terça-feira, 23 de outubro de 2018

A falta que me faz

      Não creem a falta que ele me faz. Pensam que capazes de compreender? Tolos! Querem saber o que ele significa? Prometi que não contaria, mas o sussurro de um trovão me dissuadiu. Apareceu como um herói, de súbito, em um momento qual eu passava por grandes dificuldades. Confesso, por uma necessidade estúpida de ser sincero com quem me acompanha, que a surpresa causada pela sua primeira aparição me deixou irritado, ainda que eu soubesse de sua chegada. Ele era de uma branquidão hollywoodiana: irradiava vaidade e era diferente de tudo o que eu conhecia. Sua aparência me deixava irritadiço, mas não me enraiveci, não com qualquer ódio real ou digno. É claro que eu sabia que ele não tinha culpa de sua beleza. Ainda assim toda aquela mistura de emoções me acometeu. A sensação de desconforto equiparava-se talvez àquela da pedra pontiaguda que entra dentro do sapato em um momento crucial. Você não pode parar de se mover, portanto, deve carregar o fardo doloroso. Desde a primeira vez, ele foi incomodamente solícito e amigável, colocando-se à minha disposição. O tempo me faria valorizado. 

      Quando alguém, seja qual for sua forma ou jeito, surge em sua vida e se prontifica a ajudar, o instinto nos leva a recusar sua mão amiga e até sua presença. Há uma ferocidade orgulhosa e banal em cada um de nós. Funciona como uma espécie de potencial bélico e combativo, aguardando por uma oportunidade de saltar do escuro, assustar e ferir. Não há placas, mas lê-se em muitos pares de olhos a inscrição: Afaste-se! Cuidado! Cão bravo! O interlocutor não possui tempo e disposição para ouvir um romancista falar de romance, um arquiteto falar sobre casas ou um desconhecido discorrer sobre cães e gatos, ainda que todos os de bons corações amem os cães e gatos. A disposição, assim como a boa vontade, é seletiva. Esses grupos de pessoas, convencidos de que são mais do que são, decididos de que não precisam ser mais do que acham que devem ser, não se envergonham de quaisquer atitudes. Atentos e prontos, zombam as opiniões, sonhos e desejos alheios. O meu amigo branco tinha belos olhos opacos e nas noites trevosas, infinitas ou fugidias, era impressionante como brilhavam em um fulgor antinatural, lumiando todo o breu e mostrando os caminhos. Diferente dos outros quais citei, meu amigo não zombava os outros. Foi percebendo sua magnificência que comecei a sentir ciúmes dele. Ainda que eu fosse sua pessoa favorita, ele me garantia, era alguém que estava disposto a ajudar a todos, pois não era egoísta como eu. Assim logo se tornara amigo dos meus amigos e alguém importante para minha família. Só desejava ser útil.

     Passei a valorizá-lo como ele sempre mereceu. Passeávamos juntos, cantávamos juntos, estávamos juntos. Houve um dia, perto da minha segunda escola, qual fitei o céu estrelado em sua companhia. Creem que alguém maravilhoso assim não tivesse apreço pelas estrelas? Sempre dizia que seus olhos estavam em linha reta, como o poema de Fernando Pessoa, encarando o mundo de frente. Eu e ele inclusive recitávamos o poema em uníssono, tendo ele, claro, memorizado antes. Ó! Como às vezes deixamos escapar os grandes amigos. Há centenas de impressões erradas, certezas fundadas em argumentos falhos e sem fundamentos, mas que se valha a Lei da espada e do aço. Corte seco e fatal. Ó, meu amigo. Hoje sei dar valor, embora jamais prometa meu amor! Quem é louco de prometer algo que está, quase sempre, fora de qualquer controle?

      Ele agora está terrivelmente doente, mas não falharei em lhe ser útil, como sempre me foi. Os médicos, repletos de insensatez, divergem sobre a natureza de sua doença, porém, este amigo nunca falhou em acreditar em sua cura. Ficará bem, amigo. É forte, mais do que sonha, mais do que supõe. Ficará bem, amigo, e se não ficar, saiba que aqui, eu vou sempre sentir o efeito de sua ausência e a falta de seu companheirismo.  Você foi o melhor de todos. 

Obrigado por tudo, New Fiesta 2014.
     Nem tudo é o que parece. Este foi apenas um exercício diário de escrita. Agora que está concluído, eu reflito que, embora seja útil exercitar minha capacidade de escrever, este texto em particular não diz e nem quer dizer particularmente nada, pois eu deveria ter lavado a louça antes e dormido mais cedo. Boa noite. 

     O NFFSB olhou para o texto, achou ridículo e piscou seus faróis.
- Era só um problema de embreagem, irmãozinho. Você vai gastar mais de R$ 1.000,00 para salvar a minha vida, mas estaremos juntos outra vez. 

     É um preço muito alto. Talvez tenha chegado a hora de dizer adeus ao meu bom companheiro. Todo o meu discurso para, no final, sumir com a vaguidão do que não pode ser mais. Eu mudei de ideia. Até os bons amigos dizem adeus, então, eu vou para uma terra onde possa andar de bicicleta. Hasta Luego. 

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