domingo, 10 de novembro de 2019

Os solitários não estão sozinhos

     Uma espécie de tristeza indefinível recai em mim. 

     A minha única certeza é a dúvida. Meus ombros pesam como se empurrados por uma força invisível e medonha. A canção da minha alma sai de ritmo e desafina com a vida. Recebo a culpa de algumas coisas. Às vezes sou mesmo culpado, mas em outras, observo-me para depois observar quem tenta se utilizar de minha imagem como um pretexto conveniente para o alívio das próprias ações.

     Desafogo-me das ocupações. É domingo. É preciso entender o tipo de dia, mas a semana parece terrível antes de ter começado. Problemas em centenas. Posso resolvê-los? Claro que sim, mas admito que esse cansaço de alma me apavora. O que é que tanto me incomoda?

     Pensei sobre os outros e me vi inteiro na solidão. Derramo-me pelos caminhos que escolhi trilhar. Sou todo alma, mas ninguém nunca está perto de me desvendar. Assim como há pessoas que se sentem acolhidas e facilmente compreendidas, eu me sinto distante, distraído e nulo. Posso muito bem acolher e ser empático, mas quase ninguém me vê de verdade.

     Quando o sol da minha pessoa anuncia o lusco-fusco, a promessa da escuridão que chega com a noite afugenta todos. Não há mais ninguém na multidão. Queria chamá-los de covardes, mas não sinto que é certo. Viver é uma jornada solitária no deserto? 

     Aguento tudo de novo e de novo e de novo. Príncipe solitário das horas sombrias, eu ainda me lembrava de tudo quando o resto do mundo se esquecia. Quando a noite quase infindável rompeu no amanhecer do dia seguinte, eu pulei da cama, lançando luz solar em tudo o que me cercava. Todos fecharam os olhos. 

     A ironia da minha vida é que parece que sou amado apenas no meio termo. A minha integralidade parece uma promessa de vexame. Temem minha luz e temem minha escuridão. Desprezam tanto uma quanto a outra também. Eu que sou andarilho e vago e divago nos palácios do meu espírito, sinto-me só. Quantos por aí se sentem assim? 

     Passeei com o meu cachorro em um dia de garoa e vi que o prédio inabitado, ainda em construção, tinha o terceiro andar inteiro com as luzes acesas. Será que garotos farreavam em uma invasão? Será que são velhos fantasmas festando no salão? Tudo o que sei é que não inventei, mas a magia é assim mesmo. Eu havia deixado o celular carregando de modo que não posso provar o que meus olhos encontraram. 

     Algo causa irritação. Inquieto-me. Que é que há? Alguém tenta me enganar. Tantos já conseguiram outrora. Não estabeleço compromissos morais com imorais, mas ainda falo verdades aos mentirosos. Acontece que o telefone sem fio que fazem com minhas palavras é tão absurdo que chego a duvidar das boas intenções. O isolamento é um caminho?

     Não. A imaturidade se cura com o tempo. Também já fui pueril e ingênuo assim. Golpeio minha própria face para acordar. Eu que fui versões diversas da minha própria, busco uma verdade que possa me convencer a ser verdadeiro. 

     A noite é longa e mesmo quando a cidade dorme há alguém acordado. Guerreiros silenciosos estão batendo furiosamente em seus teclados, assim como eu, desejosos por uma realidade diferente. 

     A noite é longa e sigo acordado. Outros também estão acordados comigo em outros prédios ou ruas ou cidades. Outros planejam o caos e a destruição e eu planejo algo que faça sentido para melhorar a vida das pessoas queridas que me cercam. O meu fracasso reverbera. O meu sucesso é apenas promessa. Quantos de nós conseguirão concluir essa jornada?

     A noite é longa e sigo, firme e forte, discorrendo sobre coisa alguma e nada. A vontade de desistir de tudo é forte, mas confio em dias e noites melhores. Luzes acesas de vizinhos que nunca conheci iluminam a minha alma. Os solitários não estão sozinhos. 

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