segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Instante e a vontade de não ter vontades

       Por um instante odiei o fato de que só posso ser quem eu sou.

     É, você bem sabe que eu sou razoavelmente inteligente e não tão comedido assim na minha expansividade, mas aprendi e hoje sei bem como me esgueirar, entende? Preencho espaços vazios de maneira cirúrgica, creia-me. Não importa realmente o quanto posso ser expansivo, pois eu nunca deixei que os outros se anulassem perto de mim. Sempre quis ser tão melhor, mas antigamente não queria por mim. Minha mania estúpida e altissonante de querer mudar o mundo era tão exagerada no coração que era transmitida através de meus olhares brilhantes, mas era tudo reflexo da minha estupidez e ingenuidade. Talvez eu seja apenas idiota ou inocente, sabe? Às vezes queria conseguir ser ou me cogitar tão vilão como qualquer um pode ser. Sinto-me ainda mais idiota e inocente. Quem sabe realmente se existe tanta diferença entre uma coisa e outra? O que me faz pensar que tenho o direito de melhorar algo como se eu fosse uma espécie de síndico chato querendo impor novas regras ao que está fadado a ser ruim. Ver o lado bom das pessoas é uma maldição quando você se percebe incapaz de ajudá-las. Ajudar, porém, pode ainda ser um trabalho ingrato quando você sente que estica o seu braço para alcançar o mundo inteiro, mas o mundo mal nota seus berros desesperados por auxílio. Quem nunca sentiu que fez muito e se sentiu sozinho? Neste processo de percepção, ignorado como tantas pessoas já foram, eu me fechei em mim e esperei por algum acontecimento cinematográfico para me sentir resgatado de um abismo sem fundo. Coisas ruins acontecem independentemente de como eu aja e me afetam. Não gasto os vídeos felizes da internet hoje, pois não quero tirar a graça deles. A alma pode ser fragilizada ou é o coração que adoece? Sinto uma espécie de veneno tentando me percorrer. Corto qualquer parte envenenada sem autocomiseração. Dispenso a companhia dos medíocres e a pena dos que se compadecem por coisas erradas. Eu nem cuspi para cima e o cuspe acertou a minha testa. Por quê? Procuro respostas. Às vezes busco o isolamento e me torno viajante de vários países sem sequer me mover. Penso em inglês para me fingir estrangeiro e até me visualizo gaijin no Japão. Repudio o fato de que prefiro não atuar em um planeta tão oscilante e circense. Todos possuem uma certa inclinação artística, ainda que nela ninguém pense. São poucos os que trabalham para desenvolvê-la. Ouço o sussurro da noite e o choro do vento traz até a minha janela a sombra pálida de uma alma triste. Não sinto pena. Sou tudo o que existe. A madrugada me chama e eu vou. Que cada um ache o que procura! 

     A padronização é ridícula e os padronizados mais ridículos ainda e os que se pensam superiores se igualam na opinião preconceituosa do que se desconfia, mas não se conhece. Eu que conheço sei o suficiente para me manter distante e opto pelo silêncio confortável de quem não possui a pressa de opinar em algo desnecessário. Por um instante queria não ser tão sensato e xingar todos os que se posicionam de maneira descuidada, pois oferecem oportunidades aos verdadeiramente cruéis de existirem por cima. Não, vocês não entendem. Urge em mim um senso de justiça, uma espécie de dever para com uma espécie de lealdade não direcionada. Lealdade à quem, eu me indago e falho em encontrar respostas. Ninguém se importa realmente com muitas coisas.  A realidade é tão assustadora que buscamos amores ao longe. Não há quem nos compreenda ou nos faça feliz na nossa própria cidade e desconheço razão para agir com simpatia sendo que nenhuma dessas pessoas jamais poderá me compreender em um nível intelectual ou emocional. Sinto pena de quem pensa assim, mas uma ou outra vez eu ri. Também posso de quando em quando ser suficientemente inseguro até o ponto de crer que tudo vai dar errado. Pessoas tão absolutas e cheias de si se prostram de joelhos para pessoas mais fracas em nome do amor ou de qualquer coisa parecida com isso. Disso não ouso rir. Quando a percepção alcança a nossa sensibilidade algumas das piadas amargam. O único amargo que tenho admitido é o do café e do chocolate que tanto gosto, mas no último mês me faltou dinheiro e idas ao shopping para que comesse os chocolates. Por um instante odeio todas essas manias e maneiras e maneirismos que me pertencem e que de forma inequívoca me compõe. Uma convicção lúgubre e indelével se deita em minha mente e me vejo paralisado por ser apenas quem eu sou, pois desejei neste instante ser diferente e ter outros sonhos e desejos ou apenas a vontade absoluta de não ter absolutamente vontade nenhuma. Sou incapaz até da vontade de não ter vontades. Entristeço-me. 

     Chego em casa e recebo a alegria dos verdadeiros donos do meu coração. Tenho vivido para fazer companhia aos meus bichos nas oportunidades que eu tenho? Se o sim fosse convicto, eu afirmaria que é uma vida não desperdiçada, mas duvido de mim. Faço comparações absurdas para me sentir  mais dentro de algum lugar. Tento me mover para qualquer lugar longe de mim. Às vezes é difícil. Quando não posso tratar meus incômodos e nem assustar esses fantasmas que me aterrorizam, revolvo-me, inclino-me mais para dentro e longe de tudo. Já que ser outra pessoa não é opção para gente como eu, desejo apenas não ser encontrado. Sumam! Parem de falar comigo! Não, eu não espero que alguém como você entenda. Desde que o gato chegou o cachorro foi esquecido e quem é que nota? Conheço suas teorias banais e discordo de todas elas. Francamente? Essa conversa de não sei se sei o que sei e qualquer idiotice como não sei o que eu quero você pode fazer o que bem quiser. Senti ontem a falta de ter um confidente... Matei o tempo para outra coisa qualquer não conseguir me matar. Sinto falta de alguém que possa guardar segredos e confiar o fardo pesado que é segurar todo o meu coração. Não sei como me fiz assim, mas no último degelo das minhas emoções, transformei-me em algo quase sublime. O meu coração enternecido faz expulsar trevas alheias, ainda que às vezes o escuro se incline sobre o corpo já tão cansado. Façam o que quiserem, sussurro para os demônios que me cercam. Se for preciso abraço toda essa dor e escolho esse tortuoso caminho. É melhor ser ferido e passar por tudo isso sozinho. O meu desgaste aparece nas olheiras. Em breve chegará o tempo da colheita. Sorrio aliviado, mas não me sinto feliz. Por que tudo soa tão errado se estou vivendo como sempre quis?

     Foi só um dia ruim e um instante de loucura de fim de mundo. O que fica e vale é como a gente se acha no estágio final do começo de tudo? Tanto faz. Sinto fome e a vontade de comer faz com que eu me sinta vivo novamente. Aquele momento de desejar não desejar já passou. Vivo por mim e por onde passo deixo meu amor. Espero um dia poder ter alcançar. Você diz que não, mas nós dois bem que poderíamos ser um par. 

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