Quero um gole de álcool, por favor, digo,
tentando manter a dignidade no tom de voz. A mentira ganha vida, pois só queria uma xícara de café. Sou bom mentiroso, embora tenha o
péssimo hábito de dizer a verdade. Agora você me desagrada, é o bastante. Este
é o ponto de não retorno, vá. Não é preciso sentir asco da humanidade e nem
pena dos que sofrem. É o balanço natural. Aos tristes, paciência, pois a
felicidade ainda rondará teus dias. Aos felizes, percepção. A felicidade é fugaz,
pois é justamente por isso que se faz mister aproveitá-la. Faço parte dos lúgubres neste instante. Abro minimamente o que minha mente eloquente esteve revirando sem qualquer cuidado.
É irônico o quanto se desconhece o
conhecido. Memoriza-se todas as falhas e manias; risos e costumes; a aversão
por poesia e até os ritos de ciúme. Chega-se então a um ponto estranho e
sólido. Naturalmente, você remói uma frase: “eu sei o que acontece a seguir”.
Em regra, aceita a consequência do fato, ainda que este seja desagradável e
degradante. Permanece, pois diz a si mesmo que é a última vez, mas seu corpo
estremece e você toma nota da repulsa. A mentira ingênua não pode ser aceita,
por tal qual é expulsa. No fundo você sabe muito bem que nada vai mudar. Mas
você é cabeça dura e insiste em insistir. Vai até além do seu limite, mas qual
a razão? Amor? Medo?
Um dia, não diferente de qualquer outro, durante a primavera, você saberá o que vem em seguida. É uma manhã nublada e fria após uma
noite de chuva violenta. Eis que uma gelidez inesperada te ataca e te acomete. Penetra-lhe os ossos e faz morada, como se fosse parte do seu sangue. Trouxeram-lhe um roteiro novo e previram suas possíveis reações, pois também te
conhecem. O jogo não é jogado exclusivamente por você. Eles sabiam o que aconteceria a seguir. Supuseram que a minha
resposta seria “Implore meu amor, pois então fique, por favor,”, mas é um
lamento tardio após uma agressão direta. O costumeiro já está distante e nem
somos capazes de nos ofender de forma reta, como fazíamos antes. Não agirei como um pedante... isso
está em minha nova meta.
Eis que me descubro noutra manhã de
outubro. Os meses silenciaram vozes quais eram tão agradáveis. Os ventos
afastaram preguiçosos sorrisos afáveis. Vejo-me e internamente, minha algidez
compete com o Alasca. Aguento tinta, digo. Aguento tinta, resmungo. Aguento
tinta, desafio. Estou mais maduro, mas às vezes me faço surdo às cenas de
intrometidos que querem opinar, pois refuto suas opiniões. Amanhã ainda não
sei, mas me basto hoje. Não quero ser sensato, pois tenho sido assim a
minha vida inteira, vê? Então se recolha com teus míseros fatos, tua reclamação
cabe numa algibeira. As nuvens mudaram de lugar. Também as manias, os hábitos,
exceto teu jeito de se fazer fortaleza. Há agora um desejo constante de atingir
o cume, ao longe vejo sua inenarrável beleza, mas há ausência do seu
característico lume. Está vestida toda em resquícios de tristeza. O que se pode
fazer? A culpa foi toda minha. Não. A culpa foi toda sua. Toda. Outra mentira. Talvez a culpa
tenha sido toda nossa. Eu faria os cafés pelas manhãs, mas e daí? Isso não me exime. Isso não me exalta. De quem é a culpa, afinal? É possível identificar o transgressor? Quem poderia dizer? Eu não sou capaz de dar nome ao vilão. Nunca fui bom em elegê-los, ainda que meus punhos se ergam até hoje para enfrentá-los. O que é que se conclui nessa história? Há tanta gente que tem o futuro no passado. Isso é mais melancólico do que deprimente. Rio com gosto diante do que meus pensamentos encerram. Tomado pelo sono, enfim, vejo. É tão óbvio tudo
o que não vem a seguir. Sorrio. Adoro errar minhas previsões.
“Prefiro me lembrar de uma vida desperdiçada com coisas frágeis, a uma vida gasta evitando a dívida moral.” Neil Gaiman.
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