segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Poesia em trânsito #1 - Catador de restos


Dirigi pelas ruas na madrugada
procurando seu rosto
Minha alma embriagada 
sorvia o seu velho gosto
Irônico que agora eu esteja
melancólico como nunca antes
Seu cheiro ainda é uma lembrança 
Adocicada, insensata e incômoda 
Pulo as músicas no carro
Esperando achar graça de algo 
Não evito por não querer
E chamo de inevitável
Vago pelas esquinas e vejo rostos sem contorno
Respiro fundo e medito sobre o preço
de finalmente ter o que mereço
Este é o ponto de não retorno 
Será que perderei até a minha sombra?
Passo pela frente da sua vizinhança
Voo com a minha mente criativa
até uma realidade alternativa
Onde tudo que um dia foi
Ainda não havia se perdido
As luzes dos faróis se parecem com estrelas
Aceno tentando entretê-las
Antes que a escuridão nos engula
Notas de uma tragédia anunciada
A história era para ser para sempre
Deveríamos ser um filme clichê e morno
Passando uma sensação de conforto
E aqui estamos no ponto de não retorno
Quis esmurrar o vidro do meu próprio carro
Quebrar a televisão e mergulhar em outra vida
O olho direito vislumbra um futuro glorioso
Ainda assim com um sabor desconfiado 
É tão bom alcançar o que queremos 
se perdemos tanto no caminho?
O olho esquerdo ainda enxerga
Apenas o que não pode ser alterado
Completamente vidrado no passado
Esperando uma ligação 
que nunca veio no dia certo
Esperando uma palavra de 
carinho dita de perto, mas
 só houve o insulto doloroso
Esperando reações menos bruscas
Suavizadas por uma ternura mais justa 
Raramente permito me focar no presente 
Sou o morador de rua de coração partido
Catando qualquer coisa para tapar 
o buraco do estômago e da alma
Juntando pertences que 
não sei se me pertencem 
para não admitir o meu vazio 
Lembro-me de que tudo 
costumava ser tão quente 
Agora meu mundo é frio 
Cônscio de que sou mais do que 
as partes que me formam
Evito pensar no que não quero dizer 
Assim decido que vou aguentar um dia após o outro
Ainda que torça para acordar deste pesadelo 
Intervalo doloroso, suspiro longo, 
Será que ainda vou aprender?
Tento não me alimentar dos poucos restos de você
Não gosto de mendigar, mas preciso sobreviver.

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