quinta-feira, 29 de agosto de 2019

O problema comigo

     Bom, eu sei que o tempo passa e alguma hora tudo muda... Mas o que é que há de errado comigo? Por que é que me soam tão errados todos os domingos? Sabe bem o que eu tenho imaginado? Acordar cedo no domingo e andar pelo apartamento sozinho. Neste cenário é como era em Dourados. Absurdamente silencioso. Estranhamente rural ou qualquer coisa selvagem. Ando pelo apartamento, faço o meu café e preparo ovos mexidos. Sento no sofá para comer os ovos e tomar o café. Lá vou eu na manhã de domingo. Talvez uma mulher bem intencionada apareça atrás de mim alegando sentir a minha falta. Não. Ninguém bem intencionado diria isso. Meu corpo retesa por um momento e meu instinto é violento, mas toda a paisagem que me cerca é da mais absoluta paz. Qual é o problema comigo? O que é que se faz? Fui tão rápido para frente que eu mesmo fiquei para trás? 

     36, 42, 31.03.1992. Algo importante aconteceu em julho. Alguém importante morreu em maio. Alguma parte minha fica e eu continuo. Lá vou eu de novo. Olha lá longe! Veja-me bem mais uma vez! 17, 15, 10... Dê-me um feriado. Suma com os números. Mal conheço aquela voz, mas tenho sonhado com o rosto. Algo grande acontecerá nos últimos dias de agosto?

     O vento é gelado, mas não estou usando casaco. Desafio o frio. Se eu ficar doente é bom para que eu aprenda. Se eu não ficar doente é bom para que o vento veja que é preciso ser mais gelado para esfriar alguém que já se sente frio. Penso nas pessoas que estão longe e voltarão. Penso nas pessoas que estão longe e não voltarão. Penso ainda em animais que possuem um valor presencial superior ao de tantas pessoas. Foco-me nas pessoas e as vejo com uma nitidez absoluta. Olho seus defeitos, qualidades e posso até dizer o que as torna especiais. Fecho meus olhos por um instante, mas preciso abri-los. Passo tantas horas por dia trabalhando, olhando para a tela dos computadores, fazendo ligações, montando a folha de pagamento, analisando documentos e fazendo operações financeiras. Ah! Benditas sejam as operações financeiras. Como me agradam! São meticulosas e exigem minha atenção total. São esses números malditos e abençoados que me acompanham o dia todo. Estão tão presentes que graças aos bons deuses, eles aparecem inoportunamente e afastam tudo por algum tempo. Substituem a felicidade, mas também a dor. Todos os números me são estranhamente mágicos aqui. Distraem-me das novidades terríveis que chegam de longe. Uma tempestade se anuncia e sinto gosto de morte. Garoa lá fora e logo a noite se antecipa. Não quero testar minha sorte, mas um pernilongo me pica. Um marimbondo tenta beber o meu energético. Zanza no ar e tenta manobras arriscadas. Admiro-o. Beber energético vale o risco de morrer. Por qual motivo eu morreria? Desistência por conta da dor latente? Abafo o choro. Fecho os olhos. Os números me salvarão, pois não vejo mais rostos. Não tenho mais memórias. Há apenas números.  

     17, 2.332,09, 09/01/2019. O sistema caiu. Aqui ou no Brasil todo? Ein? Alô? 2.332,08. Sim. É. Refaça tudo. É novo procedimento. Exigência. Teremos que demitir. 2,35, não pode corrigir assim. Um centavo faz a diferença no sistema. Ligue. 1.221,01. Não pode viajar nessa semana. Nem na outra, mas talvez no feriado possa chegar uma hora atrasado. Ok. 1, 2, 932.000,00. Novecentos e trinta e dois mil reais. Não era esse o valor. Bem inferior, é. 1, 2, 4. É a rotina, certo? O ano todo. 

     Espero honestamente que nunca fiquem entre dinheiro e felicidade. É preciso ganhar dinheiro e crescer e qualquer um que se negue a caminhar para frente neste sentido é um idiota. É preciso ser feliz. Qualquer um que trabalhe mais de 11 horas por dia e não tenha tempo para sorrir é alienado e insatisfeito. Eu precisei voltar aqui, mas me cresce uma vontade irrefreável de partir de novo. A vida? A vida é apenas um jogo e os alheios sempre irão te perguntar... O que é que te prende aqui? Nada, eu espero. Penso na cidade de São Paulo com seus prédios enormes e ruas sujas e metrôs lotados e fumantes em cada esquina e me sinto estranhamente atraído. Uma das minhas vistas favoritas na curta passagem pela Europa era a da janela do hotel no décimo quarto andar de um Íbis em Amsterdam. Quando digo isso sempre imaginam a cidade holandesa florida e colorida, mas o que contemplava era um céu tristemente cinza, aparentando ser tão satisfeito em ser monocrômico quanto um monogâmico demonstra seu orgulho pela exclusividade no relacionamento. Estava em um andar alto, mas ao longe se destacava uma fábrica de qualquer coisa. Soprava uma fumaça branca tão linda que nem parecia poluente, como se nuvens estivessem sendo fabricadas. Queria permanecer cinza. Já se sentiu assim? A exaustão pesa no meu corpo e minha mente nunca se aquieta. Não sei me explicar, embora possa sentir. Um amigo me disse que vejo sempre a característica singular de cada um no primeiro momento e admirou-se com a minha perspicácia. Eu me rio. Talvez ele não esteja errado, mas faço questão de apenas estar por perto. Há tanta gente precisando de tanta coisa que talvez eu pudesse ajudar. Minto. Disse-me exausto e admito minha condição física. 

     Acho que cansei mesmo. Oscilação de humor, cansaço de alma, chuva que nunca chega. No peito um eco de fim de mundo. Convicto apenas de minhas dúvidas. Onde é que está isso que eu tanto procuro e nunca sei o que é? Devo me arremeter por novos caminhos e redescobrir a minha fé? Para onde é que vou? O problema comigo é nunca deixar de acreditar nessa bobagem de amor. 

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