segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Não se cale, por favor.


     Não se cale, por favor. Diga-me, eu imploro! Fale sobre todas as tolices de seu coração pueril. Narre todas as suas histórias dramáticas, eu quero conhecê-las. Conte-me sobre essa tua nova fase, conte. Ora, por que parece tão terrível contar algo assim?

     Diga-me tudo o que estiver disposta sobre a nova brisa que direciona sua vida. Eu mal te conheço, mas adoraria te conhecer. Fale-me mais sobre sua cor favorita; conte-me sobre o que considera abjeto; erga a voz e desfaça o meu tom mais discreto. Diga-me agora: quais são os seus animes e filmes secretos? Por que não tenho uma chance de conhecê-la? Será que já (ou ainda) nos conhecemos?

     Ora, não se cale por minha causa. Eu sentiria tanto a falta da sua voz (que escutei uma única vez). Não se intimide, se eu parecer inteligente. Também peço para que não me humilhe, se eu não parecer. Posso soar inocente ou estúpido, se você disser que posso. Posso ser tudo o que sou e até um pouco do que não sou (embora prefira me ater a mim). Sou mais do que as impressões que passo, mais que as partes que me formam. Ao buscar o reconhecimento de minha identidade em outros olhos, hoje não faço mais confusão. Sei o que busco. Barganho pela melhor ilusão. 

     Quero ser aceito mais do que quero ser compreendido. Quero conhecer alguém que admita, sem pudor, que adoça o café, come bolos de laranja e odeia frutas. Quero alguém autossuficiente ao ponto de dizer que refrigerantes são melhores do que sucos e que os civilistas são a ruína do século. Então nós vamos discordar e rir, pois te direi que a graça do café (se é que tem graça) é que ele só funciona sem açúcar. Sorriremos juntos e brindaremos por estarmos vivos.

     Não se cale, por favor. Expresse-se com toda a sua alma. Grite sua intrepidez e celebre tua calma. Mostre-mais da sua verdadeira face. Já não imaginou coisa melhor que essa? Claro que se supôs em um pesadelo mais sombrio também, certo? Há quem diga que todo cão que mora em um apartamento deseje a rua, e, todo cão da rua deseje um apartamento. A fuga do "eu" é um problema insolúvel. Mal sei cuidar de mim e dos meus desejos, mas sou, às vezes, presunçoso ao ponto de acreditar que meus livros poderão mudar o mundo. Poderão? Que tipo de cão eu sou? Utopia colorida ou objetivo traçado? Não sei, não sei se vivo ou tenho sonhado.  

     Apaixonei-me e durou duas horas. Logo depois me apaixonei de novo por apenas um minuto e meio. Minhas paixões não valem nada. Vivi os sonhos do astronauta e do apanhador no campo de centeio. O que valho? Uma boa ilusão, talvez. O relógio acelera, tanta coisa fica para trás, exceto o que levo para frente. Os motivos de minhas ações ainda são conscientes? Não faço ideia, mas fale comigo, diga o que sente. Não se cale, por favor. Apenas continue, sem pressa, essa conversa pode se alongar até o infinito. A noite se estende e nos cobre com seu negrume mais bonito. Mas não se cobre se o cobre lhe parecer menos valoroso que o granito. O silêncio nos surpreende e enche meu coração de pavor. É nas lacunas deste ambiente que o passado evoca memórias de amor. Estou novamente tenso e você aí calada. Não encontrará fim esta madrugada? Que venha o sol ou tua voz para que não me aflija agora aquela velha dor. Diga qualquer coisa sem demora, mas não se cale, por favor.

     É provável que eu sinta falta da sua voz.

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