terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Dispersão utópica

     Nunca fui de escolher bem, ao menos, não por mim. Sou parte da legião dos estúpidos, aqueles que sempre se preocupam com os outros. Às vezes dirijo imaginando, se a vida não seria mais simples se eu evitasse o primeiro retorno para o meu trabalho e seguisse a placa verde com letras brancas: CASA. É irônico, pois me pego contando o tempo em que faria a viagem. Escolhi certo pelos motivos errado tantas vezes. Como seria a vida se eu tivesse mergulhado no jornalismo? Talvez eu fosse um escritor publicado se não tivesse me formado em Direito? De que interessam os tantos se nessa vida? Nada. Esta é a tragédia e a beleza da vida. Encaramos uma possibilidade e temos que viver com o peso das mil que não escolhemos. Sorrio sozinho no carro. As músicas do meu pendrive, manjadas para quem estava acostumado a ouvi-las, soam como uma surpresa maravilhosa para qualquer estranho. Sinto vontade de gargalhar quando começa a tocar uma aula do último cursinho que comprei. Não me lembro de ter colocado aulas naquela pasta. Até os roteiros previsíveis guardam surpresas. 

     As coisas são diferentes agora. Às vezes as novas pessoas que aparecem em minha vida, creio, buscam ver em mim mais do que há no momento. Será minha culpa? Talvez eu apenas ofereça vislumbres de coisas quais não pretendo dar. Ofereço mesmo? Duvido. Sou simples na minha honestidade e geralmente impassível e duro. Sou amplo também, mas neste estágio da vida, confesso que frequentemente me sinto como um casulo vazio. Sou o velho fantasma à beira mar, contando estrelas, assombrando apenas as ondas que vão e vêm. Habito meu corpo em pequenos lapsos contemplativos de antigas memórias e sonhos futuristas, mas na maior parte dos dias sou oco. Alguém ralha comigo em tom severo: A vida é agora. Acorde! Espreguiço-me e faço uma refeição básica. Malho enquanto meus olhos se distraem com imagens na tela do computador. Meus músculos não doem, mas todo o resto grita. Animes e séries já me soaram mais interessantes. Não sou jovem, mas ainda não sou velho. Tudo é baço nos vitrais que estão diante dos meus olhos. Quase nunca enxergo com limpidez. Quando a visão é clara tenho vontade de correr. Pego-me pensando em coisas que deveria evitar. Sei coisas demasiadas para ser feliz?

     Antes, muito tempo antes, quando invariavelmente havia dragões em todos os finais de tarde, eu sorria mecanicamente e agradecia pela vida. Entendia muito de poucas coisas e pouquíssimo de quase tudo. Tenho me transformado, mas não radicalmente. Minha capacidade de compreensão é praticamente medíocre. Meu amadurecimento oscila. Há dias que quero fazer birra, gritar e chorar. Entendo de dor e de destruição, mas não sou de quebrar objetos ou pessoas. A vida é melancólica? É trágico rastejar ao lado de várias larvas e estar destinado a ser a última delas a voar. O que posso fazer, ora? Pois que seja assim! Eis meu único conselho para todos que sofrem: sofram. A necessidade de fugir do estado de dor, seja por meio de qualquer escape, faz com que se evite o que precisa ser enfrentado. Os monstros ganham tamanho e força quando tentamos fugir. Use sua animosidade de maneira criativa. Dias chuvosos não são bons para tomar sol e isso deveria ser óbvio, mas é comum a chateação e o burburinho incomodado em tom ácido. O que é que se faz quando não há sol? Imita-se velhos ranzinzas? Não. Faça qualquer coisa na qual o sol não seja absolutamente necessário. Os felinos não reclamam da ausência da luz e buscam outras fontes de calor. Mudança de hábitos. Você provavelmente vai estranhar, sufocar, talvez até sinta vontade de socar a parede ou gritar o mais alto possível para constatar que no fim do mundo sua voz não alcança pessoa alguma. 

     Será mesmo verdade? A sacola do mercado rasgou e uma mulher recolheu minhas duas garrafas da melhor e mais cara marca de sucos de limão que já comprei. Ela sorriu e perguntou se eu precisaria de ajuda até o meu carro, mas gentilmente neguei. Antes de que eu proferisse palavra, ela havia escutado minha voz. Não posso abraçar o meu cachorro hoje. Sinto falta do jeito dele de ser carinhoso comigo, mas a gata preta esteve na mesa do computador durante meu processo de digitar esse texto. Quero abrir uma porta para novas possibilidades, mas ainda não é algo fácil. Algum dia será? Reviro-me na cama antes de dormir. Como tantas pessoas abrem portas, janelas e frestas com tanta tranquilidade? Meu entendimento sobre a vida é ínfimo, acredito que principalmente pela minha necessidade tão exagerada de querer conhecer o Nome verdadeiro de tudo, mas devagar aprendo minhas lições. Saiba aprender as suas. Tudo hoje se parece com o fim do mundo, não? Você tem razão. É o fim do mundo, mas a vida se renova com o próximo descanso e o mundo começa de novo pela manhã. Está preparado para as possibilidades de um novo dia? Apenas viva sua vida da melhor maneira possível. Vivem dizendo para que eu seja mais realista e hoje sou capaz de assentir com seriedade, mas no fundo me guardo e me protejo em minhas diversas dispersões utópicas. Sobrevivo apenas pelo que sou capaz de imaginar e pelas coisas que amo. Faria sentido se fosse diferente? Não. 

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