É claro que você sabe.
Amor é a simplicidade que a gente complica. É algo fácil e quando se possui olhos
cuidadosos passa a ser cada vez mais simples. É o descanso na loucura segundo
Guimarães Rosa ou a loucura que explode na calmaria a confusão desastrosa (segundo eu mesmo). Amor é você aparecer no mesmíssimo lugar durante anos e estar
louco para dormir junto. É ansiar para contemplar o sorriso ou apenas para dividir o
silêncio. É deitar no chão da cozinha e ser lambido no rosto por um cachorro
preto do tamanho de uma pulga e sussurrar... Isso foi o que esperei por
anos... É aqui que quero ficar.
O amor está acima dos outros sentimentos menores
ou tortos. O amor persiste quando os corpos viram cinzas ou jazem soterrados e
mortos. Amor é lealdade desmedida, séries ruins, animes novos ou repetidos aos finais de
semana. Amor é amar o pouco que se tem e saber regar bem o que a gente ama. Amar
é ter a consciência de não ter religião, mas transformar os cinemas nas
segundas-feiras numa tradição tão sagrada que a falta dos filmes seja um
pecado. Amor é saber o que sente e não ter medo de cessar o sentir, pois a
valentia e o vento sempre sopram na direção certa para os corações firmes. Amor
é amor e a ideia de mensurá-lo é correr o risco de soar como um pateta. Amar é
falar do vislumbre até do que não mais se sente e se prostrar como um péssimo
poeta. Amor é Roma ao contrário, aroma nas roupas esquecidas ou escondidas no
armário, sorrisos presos em retratos empoeirados; memórias medianas muito bem vestidas e transformadas em atos românticos apoteóticos. Quem ama ou deseja
amar ou é bom de olfato (como eu nunca fui) sente o cheiro do amor ou do
que o que desejaria que fosse amor quando a pessoa vai embora. Amor é olhar de
fora para dentro e simultaneamente de dentro para fora. São ainda olhos que
dançam enquanto te observam, pois veem pela sensibilidade a amálgama que te
compõe e imaginam o universo que existe dentro de você. ]
Amor é como o
conhecimento da humanidade sobre os oceanos: agimos como se soubéssemos de
tudo, mas vimos apenas dez por cento. A arrogância faz pensar que entendemos e
nesse momento somos idiotas e isso é amor. Amar é ser estúpido cônscio da
estupidez. Amar é abrir mão, sem razão, da própria lucidez. É entender que aqueles
dez por cento são suficientes para querer a eternidade e almejar uma chance de
olhar para os outros noventa, até mesmo as partes agressivas e melancólicas.
Talvez você nunca veja tudo, mas imagina. Se fosse uma história clichê, o
amor seria o desfecho e o clímax.
Quem é você? Por que você?
Irrelevâncias infantis.
Isso, na verdade, não interessa minimamente. Eu estou feliz que esteja aqui
comigo nessa manhã, tarde ou noite e basta. Amor é andar de mãos dadas e olhar
vitrines de lojas caras quais talvez nunca consigamos comprar; é planejar
trezentas e cinquenta viagens das quais cinco vão dar certo. Amor é querer quase sempre estar por perto. Amar é, talvez,
concordar que os restaurantes da cidade são todos uma merda, pois até a
inconsciência sabe que é preciso buscar algo em comum nos dias difíceis e que
pontos de equilíbrio são necessários. Amor é proximidade e distância, mas nunca amar a
distância prolongada que se gera pelas vezes em que se faz necessário o
afastamento. Amor é privacidade e invasão. É ternura sim, mas também tesão.
Amor é olhar descuidado e ser capaz contemplar gestos, beijar os olhos, olhar
as bocas e ter a noção de que... Tomara. Tomara que Deus exista para
que minha filha tenha o mesmo jeito teimoso e falante dela. Amor é
saber que se não houver filhos, há outras maneiras de ser feliz.
Amar é aprender a não deixar para trás pelos
motivos que não lhe pertencem e é saber deixar para trás espólios desnecessários
que a gente traz quando deixa de sentir o que sente. Amor é golpe direto: faca
que rasga o orgulho ou que quebra na tentativa. Amor é gatuno solto na noite,
mãos leves e açoite, passos na neve e tentações furtivas. Amor é insanidade,
insensatez e respeito. Amor é assim e também de vários outros jeitos. Amor é quando um senhor de sessenta e seis anos
de idade empurra a porta da casa, entra correndo e grita, seu desespero
escorrendo desenfreado pelos olhos e sua boca travada em frases que se repetem
involuntariamente: Ela morreu, filho. Ela
morreu! Amor é saber que dali em diante tudo vai mudar de repente... É não
controlar o a angústia; é tentativa intermitente. De viver...
Amor é
cuidado prolongado por quem durante anos prolongou solitariamente o cuidado
sobre dezenas de pessoas. Amar é acertar a piada e transbordar pelos olhos
azuis como o céu a felicidade mais genuína, pois a esposa com a qual é casado
há cinquenta e três anos gargalhou e naquele riso, o mundo tão gasto quanto sua
memória e seus ossos, voltou a brilhar mais uma vez. Amar é ficar quando tudo
dá errado. Amor é quando na noite fria vejo seu rosto no vidro embaçado do
carro. Amor é se sentir internamente e inteiramente retorcido, é ser lembrado
quando o resto do mundo havia te esquecido, é abraço forte e apertado. Amor é o
furo da cronologia em busca de se sentir bem. Amor é intenso e expansivo, mas
nunca faz reféns. Amor é colo macio, sexo forte, café quente, cafuné infinito.
O amor preenche vazios, não mente, traz sorte e é invariavelmente bonito. Amor é a falta de
respiração acalmada por um toque na pele. É algo pelo qual se zele. Amar é ver a imensidão do mundo nascendo das lágrimas no rosto, é ter e não
ter a vergonha de se sentir exposto. É desconfiar, mas uma última vez acreditar...
Agora não há engano. Amar é deixar
alguém navegar no seu oceano. Amar é nunca matar aranhas, pois é melhor
acreditar nas superstições mais tolas. O amor é um sentimento que transcende o tempo e
palpita nas entranhas em uma tarde de outubro vazando pela língua a frase... “Eu acho que amo você”, ainda que saiba
que não há achismos. É acreditar apesar dos anacronismos e silogismos quando o
amor fecha a porta de supetão. Amar o amor é sempre confiar que alguém ainda
achará o caminho para o seu coração.
E ela disse... Foi muito lindo isso que você falou.
Eu
ri e fui embora, mas falei baixinho, quase inaudível...
Essa é a minha sensação sobre o amor.