terça-feira, 29 de outubro de 2019

Tomates

     Vou ao mercado. Desço pelo elevador e entro no carro sem ligar a música. Sincronizar o bluetooth não é tão complicado como eu imaginava, aprendi dias antes, mas não me sinto paciente. Opto pelo silêncio e prossigo no meu caminho. Os campo-grandenses comem as faixas de sinalização como se estivessem com fome. Não é novidade, porém, impressiona-me a quantidade de erros básicos que cometem no trânsito. Estaciono, tranco o carro e entro no mercado. 

     A primeira coisa que faço é óbvia. Consulto minha lista de compras: tomate (3), cebola (3), maçã (2), ovos, suco (2), iogurte (5), pizza de frigideira (5), pão integral (1), leite. Decido que vou tentar fazer isso velozmente. Pego uma cesta para segurar minhas compras nas mãos, pois admito que pegar um carrinho seria exagero. Inicio minhas compras pelo tomate e o primeiro que pego parece zombar de mim.

     Que é que tenho para ser efetivamente zombado por um tomate? Escondo o tomate zombeteiro ao fundo e seleciono outro. O segundo tomate é incomumente vermelho escuro e isso me irrita. O terceiro é extravagantemente verde e isso não é certo. O quarto possui tantos machucados e cortes que parece ser um tomate que sofreu ao longo da vida. Como é a vida de um tomate sofredor? Respiro fundo e olho bem para cada tomate. Eles não me olham de volta. Escolho três que não me parecem tão ruins assim e sigo. 

     Pego três cebolas boas, duas maçãs adequadas e com facilidade acho o pão integral da única marca que gosto, mas o fim do mundo se anuncia junto com a traição do mercado. Os sucos não estão nas prateleiras de sempre, pergunto sobre o paradeiro das pizzas e sou informado de que elas estão esgotadas. O único iogurte que achei está vencido e me enraiveço com o preço do leite. Impaciente e quase sem escolhas, eu opto por levar duas cervejas, única promoção disponível, mas o que me tira do sério é que resolveram mexer até no mercado. A mania idiota de mudar tudo de lugar!

     Uma criança me encara enquanto pago. Loiro, magro e provavelmente com uns nove ou dez anos de idade. Ele me olha fixamente e eu faço um sinal positivo para ele. Como quem antecipa meu dia de estresse, ele pega repentinamente o saco de tomates do carrinho de sua mãe e me mostra. Rose, a atendente, observei bem no crachá, estende o meu troco enquanto eu abafo a vontade de rir. O loirinho corre de volta para os corredores do mercado. O que anuvia minha mente repentinamente desaparece. 

- Boa noite, senhor. - Fala a mulher com uma voz agradável e simultaneamente mecânica. 
- Boa noite, Rose. Tenha um ótimo resto de semana. - O rosto de Rose se ilumina e ela fica feliz com quem pôde notá-la. O menino salvou a minha noite e me protegeu dos tomates; eu fiz o meu dever e fui educado como se deve, mas como sei que raramente são. 

     Pego minhas compras, volto para o meu carro e sigo para a minha casa. Não quero passar perto de tomates hoje. Penso em prometer que não vou me estressar mais durante a semana, direciono meus pensamentos para o café da manhã de amanhã e sou tomado por uma súbita decepção. Esqueci os ovos. 

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