Dirigi meu carro branco
do modelo você sabe qual
Em um tempo você não sabe quando
Num universo nem eu sei onde
As vias eram de mãos quádruplas, mas
os faróis amarelados de meu carro
eram as únicas luzes na escuridão
Onde estavam os motoristas e passageiros?
Onde estavam os determinados caminhoneiros?
Dirigi e escutei algumas novas e velhas músicas
Algumas você sabe quais, outras nunca conheceu
Você duvida, mas eu posso ser surpreendente
Vá se ferrar, eu penso e
concluo que o pensamento é errado
Alimento-me com amendoins torrados
e algumas memórias que me ferem
Não deveria ter exagerado, pois
os dois alimentos irritam a minha pele
Coço o meu cabelo e continuo
com meus olhos vidrados na pista
Você não vem hoje, meu bem
Você me fez ontem, refém,
Desista, pare, faça o retorno,
Os sinais estão todos espalhados
Um relâmpago ilumina o céu
Eu sempre quente me mantenho morno
Choro e gargalho, pois vejo além,
Transformo ouro em frases no papel
Eu disse que vejo além, notou?
Não preciso das suas migalhas de amor
Não como um dia eu precisei
As coisas mudaram, exceto o meu carro
Quem sabe em outros tempos?
Soube que eu gostei de outras duas?
Você amou um, mas e daí?
Sou ainda o seu rapaz da rua com o nome de motel?
As secretárias dos médicos fazem caretas
E em voz alta entoam seus revezes
Eu me mudei de casa sete vezes
Aprendi o sotaque dos ingleses
Troquei de pele até que a carne antes macia
fosse então dura como uma couraça
Tudo que antes existia: fumaça
Sou ainda o que fui um dia
Em algum tempo sei lá quando
Em algum lugar sei lá onde
Até o dia em que não serei mais
Esse dia é hoje e foi ontem
Provavelmente agora
Certamente nunca
Percebo-me e me sinto vazio
Quantas bocas preciso beijar
até que passe esse frio?
Eu me tornei quem eu não era
A invernia com maquiagem de primavera
O pacifista intelectual que sempre pondera
Quando deveria partir para a ação
Ainda assim sou a presença que ninguém espera
Quando atiçado me transformo em fera
Bicho solto com instinto louco de destruição
Dirigi meu carro branco do modelo você sabe qual
Pisei no acelerador e me senti ágil, mas
paguei caro no pedágio para voltar ao tempo
na velocidade estável de 122km/h
na velocidade estável de 122km/h
Certas lembranças eram como aquaplanagem
para os pneus do meu carro
Outras com gosto de esperança
Faziam com que eu me atolasse
Cada vez mais fundo no barro
Metáforas desmedidas e esforços tão tortos
São necessárias as partidas para
enterrarmos os espaços mortos
Você não veio ontem, meu bem
Não vem hoje também
E eu não peguei os sinais da pista, sabe?
É a sina de quem possui bons olhos
Perde-se a ingenuidade e a candura
Perde-se o carinho e deforma-se a figura
Perde-se coisas que nunca imaginou apenas para
poder ganhar o que poucos poderiam ousar
Olha, quem vem chegando ao fim da esquina
É o pedaço quebrado ao peito apontado
Denomina-se sina
Os sinais trocam as cores
Na letargia e cegueira da vida
Você ainda não trocou seus amores
A felicidade está distante em outros países ou
você só finca os pés no chão como se fossem raízes?
Talvez seja a sina de quem sabe ler os sinais
Dar de ombros em um falso tanto faz
Sinalizar que ao final é tudo sobre sina
E que as sinas não impedem sequer um sinal
Tampouco nos impedem das mais trágicas rimas
A noite caiu dentro de mim e não há lua
Dirigi meu carro branco por uma estrada escura
As estrelas refulgiam alegremente no céu ou
seriam apenas postes disfarçando minha esperança?
Que se dane!
O que importa é a luminosidade
Ao longe vejo luzes de apartamentos numa cidade
Temperança, repito, soturno
Aos poucos perdia o meu medo da morte
Na estrada (eu) desempenhava o meu papel
O som do carro anunciava a minha sorte
Dirigi meu carro branco enquanto apaguei
os últimos resquícios seus em minha memória
Eu estou tão feliz, triste e aliviado, pois
com você ao lado jamais poderia iniciar outra história
Sou mais do que as partes que me formaram
É tempo de novos inícios já, certo?
Dirigi meu carro branco por novos caminhos
Assumindo completamente o risco de me perder (e tudo bem)
Ainda dirigia e pelo retrovisor me vi sorrir
Lembrei do conselho do gato de Lewis Carrol
Para quem não sabe para onde vai
Não importa qual direção seguir
Desde que não volte, acrescentei baixinho
Acelerei e cruzei a madrugada
Divagando por inéditas estradas
Pela primeira vez em muito tempo
Satisfeito completamente
Completamente sozinho.
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