sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Coisas Frágeis


     Andei em linha reta. Passo. Outro passo. O segredo é continuar caminhando, disseram. Eu ri, mas não desafiei a superstição. Passo. Outro passo. Não passo. Estagno. Recordações de tempos de amor invadem minha memória e eu transbordo. Soo como um louco, mas sou louco? Meu sorriso é largo e minhas lágrimas são como torrentes. Sou feliz e triste. A casa era tão cheia, havia tanto riso, o cachorro pegava o brinquedo e trazia. Por algum tempo havia até alguém para me chamar de amor. Tudo estava no lugar. Todos os nomes eram pronunciados corretamente. Amálgama do idealismo. Era possível captar o vislumbre de tudo e a verdade. A coragem não é para todos, sabem? É na realidade para os covardes como eu. Os que se enchem de paixão e fúria, mas se calam por entender o valor do que a maioria consente em ser ínfimo. Nada é ínfimo. A qualidade não está no peso ou no tamanho. Só se vê bem com os olhos vendados. Somos capazes de destruir tudo o que amamos.

      Quando notei, eu estava parado em frente a um lugar antigo. Sou um colecionador de momentos, apanhador de memórias. Quando quero, nada me foge. Observo e vejo o que poucos veem. É que ninguém desacelera na loucura de um mundo apressado. Previ as datas que sofreria. Acertei. Soube dos meses, das horas e até dos minutos. Soube que seria até enquanto eu trabalhava. Soube quem e soube quando, só não sabia por quanto. Nada como a beleza e a tragédia de conhecer. Busquei com todo o meu coração evitar que os outros sofressem, não jurei por Deus, mas tanto quanto pude, eu cumpri minha parte. Lembrei de frases sussurradas e de objetos de vidro. Coisas que caem uma vez e não se consertam. Meu coração é feito de material mais resistente que o vidro. Fui desafiado a dizer a verdade e olhei nos olhos do interlocutor. Soube que iria perdê-lo, mas não evitei o que sabia ser evitável. Há tanta confusão. Chamam de amigo os que te apunhalam. Ferem os que são amigos, quando ninguém mais pôde ser. O que pode ser feito? Se é tão barato contar uma mentirinha em um mundo maluco e fugaz, por que me sinto impelido a ser sincero? Por que é que tudo dói mais conforme cresço? Por que é lento o processo de ter o que mereço? Por que quando tudo se faz vento, sou eu o ferro?

     Recusei intimidade com outras pessoas. É fato que tive poucas chances de fazer novos amigos, mas não deixei que ousassem a me chamar por nomes mais profundos. Dispensei a conexão, principalmente a romântica. Sei que o tipo de intimidade que precisava encontrar era comigo, novos motivos para ser feliz. Até matei o meu charme, mais do que o faço normalmente. Meus olhos revolveram para dentro. Dormia acordado. Sonhava em mim. Distinguia com facilidade o que era e não era. Ainda assim paguei caro por uma ilusão que chamei de real. Até os mais doces sonhos acabam eventualmente. Hoje tenho o que gastar, mas notei que o dinheiro é só um papel mais bonito.  Não que eu não soubesse. O diamante não difere tanto assim do granito. Acordo e olho para os lados completamente assustado, mas embora minhas próximas ações sejam mecânicas, eu suspiro. Sinto um alívio profundo em saber que ainda há tempo, embora não saiba para o que. Queria que minha mãe tivesse preparado o café, mas moro sozinho, pago minhas contas. Tenho um novo ritual. Como um pedaço do meu chocolate amargo antes do café da manhã. Se você já fez isso poderá dizer como a experiência é diferente. Ao mesmo tempo ele é mais chocolate e mais amargo. A vida se renova com o começo do dia.

     Enfim, eu tomei uma decisão. Confesso que sou como um hobbit. Gosto de ler livros, confortável em minha poltrona, mas amo aventuras. É hora de viver a minha. Se todos eram capazes de ser tão mais felizes sem que eu estivesse por perto, por que eu não poderia ser mais feliz sem todos eles? Neste instante derradeiro, eu me convenci. Tenho bons olhos. Decoro as sardas de um rosto como se fossem constelações. Memorizo nomes, pois possuem força e poder. É tão precioso se lembrar da maneira certa de chamar alguém como acariciar do jeito correto os cabelos da mulher que se ama. Admiro os trejeitos na fala de cada indivíduo. Sei que até o que se parece é diferente. Quase nunca mais gaguejei. Fui muito rápido ontem. Fui muito lento antes de ontem. A vida pede ritmos e tenho oferecido impressões erradas quais não posso consertar. Volto os olhos para meu cerne. Ainda procuro o rosto que minha alma tinha antes da criação do Universo, mas é uma busca vagarosa. Quem me olha, raramente me vê, pois é preciso olhar certo para captar além de mero vislumbre. Cuido bem dos detalhes. Sei amar as coisas da maneira correta e ainda me lembro de amar o que a maioria esquece e também o que escolhem deixar para trás. Não prefiro o gato ou o cachorro. Amo igualmente os dois. Não falho em preparar meus cafés pelas manhãs. A vida é simultaneamente rápida e sutil. Tudo se despedaça rapidamente, até mesmo algumas coisas das quais cuidamos com carinho, mas é assim que deve ser. Cada um tem a oportunidade de viver e se valorizar no próprio brilho que a faz singular, porém, ainda que exista escolha, quase todos escolhem ser mais dos mesmos. É comum que guardem ouro e lixo na mesma repartição e se esqueçam da diferença. É comum que sejam todos iguais. Eu? Não posso ser assim. Acho que sou como Neil. Acho que também prefiro me lembrar de uma vida desperdiçada com coisas frágeis do que uma vida gasta evitando a dívida moral. Agradeço ao mundo por ainda estar aqui. Tenho motivos para agradecer. Ao final do dia, eu ainda sei quem sou. Contradigo-me quando necessário e busco a felicidade. Nunca mesmo piso em coisas frágeis. E você?

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