Capítulo 1: Perdido
Um vulto marrom
escuro quebrava a alvura do restante do ambiente. Era um único ponto escuro no
meio da imensidão branca. Só alguém suficientemente louco ou embriagado ousaria
atravessar o deserto gelado de Glacep sob a colérica nevasca, mas era
precisamente a cena que se sucedia. Um ser coberto por um pesado casaco marrom
caminhava vagarosamente para algum lugar. Não era mais que uma mancha assomada
em meio a branquidão. Aquela era a pior tempestade de neve que acontecia nas
últimas décadas. As rajadas de vento eram tão assustadoras e a neve caía tão
intensamente que nem mesmo era possível dizer se era dia ou noite. O vendaval fez
tremular o capuz e revelou por um instante o rosto inocente debaixo da manta:
era apenas um menino. Ele usou suas pequenas mãos para ajeitar a posição do
capuz e continuou seu lento avanço. A brisa cortante o trespassava tão
bruscamente que parecia querer lhe impedir de seguir em frente, mas não havia
oscilação em seu ritmo e nem hesitação em seus passos. Se houvesse qualquer
indivíduo das raças superiores observando a situação, provavelmente diria que a
criança era espetacularmente persistente. Se a análise fosse minuciosa, porém,
notaria que o garoto parecia vazio. Era como se ele caminhasse cego e tranquilo
para a própria morte.
A criança possuía olhos cor de safira,
mas eram opacos e desprovidos de emoção. Ele era o único a caminhar sobre o
gelo naquele momento crítico, mas seguia em frente como se estivesse
hipnotizado por uma força maior que ele. As passadas eram curtas, mas o seu
ritmo constante fazia com que o avanço fosse gradual. Era como se percorresse
uma trilha mapeada em seus pensamentos, porém, sua mente estava límpida e ele
apenas continuava andando. Os nativos daquela região diriam que um homem adulto
acostumado ao mau tempo teria muitas dificuldades em suster-se naquelas
condições climáticas, mas de alguma forma o menino prosseguia e enfrentava a
violenta tempestade. Acaso lhe perguntassem, ele não saberia explicar, mas
sabia que precisava seguir em frente. A constatação bastava.
A temperatura nunca estivera tão baixa
nos últimos anos no Continente Gelado como estava na última quinzena e aquele
era o dia mais frio dos dias atuais, porém, o garoto parecia estar alheio a
isso. Obstinado, ele seguia em frente. Ignorava o frio soando indolente, mas
insistia em avançar com uma persistência que poucos possuíam. O mais estranho
naquela criança, porém, era que seus olhos não refletiam nada sobre seu estado
de espírito. Enquanto caminhava nem mesmo um pensamento atravessou sua mente.
Tudo nele era um enorme vazio. Sua mente era como uma tela em branco. Na medida
em que ele mantinha o seu progresso, seus pés já afundavam na neve acumulada
quase até a altura de seus joelhos, mas suas pequenas pernas insistiam em se mover.
A nevasca o impedia de enxergar mais de três metros adiante, mas seus olhos permaneciam
atentos e bem abertos. O vento ululante aumentava a sensação de que o
continente gostaria de expulsar aquela pequena e indefesa criatura para longe,
mas um passo por vez ele continuava, inabalável. Resistiu bravamente às lufadas
e persistiu com firmeza em seu avanço.
O garoto utilizava trajes simples: uma
camisa de linho vermelha encoberta parcialmente por um gibão cinza escuro, uma
calça marrom de couro novo e botas marrons do mesmo material da calça. Vestia
ainda uma capa de cor marrom escura que possuía um capuz que cobria seus
cabelos e parte da testa. Ele nada sabia a respeito do material de suas roupas,
mas eram vestimentas de qualidade inquestionável. A camisa e a capa haviam sido
feitas para alguém mais alto que ele, pois a capa se acumulava ao piso nevado
sendo arrastada enquanto ele se movimentava, e a camisa ultrapassava seus
punhos, engolindo-os, o que lhe foi conveniente durante sua caminhada na
tempestade. Em um local onde o clima fosse frio, aquela vestimenta lhe
protegeria com facilidade, mas naquela região qualquer criança comum estaria a
ponto de congelar mesmo com a roupagem. Havia algo de especial naquele menino
de olhos azuis. Era como se o frio não fosse suficientemente ousado para
penetrar seu corpo.
Após mais algumas passadas curtas, o
menino avistou uma discreta placa de madeira, ligeiramente conservada.
Manteve-se andando, sem alterar o ritmo, e notou que conforme continuava a
caminhar, a sua visão se tornava mais nítida. Agora a placa estava acerca de
dois metros de distância e ele percebeu que ela era mais alta do que ele. Parou
por um instante observando com atenção a inscrição que nela havia. Byon Yutro. Recitou as palavras em sua
mente. Ele tentou vasculhar na memória algo que pudesse lhe indicar alguma informação
sobre aquela frase, mas não obteve qualquer resposta. A ventania que ele
escutava em conjunto com a nevasca ressoava infinitamente em suas entranhas
percorrendo os seus vazios. Quando reconheceu que não entendia a frase da placa
soube que não faria diferença entende-la. Não deveria ficar parado ali preocupando-se
com questões triviais, diziam seus instintos. Tinha que ir adiante.
A criança deu mais dez passos mantendo
sempre a mesma direção. Avistou nove barracas de aspecto frágil, dispostas em
uma espécie de sequência torta que lembrava um L invertido. Um garoto normal
celebraria feliz e aliviado por encontrar abrigo para se proteger da tempestade
de neve, mas aquele permaneceu indiferente e silencioso. Embora a temperatura
não parecesse o afetar, ele começava a sentir o cansaço pela longa caminhada.
Não tinha em suas lembranças quando começara a andar na neve e nem tinha a
mínima ideia de por quanto tempo seguido já estava em sua incessante jornada,
mas sentia os músculos de suas pequenas pernas acusarem o cansaço. Logo mais
seu corpo se retesaria e ele não teria forças para continuar. Deu dois socos
fracos em suas coxas como quem dizia para elas aguentarem mais, quando uma
rajada mais forte de vento jogou seu capuz para trás e seu pequeno corpo
oscilou. Se não estivesse com as pernas afundadas na neve, talvez tivesse sido
arremessado ao longe, mas só a sua cabeça ficara descoberta. Agora seus cabelos
alvos como a própria neve haviam sido revelados e balançavam freneticamente
como se fizessem uma espécie de dança ritmada. Repentinamente a tempestade se
tornara ainda mais agressiva. Ele cruzou os dois braços acima da cabeça para proteger
seus olhos dos flocos nevados que despencavam do céu com inacreditável
violência. Voltou a andar e parou quando estava a poucos metros da primeira
barraca. Fechou os olhos para se concentrar melhor em tudo o que estava
acontecendo. Seus pensamentos, porém, eram extremamente vagos e a única coisa
que trespassou sua mente foi uma breve observação: gostaria de entender porque o vento está tão furioso hoje. Permaneceu imóvel na tentativa de ouvir
melhor, mas acabou por dar de ombros. Ele repetiu em seus pensamentos algo que imaginou
ter escutado ao menos uma vez: nunca
escutamos bem enquanto estamos furiosos, vê? Se alguém está furioso, se afaste.
A fúria é o inverso do estado natural. Sempre cria problemas, e nunca os
resolve. Não se enfureça. Há alternativas.
O menino fez força para lembrar-se de quem havia lhe dito aquilo, mas seus esforços foram vãos. Ele decidiu que o vento não diria qualquer coisa relevante naquele estado irracional e deu um passo adiante se posicionando de frente para a primeira barraca. Notou que não havia portas, mas não foi difícil localizar a entrada, pois havia uma pequena fresta disposta centralmente na lona. Decidiu usar suas mãos para abrir aquela espécie de fenda e finalmente adentrou à barraca.
O menino fez força para lembrar-se de quem havia lhe dito aquilo, mas seus esforços foram vãos. Ele decidiu que o vento não diria qualquer coisa relevante naquele estado irracional e deu um passo adiante se posicionando de frente para a primeira barraca. Notou que não havia portas, mas não foi difícil localizar a entrada, pois havia uma pequena fresta disposta centralmente na lona. Decidiu usar suas mãos para abrir aquela espécie de fenda e finalmente adentrou à barraca.
Dentro da tenda, o garoto se
surpreendeu com a fenda que se fechara sem a sua ajuda. Concluiu que aquilo
evitava que o vento gelado para o interior da barraca. Ficou pensativo a
respeito da fenda de entrada e logo chegou a uma conclusão. Ela fora projetada
para permanecer fechada, mas como o tecido de que era feita possuía
surpreendente elasticidade e resistência, aquele que desejasse entrar só teria
o trabalho de abrir a fresta com as próprias mãos. O material elástico faria
com que a fenda se fechasse assim que alguém entrasse ou saísse. Sei. Você estica o tecido da barraca criando
uma abertura temporária que se fechará imediatamente quando você a soltar. Depois
da breve reflexão sobre a fenda, ele voltou seus olhos para o que havia na
parte interna da barraca. Foi acometido por um tipo diferente de curiosidade.
Notou que por fora aquela barraca tinha um aspecto frágil e vulnerável, mas por
dentro a impressão era completamente diferente. Agora ele se sentia protegido
da ira das ventanias. Fechou os olhos mais uma vez se concentrando para tentar
ouvir com atenção os mesmos sons terríveis que o vento produzira e que ouvira
do lado de fora, mas agora toda a raiva que ele percebia nos sons não passava
de um eco fraco, quase imperceptível. O garoto concluiu que o vento ainda não
cessara a fúria, mas preso para dentro aqueles sons tenebrosos mais pareciam
sussurros. Os assobios que se assemelhavam a gritos de socorro agora não
passavam de leves chiados. Abriu os olhos e voltou sua atenção ao interior da
barraca. Desta vez não deixaria nada escapar de sua análise.
Havia três archotes acesos dispostos em
suportes de cobre que iluminavam a pequena residência. Observou com mais atenção
tudo a seu redor. Uma pequena e complexa estrutura feita por pedaços de ferro atravessava estrategicamente algumas partes
da tenda. Ele olhava tudo repleto de curiosidade. Pedaços de ferro sustentavam
outros pedaços do mesmo material no teto baixo enquanto outros pedaços ainda
estavam presos ao chão, fincados como estacas. O piso era de gelo e refletia a
imagem de maneira límpida e perfeita se assemelhando a um espelho. O garoto
observou seu reflexo por um instante, sem muito interesse e voltou a examinar a
tenda. A moradia era pequena, mas olhando por fora parecia muito menor. Não
havia quase nada no interior da barraca, mas era aconchegante assim mesmo. Os
músculos da perna do menino novamente o alertaram para o cansaço, e desta vez
ele sentiu um tremor se estender por todo seu corpo, porém, decidiu que não
descansaria até terminar sua inspeção. Agora tentaria ser mais rápido. Correu
os olhos pela barraca e tudo que encontrou foi uma cama sem cobertores e
travesseiros, e um livro ao centro dela. O livro que era intitulado Receitas com Ervas do Mestre Pactus chamou
sua atenção, pois tinha trinta centímetros de altura por vinte de largura, mas
o que realmente causava espanto era sua capa muito espessa. O menino sentiu-se
imediatamente atraído por aquele livro. Suas mãos tocaram a capa
involuntariamente e seus dedos deslizaram suave e pacientemente por ela. Sentiu
a textura como quem tentava captar uma mensagem invisível ou apenas se
deleitava com algo incompreensível. Saiu do seu estado de torpeza. Quando retirou
o livro da cama teve certa dificuldade em segurá-lo, pois o livro era mais
pesado do que aparentava. Ainda assim, o garoto decidiu que não sairia dali sem
ele. Pegou-o com ambas as mãos e em seguida saiu pela mesma fenda pela qual
havia entrado. Então ele rumou para a segunda barraca.
O menino constatou com
rapidez que a segunda tenda era tão vazia quanto à primeira. Antes de começar
uma nova análise, ele deixou o livro no chão para que seus braços pudessem
descansar. Percebia agora que assim como na primeira também havia uma cama
nesta barraca. Havia também algumas louças colocadas lado a lado em um pequeno
suporte cor-de-rosa. O suporte fora feito com muita cautela e se assemelhava
com um item específico para guardar as louças. Se não fosse feito para guardar essas coisas, isso aqui poderia ser um
banquinho.
A criança não sabia se aquele pensamento cruzara sua mente por estar beirando a exaustão ou se de fato aquilo se assemelhava mesmo com um banco, mas deixou o assunto de lado e se aproximou do suporte para observá-lo de perto. Havia uma chaleira metálica de cor cinza com um semicírculo branco desenhado na parte frontal e uma estranha argola pendia em seu topo como se fosse feita para ser pendurada. Havia também algumas xícaras e pratos brancos com semicírculos cinzas igualmente dispostos em cima daquela bandeja cor-de-rosa. O tamanho tão reduzido daquelas louças causou uma estranheza no garoto. Reparou que os objetos eram tão pequenos que cabiam nas palmas de suas pequenas mãos. Ele ergueu com cuidado uma miniatura de xícara, e levou um pequeno susto quando viu a xícara aumentar de tamanho. Ela maximizou-se até ficar do tamanho de uma xícara comum e agora era apropriada para que o menino pudesse utilizá-la. Ele retornou a xícara ao suporte e ela voltou a encolher. Então a retirou novamente, e observou mais uma vez a xícara aumentar. Ele ficou ligeiramente impressionado com o que via, mas não tinha disposição para pensar no assunto. Já estava muito cansado, e por isso não foi capaz de notar que havia mais objetos em miniaturas próximos do suporte. Embora sua mente estivesse límpida como a nascente de um rio, seu corpo só queria parar. Ele continuou a analisar tudo a sua volta e notou o aspecto impecável de limpeza daquela tenda. De alguma maneira ele sentiu que aquilo era correto. A limpeza significava, de uma maneira inexplicável para ele, que as coisas estavam exatamente como deveriam estar. Quando voltou a andar, seu pé direito bateu em algo, e ele abaixou-se para pegá-lo. Constatou que era outro livro, este intitulado de Guia de Pesca no Gelo do Mestre Pactus, mas este estava sem todas as suas páginas. Como não achou útil carregar um livro que tinha a capa, mas estava sem páginas, resolveu deixá-lo. Em seguida recolheu do chão o outro livro que encontrara na primeira barraca e seguiu para a terceira.
A criança não sabia se aquele pensamento cruzara sua mente por estar beirando a exaustão ou se de fato aquilo se assemelhava mesmo com um banco, mas deixou o assunto de lado e se aproximou do suporte para observá-lo de perto. Havia uma chaleira metálica de cor cinza com um semicírculo branco desenhado na parte frontal e uma estranha argola pendia em seu topo como se fosse feita para ser pendurada. Havia também algumas xícaras e pratos brancos com semicírculos cinzas igualmente dispostos em cima daquela bandeja cor-de-rosa. O tamanho tão reduzido daquelas louças causou uma estranheza no garoto. Reparou que os objetos eram tão pequenos que cabiam nas palmas de suas pequenas mãos. Ele ergueu com cuidado uma miniatura de xícara, e levou um pequeno susto quando viu a xícara aumentar de tamanho. Ela maximizou-se até ficar do tamanho de uma xícara comum e agora era apropriada para que o menino pudesse utilizá-la. Ele retornou a xícara ao suporte e ela voltou a encolher. Então a retirou novamente, e observou mais uma vez a xícara aumentar. Ele ficou ligeiramente impressionado com o que via, mas não tinha disposição para pensar no assunto. Já estava muito cansado, e por isso não foi capaz de notar que havia mais objetos em miniaturas próximos do suporte. Embora sua mente estivesse límpida como a nascente de um rio, seu corpo só queria parar. Ele continuou a analisar tudo a sua volta e notou o aspecto impecável de limpeza daquela tenda. De alguma maneira ele sentiu que aquilo era correto. A limpeza significava, de uma maneira inexplicável para ele, que as coisas estavam exatamente como deveriam estar. Quando voltou a andar, seu pé direito bateu em algo, e ele abaixou-se para pegá-lo. Constatou que era outro livro, este intitulado de Guia de Pesca no Gelo do Mestre Pactus, mas este estava sem todas as suas páginas. Como não achou útil carregar um livro que tinha a capa, mas estava sem páginas, resolveu deixá-lo. Em seguida recolheu do chão o outro livro que encontrara na primeira barraca e seguiu para a terceira.
O menino parou assim que
entrou na terceira tenda. Outra vez deixou o livro no piso de gelo antes de procurar
cada detalhe. Reparou que existiam aspectos similares na primeira, segunda e na
terceira barraca, e tentou estabelecer uma espécie de padrão. A iluminação era
gerada por archotes, a estrutura de ferro era muito parecida nas três, e em
todas havia uma pequena cama para uma pessoa, posicionada em um canto. A
barraca na qual estava, porém, possuía características singulares. Havia uma
grande cavidade circular ao centro da tenda preenchida por águas quentes e
borbulhantes. Naquele instante o garoto não teve a percepção do que aquilo
significava, mas eram águas termais. Aquela barraca era utilizada pelos
moradores para o banho. A criança, alerta, viu um suporte de metal alaranjado
fixado na parede mais próxima da banheira. Estendida acima do metal laranja
havia uma toalha amarela. Observou com atenção tudo mais uma vez e não encontrando
mais nada que o fizesse permanecer naquela tenda, recolheu o livro perto da
entrada e seguiu adiante.
A vistoria nas cinco
barracas seguintes foi veloz. O garoto observara que elas eram rigorosamente
iguais a primeira barraca que tinha checado. A única mudança notável era a
posição da cama e a ausência de livros. Finalmente chegou à última barraca. Era
a nona e já estava decidido antes mesmo de saber se havia uma cama em seu
interior que passaria a noite ali. Ao entrar, reparou que a tenda era muito
diferente das outras. O seu corpo não aguentava mais, mas apenas por reflexo se
manteve em pé, pois precisava conferir. Seu olhar analisou minuciosamente tudo
ao seu redor. A primeira observação que fez era a de que embora todas as
barracas possuíssem o mesmo tamanho por fora, esta era nitidamente maior por
dentro. Não sabia como isso poderia ser possível, mas não havia sentido em
negar algo que estava acontecendo. O menino não percebeu, mas aquela era a
barraca do chefe dos antigos moradores da vila. Ele vasculhou rapidamente e
encontrou uma lança de caça, uma bengala e um escudo de madeira. Seus olhos se
voltaram involuntariamente com avidez para a cama. Esta tinha o triplo do
tamanho das outras camas da vila. Exausto, o menino subiu nela. Ficou sentado com
as pernas esticadas e sentiu um alívio súbito. Seus olhos corriam pela barraca
e estavam cada vez mais pesados enquanto seus pensamentos tentavam encontrar
alguma coisa que fizesse sentido. Ele não se lembrava de nada que acontecera
antes de estar caminhando na nevasca. Não se lembrava de rostos, não se
lembrava de propósitos, não se lembrava de acontecimentos e nem de quem dissera
as poucas palavras das quais havia se recordado mais cedo naquele dia. Era como
se a sua vida tivesse se iniciado com aquela dura caminhada no gelo. Tirou os
sapatos e os colocou no piso, ajeitou-se na cama e colocou o cobertor sob seu
corpo. Deitado, sua mente começava a desacelerar e seu corpo a ficar quente e
confortável, mas ele ainda teve tempo para notar que apesar de tantas camas
aquele era o único cobertor da vila. Não sabia se isso tinha realmente
significado. Suas costas relaxaram e suas pálpebras estavam pesadas como
bigornas de ferro. Já não era mais capaz de se manter acordado. Estava prestes
a entrar em um sono profundo quando seus olhos se arregalaram subitamente pela compreensão. O
menino de repente teve uma única certeza. Geffen.
Sim. O meu nome é Geffen. Ele soube que a necessidade de seguir em frente havia o abandonado. A força
que tinha para se manter desperto se esvaiu rapidamente. Geffen sentiu o mundo
tornar-se rosa e depois negro. O sono de que tanto necessitava finalmente havia
o alcançado e dormiria agora, pelo menos naquela noite, completamente ignorante
e sem preocupações.
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