quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Mentira, Utopia e Verdade

     O céu exibia sua diversidade de cores em uma demonstração clara de como era inútil que algo tentasse superá-lo no quesito beleza. Respirei fundo, mas permaneci imóvel com ambos os cotovelos apoiados na mesa. Comecei a meditar sobre como deveria estar pensando em coisas relevantes, mas, quanto mais demonstrava minhas preocupações, menos me importava de fato com o que deveria ser considerado essencial. Afinal, há algo que importa além das mentiras cotidianas? Será mesmo que é correto empregar o termo deveria? Você vê? Ressalto que gostaria que fosse muito sincero comigo, mas enxerga algo mais relevante do que o carinho ofertado e recebido? Desejos! Ah! Desejos! Quem é que não os possui ou não é possuído por eles? Entre na contramão de si mesmo e como um tolo vague a esmo procurando por respostas de perguntas quais desconhece. Este é o trágico destino de quem possui a alma de menino e que da noite para o dia chora, porém, abraça a melancolia lá fora e aceita todos os sentimentos do mundo. Não é necessário que exijam coisa alguma. Você acha que merece todas as desgraças que estão acontecendo? Talvez você esteja certo. 

     Não me diga para onde vai, pois você sabe bem como sou imprevisível. Quero manter minhas asas no ar, embora não pretenda tirar meus olhos de locais de descanso. Tudo é possível. Não, por favor, não me siga. Entenda como eu entendi antes. Todo mundo me afasta e isso basta para saber o quanto sou inconstante. Talvez a ideia inversa seja a verdadeira e o hábito tão certo de atitudes certamente costumeiras é que me torne distante. Veja! Há beleza por qualquer que seja o seu caminho e sua direção. Agir com sutileza é a única maneira de não despedaçar um coração. Sua extravagância intranquila me deixou irado, mas agora tudo deveria ser irrelevante. Deveria mesmo? Pense. Incoerências e inconsistências, a fé em Deus que aposta na ciência, a fênix que se apraz de estar no chão. Se te perguntarem se eu me conheço, preste atenção, eu tenho certeza das palavras que vou dizer. É claro que sim, eu me conheço, mas aí reside o maior dos perigos. Quem é que no mundo não teme a flechada quando sabe que cairá se no ponto fraco for atingido? Eu deveria ser mais corajoso? Talvez devesse. 

     Olhe, eu não tenho sido covarde, mas não faça alarde se eu estufar meu peito. Por muito tempo tenho ficado em silêncio, mas agora me convenço de que as coisas deveriam ser mais do meu jeito. Esqueça o que tem dito e o que tem pensado. Esqueça o que é certo e errado. Corte ligações eternas ou fugazes. Trapaceie pela primeira vez na vida e surpreenda com uma investida secreta e direta protegida por ases. Corte todas suas relações antes que te coloquem no limbo de novo. Eram imprescindíveis e já não ligam mais. Não se culpe se tudo lhe parecer o fim. São apenas fases! Ah! Desejos! Quem é que abre mão de sonhos por beijos? Valho-me dos sonhos, pois são mais precisos na imprecisão. Neles posso mergulhar nos mais fundos oceanos e buscar os mais lendários tesouros: os segredos do porão. Posso mudar meus planos e achar centenas de potes de ouro. Ah! Valho-me do sono e dos sonhos mais preciosos, pois não adianta temer o que está por vir. Se durante os dias, confesso, às vezes não sei pelo que agradecer, durante as noites tenho a certeza de que viverei instantes de prazer. Liberado das obrigações sociais e das vontades fugazes, em sonhos nunca me limito. Sou todos os feiticeiros do mundo, mas também todos os enfeitiçados e nesta fantasia realidade realmente acredito. Liberto-me. Minha volúpia se derrama acima de minha consciência e me entrego a todos os sentimentos quais tenho evitado. Em sonhos não julgo ninguém e nem mesmo sou julgado. É bom sentir esse tipo de liberdade. 

     E os novos boatos se espalham pela cidade. Todos os tolos têm falado, mas pouco me importo. Na confusão de ser e relembrar, eu tenho sentido falta até do que não vivi. Tenho tido saudades de momentos que inventei por pura dispersão e vontade de sorrir. Perguntam meu candidato político e a minha idade. Noto a língua agitada pronta para me dar um sermão. A mentira mal contada na utopia de verdade é tudo que importa para essa gente viciada em encenação. Quem é você que não sou eu, mas que pensa ser mais do que realmente é, mas que nem mesmo é o que é? Quem é você que não sou eu, tão inteligente, homem esperto e eloquente, mas que duvida da própria fé? Quem é você que empodera suas vadiagens e comete todos os tipos de atrocidades sem se importar? Quem é você que não passa, mas quer passagens para sair deste lugar? Quem é você que me olha como se fosse caça e não importa o que faça não pode me querer bem? Quem é você que condena minha simplória vida e jamais parece arrependida até mesmo quando vai além?

     É um jogo, eu sei, você sabe, portanto, é bom que estejamos todos atentos. Sou quase o homem mais solitário da cidade. Digo quase, pois durante um tempo, juro, eu apenas compartilhei meu espaço com alguns fantasmas, alimentando fantasias e criando poesias, versando com a quantidade errada de palavras. Aí adotei minhas gatas. Ou será que elas me adotaram? Fiz por elas, confesso, mas também fiz por mim. Gosto de dizer para os estranhos que realmente me conheço, mas talvez não seja a verdade mais bem dita ou bendita. Coleciono utopias. Posso jurar que nos dias de inverno beberei meu café com toda a convicção da existência de um semideus interno que me faz ser capaz de escrever livros, fazer sexo como se deve e realizar os maiores sonhos. No verão sou preguiçoso e meu instinto moroso me faz preferir filmes, livros, séries e sono. O sono é o mais atraente, mas meu castigo por ter engolido uma estrela cadente é pago agora. Há anos que não durmo mais de seis horas (consecutivas). Durante os dias, eu me arrasto, mas não me afasto das zonas de confusão. Crescer é necessário e você vai ver. "Quando for adulto verá o quanto e o porquê me ocupo. Tudo o que faço é por você".  Devo ter emprestado a frase de um filme. Admito que às vezes chacoalho o mundo para tentar me fazer confuso. É mais fácil quando você não sabe o exato lugar onde deve pregar o parafuso. Lembre-me de um conselho de um gato num livro infantil: para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve

     Veja, meus instintos, voluntários e totalmente naturais, guiam-me através deste monólogo escrito, quase infinito. Veja, eu poderia me estender por eternidades e passaria longe da objetividade de mostrar o meu lado mais bonito. Ouça bem... a mentira mal contada na utopia da verdade. Ninguém, meu amigo, ninguém vai te dizer coisas belas. Aproximo-me de mim. Como é possível? Aquele outro eu sou eu mesmo ou é outro? Qualquer verso ou rima atravessa minha mente e cogito estar louco. Tão pouco era preciso para alcançar a felicidade. Retorno ao tempo que era apenas uma criança para tentar me entender. Não, eu volto antes, bem antes, mas não por tentativa de compreensão. Gosto de me observar de fora um pouco em um silêncio contemplativo. Tenho procurado tanto, mas não sei o que. Será que vou encontrar? Ora, a maioria precisa de tão pouco para ser feliz e você aí se arrasta, nunca se basta, persiste com suas forças gastas e frequentemente se pega de cócoras para respirar. Por que pesa tanto o peito se você nem é fumante? Mistérios. Por que está fatigado se seus hábitos são impressionantes?

     A tristeza é um fato, mas também uma doença. Celebro a vida, de quando em quando, como se eu mesmo a tivesse feito ou criado. Comemoro um raio que vejo lá longe assim como a bela paisagem de beleza inenarrável do lusco-fusco. Quem é tão bom com palavras que pudesse descrever mais de trinta cores? Quem é tão bom em juntar numa amálgama diversos tipos de dores? Ah... Desejos, amores. A tristeza é um fato, mas também um hábito viciante. Eu me viciei no meu estado soturno e achei que todo o resto deveria me tolerar. Maldição! Quem é que deve algo nessa vida? O tempo me sussurrou um segredo e de repente me senti um homem de sorte. Coragem não é a ausência de medo, mas você precisa se lembrar de viver, pois há a morte. Morte sim, senhor, para todos, irrefutável e precisa, mas agimos como se tudo fosse eterno. Apostamos alto... pessoas, amores, vulnerabilidades. Sorrimos e entre prantos disparamos para longe da nossa sempre boa cidade. Não sou artista de verdade, mas pinto a tela lúgubre dos meus sonhos etéreos e cardíacos. O coração bate e o cachorro late. Todo mundo que você conhece, enfim, cresce. Estão seguindo. O que é que faz você achar que pode fazer o que ninguém poderia? Quem enfiou verdades no meio das mentiras que inseriram através das utopias? Creia em mim ou creia em nada. Tanto faz, enfim, cada um percorre apenas uma estrada. É preciso estar no ápice do estado de sono para admitir que é necessário o abandono de outras mil jornadas. Elas não serão vividas por você. 

   Olhe, você é capaz de edificar sua própria fortaleza, esculpir os próprios muros que te proporcionarão o silêncio pacificador, deslizar por descidas angulares e perigosas como se fosse uma espécie de esportista radical. Alguns te invejarão, assim, tome cuidado. Ser original cobra o preço. Viver exige responsabilidades. Considere-se um nada ou um príncipe dos ares; diga que é o breu vazio ou um tritão imponente dos mares; provoque arrepios, mas jamais desfaça lares. Creia em mim ou creia em nada. Você sabe que no fim tanto faz. É costumeiro que cada pessoa goste ou queira impor algum fato, caro ou barato, como se fosse realidade. Não creia em tudo que a sua mãe dizia, pois foi dentro de uma utopia que eu conhecia a mentira mal contada que se bem analisada revelava um pedacinho da absoluta... Verdade. 

     
“Amar o perdido
Deixa confundido
Este coração
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão
Mas as coisas findas
muito mais que lindas
essas ficarão”.

Carlos Drummond de Andrade.

Instagram: @drp0etry

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