domingo, 28 de outubro de 2018

O que trouxe para casa


     A manhã deste domingo foi terrível. A noite passada, péssima, revelou presságios do dia seguinte. O que estava por vir não poderia ser bom e não me refiro aqui aos presidenciáveis. Digitei em frenesi minhas frustrações e chorei como um bebê. Não nego que também sou um homem de oscilações, mas não sou de choro (ou não era), entretanto, as lágrimas escorreram. O café acalmou minha língua com o afago de seu gosto amargo. O açúcar só me faria irritar mais. Esbravejei mudo, cogitando quebrar tudo, mas consciente de que o prejuízo seria exclusivamente meu. Renove-se na temperança, sou capaz, certo, mas o que é que se pode fazer quando o motivo pelo qual sofre vai além daquilo que você pode controlar?

   Nada, óbvio. A constatação, porém, é inútil, pois não ameniza a dor. Estive inteiramente machucado hoje. Não esperei por empatia. Empatia não há. Não esperei compreensão. Estou acostumado a ser incompreendido. Esperei por calma e ela também não veio. Desejei que alguém me acalmasse e não havia alguém. Admiro o sossego, a tranquilidade e até o calor que se produz entre dois corpos quando o frio é insuportável demais. Quem não gosta de uma companhia boa? Quem não gosta de alguém disposto de verdade? Quem não sente falta de sentir falta? Soube que nada em minha casa me entreteria. Troquei de roupas quatro vezes, pois não conseguia me decidir se queria sair. Cogitei ir ao cinema, tomar sorvete ou correr. Optei pela terceira alternativa. Ao correr, porém, vi o quanto estava difícil observar o mundo. Não, eu não deveria acelerar as coisas. O momento era de passear e contemplar. Talvez existisse uma forma de encontrar alegria nas coisas que existiam por existir e que, ainda bem, estavam livres do controle de qualquer pessoa.
     
    Observei, enfim, o que havia. Ouvi primeiro. Os meus tênis mastigaram a areia vermelha e dura num croc-croc que me fez ter vontade de comer Fruit Loops. O chilrear animado das aves me animou. Segui e sorri, pois, vi duas araras cruzarem o céu. A sincronia delas era perfeita. Um avião também passou por cima de mim. O homem também faz coisas fantásticas. Meu coração estava mais quente e me senti acolhido pelo mundo. Talvez encontrasse um gato para adotar. Continuei a caminhada. Catei uma pedra comum, mas notei que até ela tinha seu formato próprio. Catei uma flor murcha do chão e me indaguei sobre o tempo que dura à beleza das coisas. Enfurnei-me para dentro dos bairros, contando as quadras para não me perder. Pensei em comprar ovos no mercado, mas o encontrei fechado. Olhei para os terrenos baldios e matagais, buscando um gato para ser meu companheiro de residência, mas encontrei um coelho branco (maior que a maioria dos gatos) de olhos verdes avermelhados. Dei dois passos em sua direção e ele se afastou. Como parecia assustado, eu o deixei em paz, mas veja, contemplando o mundo com tanta atenção, eu me esqueci de devanear. Quem sabe ele não estivesse me mostrando o caminho para o País das Maravilhas?
     
    O passeio chegava ao fim, mas tive tempo de fitar uma pomba nos olhos. Ela estava sentada em frente ao portão de uma casa e me encarou como se eu fosse idiota. Talvez ela estivesse certa e concluí que era hora de voltar para casa. Vi uma dúzia de crianças brincando na rua, a maioria delas concentrada no jogo de bets. Vi uma rosa vermelha de beleza cinematográfica qual me remeteu ao filme A Bela e a Fera. Não a encostei. Algo tão naturalmente lindo pode ficar como está. De repente me senti aliviado. Estava tudo bem agora. Dei algumas voltas pelo bairro e com meus próprios olhos pude contemplar o que é belo, sem precisar que toda aquela beleza me fosse explicada.
     
    No meu retorno para casa, notei que as minhas frustrações pela manhã, nada mais eram que pedras no meu caminho e que algumas delas não podiam ser quebradas ou removidas. A responsabilidade de trocar de rumo, quando o anterior se torna impossível de percorrer, é singular. Entro em casa e bebo água, como um pedaço de chocolate e revivo mentalmente todo o meu percurso. Esvazio meus bolsos e retiro deles a flor morta e a pedra ordinária. Olho para essas inutilidades com carinho e uma convicção firme se forma em minha mente. Eu trouxe para casa quase tudo, ainda que não tenha recolhido nada mais. Só deixei para trás a rosa vermelha mais perfeita e um coelho potencialmente mágico, mas tudo certo. Amanhã é um novo dia para acreditar em magia. Tudo vai ficar bem mais uma vez. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário