segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Prolixidade de Domingo

     Prolixidade da manhã de domingo. Tenho mais medo de acertar do que de errar. Desacreditam-me sempre desde que eu era novo. Creio em mim, mesmo sabendo que a probabilidade do fracasso é maior que a do sucesso e que a ridicularização é inevitável. Quão ridículos são, porém, os que zombam sem a coragem para ser exatamente o que são? Cônscio do funcionamento mecânico das pessoas, respiro fundo e me permito ser apenas quem sou. Brinquei sozinho durante quase toda a minha vida, mas nunca me senti assim tão só. Orno bem com a solidão. Faço solilóquios, recito-me, escrevo-me, escrevo-os. Imagino casais de mãos dadas por aí. Imagino casais com a pia cheia de louça, mas deitados de qualquer jeito, assistindo qualquer seriado de suspense e terror com os pratos sujos da janta ainda por perto. Os animais da casa esperam por uma chance de tentar pegar algo. Imagino tudo, vejo tudo e então sigo em frente. Eu talvez trocasse seriado pelos animes novos da temporada, mas só talvez. Reconheço-me. Apenas me interrompo para olhar mais detidamente quem é capaz de me intrigar. Não há tanta gente que aprecie ser singular. 



     Qualquer coisa sorrateira está por perto, mas não corro. Morri tantas vezes, mas agora não morro. Qualquer perigo se anuncia. Firmo meus pés no chão. Qualquer tiro de canhão disfarçado de poesia alveja meu coração. É tempo de amadurecer. Crescer é perceber que sonhos morrem. 


     Estereotipadores se confundem na hora de me estereotipar. Desconstruo-me em minha própria construção. Mergulho a realidade na minha própria ficção. Surpreendo-me com tanta gente singular que nega a característica que mais a torna especial, apenas no intuito de não alardear. E se os que me cercam se incomodarem com meu brilho? Bom, então eles não serão seus amigos. Todos nascemos para brilhar, ainda que isso não signifique que cada pessoa seja assim barulhenta. Não devemos nos ofuscar, mesmo que exista tanta gente ciumenta. Odeio ver um potencial desperdiçado. Intrometo-me, mas não tanto. Aprendemos individualmente. O reconhecimento chega em uma epifania. A transição precisa ser sentida. Fui e voltei muitas vezes como alguém que acha que travessias não cobrariam um preço. Sempre cobram. Agora é tarde. Quando notamos algo não podemos deixar de notar. Não existe processo inverso. 

     "Não há vergonha nesta caçada. A cobra quando troca de pele jamais volta a vesti-la", disse Kaa para Mowgli. Crescer é perceber que sonhos morrem. Amores também. 

     Confesso que troquei de pele e mudei. Já havia alcançado o ponto de não retorno. Dei de ombros e avancei com coragem. Não havia mais engano. Prometi que não seria mais covarde no final do último ano. Cumpro minhas promessas. Sofri com a aspereza sólida e real. Machuquei-me com lembranças pontiagudas até que elas se tornassem irrelevantes. Descobri da maneira mais dura que a realidade pura é que nada volta a ser como antes. Os dias continuavam tendo os mesmos nomes, mas perderam a identidade. Os caminhos nunca mais foram os mesmos. 

     Acostumei-me em sair nas noites dos finais de semana. Vi seguirem a profecia do poeta e destruírem o que mais amam. Crescer é perceber que sonhos morrem. Amores também. A constância não existe . A vida é como é e continua. 

     Fazemos intercessões exageradas em nós mesmos, intervenções emocionais, medidas drásticas, quando tudo parece bom ou ruim demais para ser verdade. Se falta iniciativa reclamamos. Se falta amor suplicamos. Arrastamos-nos por quem não nos deseja. Qualquer momento de tristeza latente ou felicidade sublime não é tolerado por muito tempo consecutivo. A consideração própria é pífia ou inexistente. 

     A única conclusão real é a de que receamos tanto não sermos bons o bastante que nos consideramos indignos. Acostumamos facilmente a termos menos do que merecemos dentro de um esquecimento propositado de que a felicidade existe para todos. A tristeza parece mais simples. O fundo do poço chama, mas você não precisa pular. A vida é dinâmica e tudo troca de lugar. Amadureceu, não? Sente que, enfim, cresceu? Pois crescer é perceber que sonhos morrem. Amorem também. Ainda assim é preciso sonhar e amar. É preciso saber a hora certa e acreditar em recomeços. Hoje me parece um dia adequado. O que você pensa?

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