quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Quem um dia vai se lembrar de mim?

     Aguardo a chuva há semanas. O céu permanece com tonalidades plúmbeas. Nuvens se movem, mas nada nunca muda ou realmente acontece. Muda? Acontece? Aconteço? Permaneço o mesmo. Tudo permanece irritantemente igual. Talvez eu esteja esperando algo que nunca venha. Talvez venha ainda. São muitas variáveis para alguém que gosta da eficácia numérica da exatidão. Veio o sono e dormi, mas não acordei em minha cama. Nem sabia qual quarto era ou qual dia da semana. Aqueles pôsteres certamente não eram meus. Nunca havia visto os artistas e nem assistido os filmes em referência. Senti-me incauto e inculto. Fechei os olhos. Era melhor fugir para outro sonho. Então estava eu ali em uma despedida. Pensei que choraria pela perda daqueles que partiam, mas me vi partindo. Partindo como quem se quebra em vários pedaços, mas principalmente como quem vai e nunca volta. Pessoas lúgubres circulavam. Aproximavam-se, abraçavam-me e saíam. Isso aconteceu por aproximadamente oito minutos. Imaginem quanta gente, bem lá no fundo, realmente se importava? Eu nem fazia ideia. Estarrecido para dizer o que pensava, eu me calei. Todos que ali observavam minha partida tinham sentimentos por mim. É estranho contar isso, pois como um sonho pode puxar tantas nuances da realidade? Para ser sincero eu nem sei se pode e se soubesse nem sei dizer se o meu conhecimento seria suficiente para embasar algo tornando-o concreto. Nós gostamos tanto da solidez e da segurança, mas depositamos a esperança em fantoches malditos que se preocupam sempre com o próprio rabo. Parece que a água que se faz cada vez mais difícil de cair do céu. Não há apelo para santos das chuvas ou deuses das tempestades. O vento venta. A brisa ululante balança seus cabelos no inacreditável escuro. Como se não bastasse o inferno singular e a prisão da mente, mergulhamos fundo, inacreditavelmente fundo, para concluir que morreremos antes por nossas tragédias pessoais do que pelas tragédias mundanas. O céu permanece cinza, cor de chumbo e talvez seja mais fácil despencar chumbo do céu do que água. Os finais não se apressam, mas querem nos proibir de recomeçar. Tudo se enche de poeira. O céu abraça a poluição e aumenta essa crise. Alguém realmente pode nos proibir?

     Euforia pressentida de um futuro incerto. Viver é apreciar a solidão em um deserto? 

     Por quantas metáforas devo caminhar até que meus olhos só vejam poesia? Quem é que dissipa a neblina e traz a luz do dia? Vemos o que podemos ver ou o que escolhemos ver? Vemos além da fumaça de tragédia e caos? Alguns pecados simples recebem longas sentenças e algumas atrocidades direcionadas são rapidamente perdoadas. Merecemos esse tipo de inconstância humana ou alegamos nossa humanidade como escudo necessário para nos defender quando nos sentimos demasiadamente agredidos e apavorados? É fácil alegar e não cumprir. É fácil pedir por simpatia sendo incapaz de sorrir. É fácil dizer e dar de ombros, como se tudo (ou nada), nunca fosse uma questão significativa para você. Não, eu não sou superficial assim e nem ninguém. As maldades impelem a fazer mais maldades. A bondade adoça a boca. Tudo é viciante, embora isso nunca signifique que os bons não possam ser perniciosos e nem que os maus não possam ser bons. Quando ando por aí, eu às vezes apenas ando por aí. Passo e outro passo e outro passo. Olho para as pessoas e olho para como me olham. Não me interesso inicialmente pelo carinho que me dedicam ou deixam de dedicar. Há os naturalmente amáveis e afáveis e os naturalmente desconfiados e distantes. Somos esses bichos irracionais que decidem com presunção não gostar de gente que nem se conhece. É preferível se isolar. Intimido alguns, em primeira impressão, mas decidi que não poderia e nem deveria me esconder para evitar o que não deveria querer evitar. Meu irmão mais novo raras vezes se faz claro, mas me aconselhou com sabedoria sobre calma e intimidação. Foi um conselho direto no coração. O meu problema é que não atuo e me aturo. Escolhe ser quem eu sou, cônscio da decisão, nocivo da responsabilidade que é carregar a obrigação de ser. Sou excessivamente severo comigo. Há erros que não me permito cometer. 

     Intervalo. 

     A constância não existe. A inconstância é a lei. Fazemos intercessões exageradas em nós mesmos, quando tudo parece bom ou ruim demais para ser verdade. Falta iniciativa. Reclamamos. Falta clareza. Reclamamos. Falta amor. Suplicamos. Arrastamos-nos por quem não nos deseja. Qualquer momento de tristeza latente ou felicidade sublime não é tolerada por muito tempo consecutivo. Acostumamos facilmente a ter menos do que merecemos. 

     Recordo-me novamente da minha despedida. Eu apenas me mudava de cidade ou dizia adeus à vida? Pessoas choraram e eu provavelmente também chorei, embora não seja muito das lágrimas. Talvez essa seja a ilusão na qual me encaixo. A ausência na vida de quem não se acostumaria com uma vida sem a minha presença. Sou todo barulho para os que me cercam, todo dragão. Já mandei melhores amigos para a puta que o pariu quando perderam a noção. Nunca deixei o coração de lado, mas agi com razão. Quem conquista minha amizade nunca a perde. Não deixo pessoas para trás, ainda que um dia tenha sido deixado. A sina de quem quer mudar o que não se muda é não revidar da mesma forma qual foi atacado. 

     Algumas madrugas me abraçaram e gelaram meus ossos. As lágrimas se recusaram a escorrer. Dirigi por ruas vazias. Saí despido em noites frias esperando sofrer. Um sopro fétido me tornou convicto sobre um inevitável mau agouro. Tudo se perde. Nada é duradouro. 

     Não tenho medo do escuro, mas deixei a televisão ligada por garantia. Encaro filmes de terror, mas nunca antes de dormir. Enfrento demônios por meus amigos, mas sinto que a qualquer dia vou cair. Já fui afagado por um fantasma no passado. Eu não tenho dúvidas de que eles realmente existem. Há existências além da Existência e há pensamentos que cruzam dimensões. Será que meu Amor ficou perdido no Reino dos Corações? Meus pelos se eriçam e me assusto. É noite lá fora, mas minha alma permanece no lusco-fusco. Qual é o custo para continuar assim? Se eu me esquecer, quem um dia vai se lembrar de mim? 

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