quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Qualquer conto, qualquer coisa, qualquer dia...

     As histórias de amor começam, você precisa saber, nas improbabilidades. As coisas estão ali, quase sempre como foram, mas em um final de tarde de julho um sorriso qual você já tenha reparado quarenta e três vezes agora é especial. Olha, eu acho que não dá para a gente explicar, ainda que no peito exista uma espécie de instinto arrogante que acha que pode falar sobre tudo. Sabe, é que eu preciso realmente dizer, veja, eu honestamente nem sei se sei o que acho que sei, mas devo me fazer suficientemente entendido. Hoje basta. Inícios? Então contarei. Invariavelmente começa em um dia como qualquer outro, quente ou frio, com ou sem nuvens, com ou sem chuva, com ou sem algo alheio especificamente importante. 

      Qualquer conto começa com um começo. Qualquer coisa diferente marca o encontro. Olha, eu vou contar, pois não importa como um dia importou e dou de ombros. Francamente... Agora o meu destino é decidido por um dado de vinte faces ou por um deus com vinte mil faces, entende? Então, eu admito, como isso não me importa mais, eu vou falar a verdade. 

     Foi em um dia que disse que voltaria para a casa rápido. Era uma festa julina do último ano do colégio. Eu não estava temático, embora adorasse essa ambientação. Uma menina passou vendendo beijinhos e eu fiz a única brincadeira previsível e óbvia, ainda que àqueles tempos eu não soubesse elogiar direito. Ela sorriu como já havia sorrido por muitas vezes, mas naquele instante sorriu pra mim. Um sorriso só meu. É bobo, eu sei, você vai dizer que isso não existe, mas naquele momento eu soube que ela seria minha sem qualquer outra hipótese. O sorriso dela foi a morte das alternativas naquele ano.

     Agi. Confesso-lhes, agi mais rápido porque um bobalhão ainda mais amedrontado do que eu estava por perto, sondando-a, reparei, por um tempo considerável. Eu havia perdido oportunidades demais para resignar-me com mais uma derrota. Pelo menos lutaria a luta. Não seria cagão ou covarde. Até daria socos se fosse preciso, eu te jurei antes e insisto agora. Você bem aprenderia como eu posso ser insistente. 

     Conquistar-lhe, porém, não foi difícil. Você tinha uma paixão platônica pelo Inuyasha e conhecia uns outros poucos animes. Eu havia visto mais que o dobro dos seus, menos que o triplo, mas juntos assistimos mais uns tantos. E filmes. E séries. Dane-se. Nada disso era relevante. Você era ingênua também, como a gente aprende que ninguém tem o direito de ser por muito tempo em um mundo tão caótico. Eu te ensinei umas coisas. Você me ensinou tantas outras. Aprendemos e crescemos. 

     Hoje gaguejo pelas respostas honestas, aquelas absolutamente corretas. Flerto, de quando em quando, com uma precisão de lendários conquistadores e o faço sem mentiras, pontualmente e certeiro. Ouvi por aí que eu sempre sabia o que dizer. Quem dera fosse verdade. Nada adianta, pois ainda assim é difícil, sabe? Quando você não quer passar mais tempo com alguém e não sabe como pedir distância. Quando tenta fazer malabarismos para administrar a inconstância de gente imatura que já se considera grande o bastante. Você ficaria zangada, mas eu tenho gargalhado alto. Uma epifania à luz do dia me causa um sobressalto. Vê agora como somos diferentes? O desejo de uma vida inteira juntos é uma vulgaridade, mas por vezes a gente o sente. Uma vez, eu sei que um casal de araras se lembra, eu disse pela primeira vez na vida, no intervalo, antes de uma aula de história... Eu acho que eu amo você. Ainda que não existisse achismos. 

      Bom, eu não sei explicar. Eu era mais velho e você era mais nova. Você ainda teorizava amor, sempre desconfiada, eu ali sua prova. E aí em um dia que eu estava vestido de vermelho e preto e você estava vestida de exuberância, eu te conquistei e você me amou. Simples assim. Amor recíproco é algo sobre o qual muitos falam, mas poucos viveram. Vivemos, mas não diferente de tantos outros, morremos. Fomos jovens e aí envelhecemos. Tivemos nossa fase animada e um dia desanimamos. Você primeiro. Eu depois. Se o amor acaba? O nosso acabou. 

     O amor também se esgota, você sabe, eu sei e quem ainda não sabe um dia vai saber. Foi no casamento do príncipe Harry que, enfim, tive certeza. Eternidades se despedaçam em uma noite qualquer de maio ou outro mês com os planetas retrógrados ou avançados. O destino deus-menino caga na sua cabeça e você chora. Certas coisas não deveriam acabar, não é? Injustiça divina ou qualquer coisa menos vulgar do que a culpa. Não merecíamos melhor sorte? Certas coisas realmente deveriam acabar?

     Mas acabam e meses atrás notei que acabam apenas porque precisam. E aí alguns novos amores chegam mais rápido, outros demoram tanto que a respiração pesa e você se pega imaginando se haverá outros. Eu ainda não posso provar, bom, mas eu ainda acredito que haverá novos amores. A gente cresce em uma noite de choro em outubro depois de trinta dias sem ver um rosto conhecido. A gente cresce depois de se perceber sozinho e olhar a tempestade e chorar com um relâmpago e malhar bíceps até o bíceps estourar e a luz do prédio acabar depois de um dia de catorze horas de trabalho. É na ponta extrema do sofrimento que a gente jura que daqui para frente ninguém me usa, mesmo que lá no âmago se saiba que nenhuma maldade foi direcionada. Mas é nesse ponto que a gente muda. Vira algo novo, processo irreversível e aí nunca mais pode ser a versão antiga. Qualquer passo para trás é um caminho para abrir sua maior ferida.  

     Outras pessoas "nasceram em mim" na ausência das pessoas que se faziam presentes em outros tempos. Fui em bares de esquina que estranhamente soavam mais como meus e eu do que quaisquer outros lugares. Bebi cerveja, catuaba e mais cerveja porque detesto catuaba. Embriaguei-me e conversei com pessoas. Beijei outras bocas e por ínfimos momentos, eu vivi qualquer outro conto em qualquer outro dia com qualquer outra pessoa. Protagonizando-me, estreando-me, oferecendo a mim uma chance de ser quem eu nunca tive vergonha de ser. É engraçado, sabe? A recordação dos nomes dos bichos alheios. Bebi cerveja, caçoei do amor, embriaguei-me de novo, sabe? Dificilmente saberia, mas espero que entenda. Fui o que era e segui em frente como podia seguir. 

     Eu me tornei triste, não, você não entende, não aquele sujeito de momentos tristes e pulos em piscinas rasas de sentimento, não, bobagem, você não entende, eu personifiquei a melancolia e me escondi, pois havia um medo irrefreável daquilo dito como novo. Eu era lúgubre, sombra pálida de existência, resquício da integralidade que deveria me integrar. Oito vezes mais triste do que essa tristeza que você consegue imaginar, sabe? Não!Aí sofri, não como um cão abandonado, porque a gente vê por aí que alguns mendigos protegem os cães de rua, porém, não havia ninguém para me proteger. Até ouvia os estranhos falando muito de si mesmos e balançava a cabeça, Uhum-Aham-Uhum-Aham, Daniel, sim, não, você não fala muito, não, você não fala pouco, não, você pode ficar, não, você pode ir, Uhum-Aham-Uhum-Aham.

      Veja, perdi-me, assim, não me reconhecia. A minha cama não parecia tão minha e nem meu rosto tão meu, mas ali eu ia, como alguém que sabe que já perdeu. Erguia-me, porém, hesitante. A gente cresce andando pra frente e eu cresci. Talvez você não veja, mas entre essas tantas cervejas, eu pensava, porra, como eu pensava. Era meu jeito de ser meu e fazer tudo. Sempre trabalhando, sempre indo, sempre voltando, mas distante daquela maldita ideia de amor. O amor é lindo, mas é puramente idiota. Aham-Uhum-Aham, claro, sim, claro, não, desculpa. Posso te chamar de outro jeito? Bom, eu não vejo problemas. Talvez você possa.

     As histórias de amor terminam, você precisa saber, nas obviedades. Antecipei o eu te amo por saber que era inevitável te amar. Transformei um adeus definitivo em adeus por enquanto por ver com antecedência que você queria me deixar. Fomos bons um para o outro, tanto antes e agora tão pouco. Não mais do que se espera, na verdade, esperava-se nada ou qualquer coisa assim. O respeito fica sim, pois nesse mundo, depois do amor, respeito é o que há de mais difícil. Não fosse assim e não seríamos como fomos até não sermos. Um dia, uma noite, uma promessa que desaparece. Menos que muito, quase tanto quanto quase o suficiente. Sem retorno, memória perfeita que um dia se esquece. Definitivo. Fim.

     Será que tudo seria diferente se o príncipe Harry não se casasse? Será que seria menos pungente se eu não odiasse quem você queria que eu amasse? Britânicos fodidos e seus sotaques maravilhosos. Cheguei a pensar que a culpa era daquele inglês real merdinha. Prefiro assistir futebol do que lidar com a realeza ou com a velha rainha. Gargalho com a lembrança repleta de beleza. Tudo é como deve ser. Não hesito. Tudo é como deve ser. 

     Conheci muita gente, aprendi muita coisa, mas não reaprendi direito o amor ou aprendi de um jeito novo que talvez nem seja amor na maioria das conjecturas. Penso errado, ajo certo ou o inverso disso ou qualquer coisa parecida com isso ou quem sabe ainda nada disso, mas tudo bem. Repito isso com frequência. Tudo que acaba acabou. Perdi minha coroa na juventude, mas cresci quando um sonho estranho pressagiou: morra ou mude. 

     Mudei quatrocentas vezes em quatrocentos dias. Sou o Zâmbia de sempre, mas Tedlim August e Dr. Poesia. Vê bem isso tudo? Como eu tenho me alimentado de novos mundos?

     As histórias, sejam de amores no início ou no fim, você precisa saber, acontecem em um dia comum. Você vai acordar e vai pular o café da manhã. Talvez não encontre um par de meias e use uma de cada cor. Talvez você bata o dedinho do pé, quebre a unha e exploda em dor. Aí algo vai acontecer. Pode ser inusitado ou pode ter acontecido cento e trinta e duas vezes. Uma vontade de viver igual gente grande, andar de mãos dadas ou de compartilhar o silêncio. Uma distância de quem se entende. Uma proximidade de quem quer se precisar. Eco de felicidade. Amor.

     Você faz por você mesmo. As histórias, eu juro, começam e recomeçam infinitamente. Começam em uma noite despretensiosa com olhares que se cruzam pela primeira vez, com um cachorro tarado aqui, alguém que use gírias dos anos 50 ali, de repente outro alguém nocivamente cônscio da sua capacidade de seduzir e com o charme da independência. Talvez sua nova história seja escrita em um país distante. Talvez na mesma cidade que antes. Talvez o amor viva perto e você seja tolo de atribuir a sua miséria à sua cidade. A gente se impulsiona e se limita, mas nunca verdadeiramente acredita e despreza o que é diferente do que a gente queria. Esquecemo-nos que amanhã é qualquer conto, qualquer coisa, qualquer outro novo dia. 

     As histórias novas, você precisa saber, aguardam apenas por uma nova iniciativa. Sinto como se finalmente estivesse pronto outra vez. 

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