segunda-feira, 15 de abril de 2019

Tenho tentado...

   Tenho tentado, em vão, alcançar as coisas que sinto distantes de mim. Reparo-me na existência alheia e sorrio sem confiança. Nesta noite de lua cheia, eu só desejei ser um homem hábil na dança, mas como só posso me equilibrar nas minhas próprias capacidades, eu resisto como posso e sigo sendo apenas o que sou. Descobri o segredo da vida, mas não havia ouvinte que quisesse sabê-lo. Sou sempre subestimado e dou de ombros com um sorriso minguado. Algumas situações se repetem e todos aqueles que deveriam se lembrar agora se esquecem. O que é que posso fazer? Nada. Sinto uma espécie de perigo, mas continuo de peito aberto sendo o que sou. Um vulto perdido, um mero eco não ouvido, algo importante esquecido, uma sombra de amor... 

   Tenho tentado e não sei se falho o suficiente para falar com propriedade. Os que me acompanham de perto eventualmente querem saber. O segredo para sobreviver com sede no deserto, a forma de continuar a amar quando o amor já não faz muito por você. Veja! Há estágios de construções que você pode mirar para não deixar a sua crença ruir, mas o único passo fundamental é que você nunca deixe de acreditar. Você talvez tenha sido um mendigo pelo amor, como eu fui, catando qualquer resto para não morrer, recolhendo tudo o que há no caminho apenas para que um dia volte a ser. Você sente falta e isso não é motivo de vergonha, mas é necessário levantar a cabeça, limpar a calça com dois ou três tapas e tirar a poeira de cima das velharias. O que era antes não torna a ser um dia. A vida é em frente, mas às vezes você olha para trás e sente, não? Seu ânimo não é mais o mesmo e nem mesmo você, mas você guardou tanto aquela parte especial para alguém. A decepção agora é uma lacuna impossível de preencher. Todos estão mudando tanto assim? Como estaremos no momento que antecede o fim?

   As pernas doem e você não quer ajuda para se sustentar em pé. É bom, eu digo e repito, é bom que ainda sejamos capazes de manter acesa essa chama de orgulho. Há variados tipos de fogo. Alguns mudaram abertamente os antigos planos; sem enganos, trocaram eu te amo, mas nós, insistentes nas persistências infindas, queremos saber, tentamos entender, até mesmo o resquício da loucura mais linda. Não há tragédia limpa. Ao fim há sonhos mortos, sangue e lágrimas. Dói, mas você evita tocar a ferida. Dói, mas você evita falar sobre o que ainda faz palpitar o seu coração. Dói, pois já não são as mesmas mãos. Dói simplesmente por doer. Você sabe que pode ser cada pequena coisa e que ninguém precisa saber, mas a alma clama, não é verdade? Você é tão discreto que seus desejos mais profundos jazem secretos longe dos ruídos imundos da cidade. Encontros dissonantes te levam até a verdade. O barulho abraça o silêncio e diz que está tudo bem, ele pode se quebrar em seus braços essa noite. O barulho, compreensivo, é mestre em expressar emoções. Como podemos ser tão diferentes e nos apegar em tantas tradições? Como podemos ser opostos e cada vez estarem mais próximos estes vastos corações? Os céticos observam com incredulidade e os que possuem fé não conseguem crer. Quando foi que o mundo voltou a se mover? Alguns dizem que a sua vaidade será sua ruína, mas você não teme esses discursos repletos de vulgaridades, pois conhece a própria sina. Por que há de temer os monstros que espreitam cada esquina? 

   Tenho tentado, em vão, alcançar-me quando saio de mim vagando à esmo. Tenho tentado entender a minha própria vastidão. Amei, invariavelmente, pessoas. Nunca fui daqueles que devaneia sobre a coisa amada. Ainda assim, eu me via fora de mim. Às vezes me desculpei mesmo que a minha ação não estivesse errada. Às vezes não me desculpei mesmo sabendo do meu erro. Somos prisioneiros de nós mesmos. Tenho liberado meus impulsos ao menos uma vez na semana. Arrefeço quando sinto que ninguém me ama. Tenho tentado mesmo sabendo que, ao final, vou estar errado. Tenho vivido dormindo e sonhado acordado. O que eu perdi de tão importante qual não soube encontrar? Às vezes, olho-me com minúcia e testo a força da minha astúcia, rebaixando-me ao meu menor estágio para me equilibrar e não me tornar cego. Às vezes, eu tenho travado lutas intensas contra o meu próprio ego. O que é isso tão negativo que me faz sentir que tudo vai dar errado? O que é isso de condicionar e estabelecer regras quando só é amor se é insensato?

   Tenho tentado, em vão, encontrar alguém que me encontre. É inútil. Estamos acostumados a nos acostumar aos costumes. No contato diário esquecemos de valorizar quem nos traz o lume. Na ausência persistida encontramos a face do amor que foi deixado para trás. Tenho conseguido sem tentar muitas coisas das quais não me imaginei capaz. Na leveza que sinto ao abandonar velhos fardos, eu assumo com coragem novos encargos e abraço a minha paz. Há caminhos irrecuperáveis, mas não me apego mais à ilusões de memórias afáveis. O que for meu um dia o vento traz. Os que estão por perto me perguntam sem parar "Ainda existe amor verdadeiro?". Desiludido e quebradiço, eu sigo a acreditar, é o amor que nos faz inteiros. Não desista de amar só por quem alguém pisou com força no seu melhor sentimento. Eu não disse que tenho tentado? É numa despedida esticada, na extensão de uma nova risada, que há a percepção de que o quebrado ainda pode ser consertado e a vida volta a valer em um novo momento. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário