segunda-feira, 5 de novembro de 2018

O segredo de Oz



     Prometer revelar o segredo de um mágico deveria ser o suficiente para atraí-los para esta leitura, porém, sou um bom ouvinte e costumo entender as pessoas; escutar os sons que produzem, assim, eu imagino que os que permanecerão aqui são menos da metade dos que inicialmente cogitaram ler. Revelo por antecipação que os magos, não só os que voam e invocam os poderes da natureza, mas também os que entendem de ervas e conseguem se comunicar com os animais e o mundo, são em regra, sujeitos muito simples. Eles não costumam dizer bom dia, são de ínfimos metodismos e odeiam a rotina. Suas carrancas de desespero são cômicas, suas expressões de fúria são incredulamente assustadoras, porém, quem viu um mago ou qualquer criatura capaz de fazer magia sabe do que há de mais notável neles: o riso. Aquele ser estranho, quiçá etéreo, gargalha tão espetacularmente que os pássaros riem em coro, acompanhando o fluxo de uma energia tão bela e pura. Geralmente são barbudos e possuem uma aparência suja, pois Deus se esconde no mendigo e o bom só é bom quando pratica a bondade sem expectadores.

     Outro dia, eu me encontrei com um mago melindroso. Seu nome ofende muita gente, pois assim me vejo obrigado a protegê-lo. Apesar dos meus esforços em defendê-lo, ele riu de mim até sua barriga doer. Escutou os meus dramas, compreendeu o meu sofrimento pelo menos até o limite qual é possível tentar, ofereceu-me um instante prolongado de luto, fechou-se em silêncio e rompeu aquele ritual padrão com uma risada sonora e ribombante. Corei e senti minhas bochechas esquentarem, mas evitei os espelhos para não me ver enrubescido. Os figurantes da sociedade me fitaram por um instante, como se aquele momento fosse derradeiro e eu, obsceno por ter chamado a atenção, ainda que involuntariamente, possuísse uma espécie de dever de me desculpar ou de me enaltecer pelas atitudes do meu amigo. Calei e me julgaram tão ridículo quanto o mago, que ainda soluçava de tanto rir. Por que fez isso? Perguntei sem ter a certeza do motivo pelo qual estava incomodado. Por que não? Ele me respondeu e se levantou. Eu quero tomar sorvete de flocos com cobertura de caramelo. Não tenho mais tempo para a sua miséria, exceto se tomarmos sorvetes.

     Sua maneira de ser persuasivo era estranha, creia-me, mas uma hora depois estávamos tomando sorvetes. Olhe, não, não olhe. Apenas escute. A insuficiência em si é que faz crescer o medo. A projeção do que queremos ser, justo em cima do que somos, e o que “ainda” somos sempre flertando com a ideia do que já deveríamos ser, é o que mais nos apavora. Não se trata de formação intelectual. A dúvida moral, os questionamentos, a necessidade de culpar alguém pela sua vida ridícula é o que te afasta de nós (os magos). Ser insuficiente aos olhos dos pais é frustrante.  Ser insuficiente aos amigos é desesperador, contudo, ser insuficiente a si mesmo é morte. Na hora do perigo, discretamente sua mente tenta fugir para alguém em quem confia para se apoiar. Frequentemente seu apoiador vira uma ilha para a fuga, seu escape no mundo. Um dia, quando você não precisar mais dele, você vai deixá-lo, pois a vida é assim. O fato de não ser divertido como deveria, inteligente como deveria, ter dinheiro como deveria, nada quer dizer. Nada é nunca como supostamente deveria. Veja, não, não veja, apenas escute. Viu como eles me olharam quando eu ri alto na lanchonete? É a ideia se formando ao redor de você e se apoderando, como um chiclete que gruda no cabelo. Você arranca pedaços do chiclete e ele se vinga. Não raramente ele deixa uma marca feia, pois tudo o que gruda por tempo suficiente dá trabalho para sair. Não é necessário ser apenas uma direção, enclausurado em expectativas de pensamentos medíocres. Você pode ser tudo. Segure na mão uma estrela cadente. Devore o mundo.

     Ele disse que ia ao banheiro e desapareceu. Aquilo me divertiu, pois me lembrei de um amigo que não via há anos. Entretanto, eu mastiguei seus conselhos lentamente e tentei achar sentido no sentido que já havia, piscando como um letreiro luminoso em uma noite de escuridão. A jornada de Dorothy até Oz, a estrada dos tijolos amarelos e os desejos melancólicos de seus companheiros saltaram em minha mente. O leão covarde, quando percebeu a situação adversa, virou-se e rugiu. Não notou sua coragem, mas o ímpeto em proteger seus amigos havia lhe feito ser o que no fundo sempre fora. O espantalho, pobrezinho, tão estúpido, foi quem organizou o plano sem falhas para que sobrevivessem e o homem de lata, terrível, não fez mal a qualquer criatura. Assim somos nós. Na jornada pela busca da transformação para sermos quem desejamos ser, às vezes, não damos conta do que somos. Valorize-se! No desejo profundo em sermos alguém diferente, esquecemos que nascemos especiais. Se lhe amaldiçoarem, retruque com um palavrão inventado. O segredo de Oz é que ele conhece o coração das pessoas e lhes revela suas qualidades como o espelho revela a imagem refletida. Às vezes já somos quem desejamos ser. É preciso ter amor próprio. E respeito. O segredo dos demais magos, eu ainda não descobri, mas creio que tenha relação com mirar o impossível e transformá-lo. Ontem mesmo, eu quase peguei uma estrela cadente. Foi por um triz! Quem sabe eu não fosse hoje um mago barbudo? Quem sabe um dia, se eu não acabar me consumindo por tantos pensamentos cruéis e fugazes, eu mesmo não me alongue bem pelas manhãs e devore o mundo no ocaso.  

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