terça-feira, 1 de outubro de 2019

O meu silêncio não te pertence

     O meu silêncio não te pertence. É engraçado que, às vezes, mesmo o constante correr das horas não é suficiente para findar ilusões. Fantasmas do passado surgem exigindo espólios de aventuras que já não lhes pertencem. Os amores se acabaram antes da metade do último inverno. Quem foi que disse que o amor pode acabar? Eu não sei, Kim, mas eles acabam e disso tenho certeza. Vaguei por um bom tempo com a minha excelente companhia. Caminhei lado a lado comigo e me conheci como poucos ousam se conhecer. É mais fácil fazer diferente, você nota, certo? A dissimulação é o caminho mais fácil para se apoiar em coisas inexistentes para criar pretextos reais. Só quem admite o medo possui a chance de prevalecer em coragem. Na infância chorei até que minhas lágrimas secassem, eu cheguei a contar? Absorto de mais no meu próprio mundo, eu me sentia amedrontado por tudo o que era alheio. Os meus heróis da televisão eram chamados de falsos pelo povo adulto, mas àquela época já havia desenvolvido o bom hábito de confiar nos meus instintos. Um dia a coragem passou pela tela e hoje a carrego no braço como lembrete para não ser covarde. Sinto medo e amedrontado sigo na direção das coisas que me apavoram. Há dias que brilho como o sol, mas em regra sou como uma esponja que absorve a sujeira dos outros. Aos domingos preciso dar um jeito de espremer toda essa podridão para longe. 

     O meu silêncio não te pertence e é meio estranho que você não saiba. Não sei como isso ainda te surpreende, mas a tela e a moldura não se encaixam. Talvez eu seja pequeno para sua nova versão ou você que seja reduzida para o meu tamanho. Talvez nem uma coisa e nem outra, mas apenas estranhos. Agora somos como obras de arte abstratas e absolutamente diferentes. Nunca mais compartilharemos museus e agora os meus sonhos são apenas meus. Digo isso, embora saiba, os meus objetivos sempre estiveram apenas comigo desde o princípio. A vida muda, vê? Um novo encontro ocorre e o que decorre dali é impossível de prever. Um beijo bom ou ruim, uma surpresa de uma primeira noite sem fim, primeiro encontro que foi chamado de quarto, uma derrota na sinuca, uma massagem na nuca ou qualquer coisa que valha. O trabalho espera no início da próxima manhã. Sei o que faço e conheço minhas tão certeiras razões. Não sou mais um tolo menino avulso e perdido no desértico reino dos corações. Eu tenho ousado mergulhar em oceanos profundos em busca das coisas quais tenho procurado. Vai julgar os meus caminhos e dizer que o que tenho feito é errado?

     O dia de ontem foi menos emocionante do que será o dia de amanhã. Posso querer apenas o que quero querer? Não. Resolvi o que tinha que resolver. Li e consertei detalhes. Tive que ir até o Banco do Brasil e depois até a Caixa Econômica. Paguei uma conta e cheguei em casa antes do anoitecer. Era a hora certa para algo, mas não soube dizer. Cuidei um pouco da bagunça externa, mas ainda havia coisas que me preocupavam por dentro. Não sei se sei como resolver, mas sabia exatamente do que eu precisava. Uma boa conversa e a dose adequada de quietude. O meu silêncio não te pertence e é bastante improvável que isso mude. Quem é que alimenta essa mania idiota de se distanciar e mudar e não estar disposto e nem disponível e ainda acreditar de verdade que tudo pode e deve se manter exatamente como foi? Impossível. O ontem é material fundamental de memória, mas é apenas fragmento de história. Os atentos bem sabem que os dias jamais se repetem, embora possam parecer ligeiramente iguais. O cachorro ronca e eu também sou tomado pelo sono. A gata corre pela casa protegendo o lar daquilo que não se pode ver. Os meus pequenos silêncios se fundem e formam uma amálgama. É uma espécie de silêncio perfeito qual não pode ser quebrado. Se houvesse música seria provável que existisse algum otimismo certeiro. O que sobra para quem insiste em ser verdadeiro? A mesma coisa para quem insiste em ser falso. Nossas convicções e oscilações vivem em perseguições, sombras eternas em nossos encalços. 

     A madrugada de amanhã será tão sufocante quanto esta. Insone resolvo arriscar palavras neste blog e não sei direito se sei o que quero dizer, mas talvez eu só deseje reafirmar que o meu silêncio é exclusivamente meu e se antes pensava diferente, eu quero dizer que o meu silêncio e tampouco o meu barulho não são mais seus. Os amores morreram há meses! Você não viu quantas vezes os reveses apareceram tão de perto? E ninguém se reveza para reservar um tempo com a sua tristeza. Dane-se. Oscar Wilde estava absolutamente certo? A gente sempre destrói aquilo que mais ama? Dia mais ou menos, 2020, em dezembro ou mesmo nessa semana. E aí a gente se retorce no que já se findou e chama de amor, pois somos assim deprimentes. A oportunidade veio e passou e você aí se fazendo de estrela de cinema. Veja, bem, honestamente nada disso importa mais. O que quer que aconteça simplesmente deve acontecer. Dispenso tudo com um dar de ombros e me reergo da pilha metafórica de escombros para novas etapas. Não vou mais alimentar esse monstro que me mata. Senti pelo tempo que foi necessário até não sentir mais. Agora tanto faz. Vou para a próxima fase. Algumas coisas já fugiram do controle e outras ainda fugirão. Farei o meu melhor agora e com todo o coração. Nos próximos dias não irei me preocupar constantemente em vencer ou perder. A decisão tomada chega sempre em boa hora, há outras pessoas no mundo lá fora... O meu silêncio e barulho me pertencem. Hoje eu escolho viver.      

Nenhum comentário:

Postar um comentário