer ideia que não o envolva, a realidade nos guia para uma fé cega em nós mesmos e quanto mais arrogante somos em pensamento menos altruístas (verdadeiramente) tendemos a ser em nossas atitudes. Há humildade só no agir simples. A bondade na simplicidade é geralmente discreta. Desconfie dos que fazem barulho por qualquer coisa. Afaste-se dos que sentenciam à morte quem cometeu qualquer erro frugal. Se puder, seja humilde, peça desculpas, mas evite se humilhar. Não devemos baixar a cabeça, pois não somos servos de Rainhas ou Reis. Acaso não possa ser humilde, seja coisa nenhuma. Ainda que cada indivíduo seja a meditação contemplativa da memória do que um dia foi, o que ele é agora é apenas expectativa do que o que imagina ser.

     Assim, por ora, encerro em mim todas as questões existenciais essenciais tanto como as francamente patéticas. A chance de que os cruéis, os pernósticos, os ascetas e os desmedidos sejam felizes é absurdamente maior do que a chance de felicidade dos ingênuos e dos coerentes. A ausência de culpabilidade, o não remorso, faz com que a arrogância predominante da alma se eleve. Elevado, supostamente há leveza no ser, mas não o há, porém, para os que se martirizam por erros que nunca cometeram. A própria expectativa de liberdade geralmente é uma artimanha ilusória para com a verdadeira liberdade. Somos prisioneiros da suposição do que poderíamos ou deveríamos ser.  Associamo-nos à pessoas degradantes para nos impedirmos do privilégio de pensar. Juntamo-nos aos réprobos, pois queremos evitar a solidão. Que sentido há em viver? Há sentido em qualquer coisa? Tornar o sonho real faz com que se perca a possibilidade do sonhar, mas, creio, embora sem forçar expectativas demasiadas, que realizar o sonho nos torna complacentes. Se é importante ser bom ninguém jamais soube dizer. Do mesmo modo ainda não tenho a resposta para a pergunta que me fez escrever e pensar inutilmente em tudo isso. Há amor depois do amor? Há lealdade em um mundo de oportunistas? Para o que se vive é o mesmo para o que se morre? A palavra futuro é ridícula. Tudo que é, obviamente, é agora. Erro-me por medo de não ter errado o bastante, pois deveria ter dito algumas coisas que não disse. Ainda assim, quando tive a oportunidade de dizer, falei muito em silêncio, mas quando tentei me expressar com a voz, disse tanto e ainda assim nada transmiti. Como são curiosos os caminhos, vê? Forçaram-me a estar aqui neste sábado. Lancei um débito errado e esqueci de dar o desconto de um centavo. Na segunda-feira cedo, eu vou perder mais trinta minutos da minha vida por isso, mas o que serão trinta minutos quando já estou fadado a perder nove horas? Desejo o tempo livre que tinha. Desejo ser um pouco mais do que fui e um pouco menos do que sou. Não penso para depois. Não passo para depois. Sou o que sou e sou agora. Apenas isso importa, mas que há de acontecer?

     Não há justiça no mundo. A ordem é uma palavra inventada para frear o eterno caos que passa por cima de tudo. Por dentro, quase todos, vi com meus próprios olhos e senti com minha própria carne, são selvagens. Parte de mim também compartilha dessa animalesca selvageria, mas sou um desses coitados infelizes que se presta a pensar além do próprio umbigo. Constatei sem derramar lágrimas que só há felicidade destinada a mim em sonhos. O mais belo deles se resume em um homem recostado em uma árvore lendo um livro; uma mulher cochila está deitada nas coxas dele. Uma menina, um menino e um cachorro correm ali perto, exultantes, ninguém saberia dizer o porquê. Respiro longamente e sou toda aquela cena. Se sou o homem, sou feliz. Se sou a mulher, a filha, o filho ou até mesmo o cachorro, sou igualmente feliz. Se sou a árvore que observa aquele instante, viverei mais por conta disso. Se sou o sol que faz suar as crianças, sorrio, mas cedo espaço à chuva, pois creio que ainda aqui cabe um arco-íris nesta utopia. Sonha-se acordado, vive-se dormindo. Não há rumo novo. Não há alegria nova. Felicidade é ser e ser é existir sem expectativa e sem pensar. Os outros decidem muito sobre nós; eles não importam. Decido-me hoje sobre alguns desejos matreiros velhos desejos ainda matutam em meu coração. Quero fazer uma viagem para fora do país, pois não quero entender completamente as línguas que falarão comigo. Que seja uma aventura. Quero descobrir o que há depois do mar, para onde os dragões verdes partem e onde dormem os corações partidos. Quero descobrir se há morte após a vida ou se até isso é ilusão. Quero desenrolar meu próprio ser, eu mesmo me saber, entender meu coração. Quero descobrir se há como viver desperto, além dos sonhos e se há amor depois do amor. Talvez nada disso te faça sentido, raramente sinto o sentido, mas ainda assim, é uma jornada longa e dura para que eu a faça sozinho. Quem sabe alguns se juntem a mim antes, durante ou ao final do caminho? Tanto faz. O pouco que sei é insignificante, sigo inconstante, chutando para longe os mais belos diamantes. Quero sonhar acordado, não pensar nos dilemas morais, fazer algo pela existência, mas me aflijo ao pensar, há como acreditar neste mundo que vive por aparências? Não sei. Partirei em breve. Se quiser ir comigo, será bem-vindo. Prometo que será leve, mas não sei se será lindo. Desconheço o destino ainda, mas chegaremos aos lugares que pretendemos. Saiba que está convidado a ser parte da minha tripulação. Tudo bem se ainda tiver medo, nós vamos nos superar. Coragem não é ausência de medo e por de trás um mundo de segredos quem sabe eu ainda possa amar.

Uma espécie de limbo tenta me engolir por mais uma semana,
mas ele se engana se acha que esse espaço vazio me fará desacreditar...
Se há amor depois do amor? Eu me pergunto e me respondo: claro que há. 


Um comentário: