segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Aguente firme

     Aguente firme

     A chama está acesa. A vela queima noite adentro e você se fecha em um silêncio, mas deveria mesmo se fechar? Talvez. Faz o que acha certo e tudo bem. Você odeia pessoas que nunca conheceu e nem faz questão de combater esse instinto de violência insensata. Você ama destruir quem te ama, mas odeia destruir o que te mata. Você simplesmente não está pronta para ser feliz, é o que diz. Bom, isso não passa de besteira, mas eu sei que é mesmo o que você fala por aí. Como se a felicidade fosse fruto de mero merecimento e certas pessoas não a merecessem, principalmente você. Esquece-se de que todo mundo hora ou outra sai do trilho, mas se alegra em apagar o brilho de quem gostaria de te fazer brilhar. Você não dá uma chance para ninguém novo, pois as novidades te desapontaram. Você também se condena de maneira excessivamente grave pelos erros que cometeu fazendo parecer que ninguém mais erra. As coisas que te amam permanecem ali, mas você não é capaz de aceitar que outras coisas bastantes específicas se quebraram e não possuem qualquer conserto. No fundo está consciente, mas refuta a sua convicção. Certas pessoas se foram e certos sentimentos jamais vão renascer. Eles se foram. Eles se foram para sempre, entendeu? E você não quer dica ou conselhos de ninguém mais. A gente aprende no tempo que precisa para aprender. A gente aprende quando está pronto para querer. Ontem mesmo você que se diz calma foi tão arrogante. Atacou em um surto de raiva intolerante exatamente como se você... Como se você fosse melhor do que o restante. Acha que pode atacar sempre, pois ninguém entende sua dor, mas desconsidera a dor alheia, pois a chama no seu peito ainda se incendeia e você odeia o escuro, mas a vela ainda está acesa. As coisas continuam enquanto o fogo queima. 

     Machuquei meus dedos no ônibus. Os ombros e os joelhos e o pescoço também. Sabe como a vida é estreita para as pessoas altas? Não havia como dormir. O desconforto não é só nas poltronas apertadas. Nós batemos muito a cabeça e quase derrubamos o teto do elevador, se decidimos nos espreguiçar descuidadamente, mas nós alcançamos a mala que jaz em cima do armário e o pote de mel no alto. Machuquei meus dedos no ônibus e estou cansado de escrever para desconhecidos que se ferem o tempo todo acreditando que na vida nunca há nada novo, mas aqui estou escrevendo e deixando doer. Se os dedos piorarem quer dizer que pioraram. A dor dói, mas e daí? Dói para todo mundo e é preciso seguir. Dói dói, mas e daí? Eu sei, eu sei, eu sei. Eu digo que me cansei, mas ouviria sua voz a noite inteira, ainda que ainda nem te conheça direito. Você é singular e tem um jeito só seu de fazer do seu jeito. Mesmo depois que me superei, às vezes, entrego-me às bebedeiras. Razões? Motivos? Se tudo o que há por aí é permitido, por que não aproveitar? E a dor continua doendo e as pessoas em volta vão se mudando e se desenvolvendo e você se sente parada, mas cresce, não? O quão alto preciso gritar para que minha voz alcance seu coração? Ser alto não basta. Andei tomando foras de pessoas quais nunca nem flertei e ri da inutilidade disso. Rejeições impossíveis! Andei conquistando corações quais nunca nem tentei. Segredos indizíveis! Andei vivendo de sonhos que nunca sonhei e num intervalo entre uma tristeza e outra, a gente se regozija com uma alegria repentina. Felicidade é a lufada de vento que dissipa a neblina. Mas você aí segue só e se martiriza. Escolheu não gostar de quem não gosta apenas pelo medo de se sentir vulnerável. Deseja se manter segura. Quem é que consegue algo dentro da própria zona de conforto? Quem é que está vivo sem o risco de ser morto? Quem é que evolui sem se sentir absolutamente exposto? Nem tudo o que é belo perdura e até o que perdura acaba. Vivemos a Vida, chamamos pessoas pelo Nome e um dia retornamos ao Nada. Não há divindade que nos proteja da morte. Não há ninguém, exceto você, que determine sua sorte, mas ainda dói, não é? 

     Você se recusa a dar chances e maximiza tudo o que dói. A chama continua acesa e você não quer saber. É perita em se esconder. Prefere sempre o que demora. Viveu três dias dentro de uma hora encarando os monstros terríveis e selvagens lá fora. O sofrimento te sufoca e o causador nem mesmo nota. Você se recolhe. Revolve-se para dentro como se fosse solução. Acha que pode esconder a dor que ensombrece o coração. Não há abrigo. Você não é mais rápida do que seus problemas. A noite surgiu na tarde e você não desvendou o dilema. O cinza brotou na manhã e você aí ainda mais poluída que essa crise toda. Tudo te alcança, mas nada impede que você corra ou tente correr, mas tropeça no chão e cai. Demora até sentir a dor da queda. A chama continua acesa, mas falha agora sua tão confiável destreza. Você fraqueja em reconhecer sutilezas. Ergue-se como um tipo raro de princesa. Não é nada frágil. Quem ousar testar sua ferocidade vai acabar ferido. Sua armadura é uma notável aspereza e você ataca tudo o que não pode suportar. E você também não se suporta. É o que uma voz te sussurra baixinho. Qualquer que seja o caminho há a possibilidade de falhar. 

     Você chora e sua alma agora é escura. A tristeza quando ataca é ininterrupta. Os finais ocorrem de maneira abrupta e você nunca mais encontrou o seu lugar. Mas se a vela ainda queima e a chama continua acesa quem é que pode dizer que acabou? Você não é um fracasso. Só bateu na sua porta esse pesado cansaço. É difícil matar velhos hábitos. Lembro-me de quando sempre preparava café para dois e subitamente só havia eu e mais ninguém. Por muito tempo olhei para a segunda xícara contemplativo, esperando um milagre. Não. Para dizer a verdade, eu esperei o impossível e sabia que não aconteceria. Essa é a tragédia de quem se acostuma com a poesia. Adiar finais inevitáveis... Notei depois que poderia beber os cafés das duas xícaras sozinho. Mais para frente percebi ainda que poderia servir toda aquela quantidade de café somente para mim. Se aguento tinta, como não aguentaria tomar dois litros de café? Sou forte, repito e espero que você aprenda esse mantra. Tudo bem essa sensação de abandono (agora). Entregue-se ao confortável sono apenas neste instante, porém, levante-se amanhã. Cedo ou tarde você notará que a sua própria companhia é muito valiosa. A vela continuará queimando. Queimará com ela o medo e o parte do passado que já não importa. Algo vai ficar, mas quando a noite se findar, a chama vai morrer e o sol vai nascer novamente... ainda que ele possa ter contornos esquisitos e cores novas e exageradamente vermelhas. Você vai perceber que se ateve de maneira imprudente, debruçando-se em coisas desnecessárias. Tenha um pouco mais de iniciativa. Há amanhãs por enquanto, mas não desperdice seu tempo. Tudo, enfim, recomeça. Este é o seu momento.

     Aguente firme.

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