sexta-feira, 17 de maio de 2019

Crônica sobre nada - #1

     Sou como sou e vou sendo como posso. Muitas vezes me pressiono para ser mais nos melhores momentos ou ser apenas melhor nos momentos em que é preciso me dedicar ligeiramente mais. Tenho que ser o sensato da vez por inúmeras vezes. Adivinho-me, pois é fácil antever minha própria insatisfação com o mundo. Fui até vítima da frase agora quero ser minha prioridade quando não disse ou insinuei um A sobre me tornar sequer mais que meramente participativo em outras existências. Tive que decidir por quem forçou a indecisão sobre meus ombros. Nada era tangível, mas tudo era palpável. O que existe no plano imaginário certamente existe no plano físico, certo? Se o que pune a mente castiga, por consequência, o corpo, como podemos chamar qualquer coisa que subsista no campo das ideias de irreal? Nesta maneira de encarar os fatos, é possível afirmar que tudo existe, até mesmo o que não existe. A cada novo dia sinto que sei ainda mais sobre o que sou e me assumo naturalmente como uma espécie de bizarrice ambulante. Meus sonos são cada vez mais curtos, porém, ininterruptos e bons. Eu vim até aqui evitando os desperdícios. Comi apenas o que precisava para sobreviver. Eu cheguei até aqui atravessando as pontes que eu mesmo construí. Posso ter orgulho do que fiz se o que fiz foi indubitavelmente bem feito? Posso deixar que me creiam como vampiro se não sou capaz de convencê-los de que sou de outro jeito?

     Ser alguém orgulhoso é geralmente ruim, o que não quer dizer que ter orgulho seja algo ligado à quaisquer tipos de comportamentos vexatórios, viciosos ou hediondos. Um pouquinho de orgulho é necessário, digo-lhes com convicção. Não importa em que fase da sua vida ou em que estágio de evolução você se encontre ou que você suponha que se encontre, é importante também manter esse orgulhos, pois é ele que garante a particularidade de pelo menos algumas de suas ações. Se você quisesse mesmos saber, eu lhe diria sinceramente para que não compartilhasse seus hábitos. Isso não o faz mais ou menos orgulhoso. É fundamental impor um tipo de restrição que seja individual, indivisível e totalmente pessoal. Faça com que seus hábitos sejam seus e desconsidere a natureza teoricamente boa ou ruim deles. Hábitos são apenas hábitos e é preciso alimentá-los de quando em quando. Só nunca alimente monstruosidades que poderão lhe consumir e consumir ainda as pessoas que ama. Acaso comece a agir dessa forma, eu peço para que recue. É importante ser singular e saber o que quer fazer, mas é igualmente fundamental ter a noção de que não deve destruir ninguém no processo. Nem todo impulso de batalha é desnecessário, mas impelir-se destrutivamente é algo atroz e estúpido, na maioria das vezes. Nunca penso em machucar os outros e é por tal que às vezes sou eu que acabo machucado. Minha mente é muito humana e por isso meus atos todos falham em ser exatos, mas não me deixo levar por questões levianas e muito menos sou daqueles que ignoram os fatos. Vejo os defeitos meus e os alheios. Sorrio. É só um hábito chato que aprendi com a empatia que cresceu independente em mim. Houve um tempo em que cada palavra que nascia, em seguida, morria inerte na boca. Tantas vezes deixei de agir por considerar minhas atitudes toscas. O que é que sou quando não tento ser mais do que desejo ser?

     Sou nada e sou tudo. Alguém capaz dos melhores discursos, mas das maiores inconveniências. Sou aquele que pode chocar com um impulso direto e áspero de genialidade, só para, em seguida, surpreender com a minha asnice. Sou ainda capaz de improvisar rimas e recitar poemas longos, porém, vejo-me falhando quando pretendo sair de uma pilha de escombros qual eu mesmo me enterrei. Soterrado, eu penso em tudo e minha sensibilidade se estica e abrange todo o universo. Enfiado em um buraco, eu ofendo quem precisa ser ofendido. Depois sofro as dores de todos e sorrio o riso de todos. Entro em exaustão depois de vislumbrar o sublime. Busco o silêncio profícuo, pois sei que eventualmente este vazio é o que vai me transportar de volta ao meu corpo. Às vezes passo os dias conversando e matracando. Não sei quanta gente sente a minha verdadeira falta ou quanta gente se aproxima de mim por interesse, até notarem, enfim, que não há porque suster o interesse em alguém desinteressante. Refuto quem se aproxima rápido demais. Sou arisco, embora meu coração seja uma lareira quente, sempre pronta para abrigar aquilo que apelidam de desconhecido. Reconheço nos outros eu mesmo quando saio por aí vagando a esmo. Sempre que ouço, eu presto atenção. Sempre. Essa é a sina de artista que faz com que a minha mente e meu coração sejam apenas uma coisa. O meu lado racional se emociona no derramamento estúpido da minha essência imbecil. O meu lado emocional racionaliza a minha capacidade de sentir. Sou grato, mas às vezes acabo reclamando dessa gente cheia de contradição. Minha memória absorve os impactos sofridos ao longo dos dias, semanas e meses, mas aguenta tinta este coração. Na pele carrego as cicatrizes como uma espécie de estampa dos últimos reveses, mas não há quem se reveze comigo no sentir. Há dias que alegro tudo e há outros em que me sinto esvair. Consegue segurar alguém que vaga rápido assim? Eu apareço e desapareço, mas ninguém chega realmente perto de mim. 

     Permaneço enquanto posso, porém, cônscio de que logo chega a hora de mudar. Ando e desando, olho para os animais e para as flores e para as mulheres. Espero que alguém me olhe de volta, mas a superficialidade dos outros segue meramente ilustrativa. Mergulho fundo. Nada me tange realmente, assim, não sou obrigado a me permitir mais do que permito. Tenho sido simpático pelas manhãs e pelas noites, mas eu quase sempre sou insuportável nas tardes. Às vezes temo gastar meus melhores sorrisos para estranhos e perder o momento em que a mulher da minha vida aparecerá. Talvez seja, de qualquer forma, alguém com mais forma do que eu. Alguém com uma fé inabalável em Deus ou uma presença apoteótica ou uma arrogância inalcançável. Talvez eu me permita mesmo saber o gosto de suas bocas. Talvez rasguem papéis, mordam canudos e te olhem nos olhos como se você realmente importasse. É possível que seja real, mas você sabe que se quisesse inventaria. Talvez digam que você parece Lúcifer do seriado. Talvez mintam. Talvez falem o que querem dizer ou talvez ainda digam coisas que acham que você deseja ouvir. Você poderia inventá-las? Este hábito é só seu. Tenho o hábito de olhas para trás antes de seguir em frente, pois gosto de checar se o meu passado e meu futuro soam duradouros. Rio da inutilidade da tentativa de ser útil em mim. É meu maior hábito tentar transformar tudo em ouro. É melhor cessar meus devaneios solitários, findar minhas bobeiras. Tudo tem um rosto solidário, aprazível com essa noite de sexta-feira. Tento enriquecer inutilmente utilidades que poderiam me vestir bem. Eu sigo bem quando estou com todo o mundo, mas sigo melhor quando estou sem ninguém. 

Os sonhadores acordados são perigosos
Os acordados perigosos são todos sonhadores
(...)
Ouvi diversos e enraivecidos rumores
Espalhados apenas por questão de vaidade
Desdenharam das finalmente esquecidas dores
Zombaram outra vez de quem acredita na verdade
(...)
"O que ganham fazendo o errado?"
"É que às vezes nós sentimos muitas saudades"
"Por que jogam com dados viciados?"
"Porque é o único jogo na cidade,
o único jogo na cidade..."

     

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