domingo, 15 de setembro de 2019

Necessidade

     Então foi assim que aconteceu ou mais ou menos assim, pois confesso que me distraí com tudo o que era distração. Eu presto a atenção em tudo, sabe? Por isso cada fracasso dói dobrado. Vejo-me depois com a lucidez de alguém que não se esquece de que um dia morrerá, pois há tanta gente que se esquece, viu? Os fracassos, porém, viram memória. O meu coração é mais forte que o vidro e mais duro que o aço e o resto é história. São essas partes que nos formam, vê? Nunca foi sobre isso. A história que eu ia contar foi sobre quando entrei em um bar. 

     Dois estranhos entram em um bar. Cerveja aqui. Gin lá. Ela se anuncia tão rapidamente, mas é cautelosa. Não sente medo, mas desconfia bastante. Eu rio e sorrio de um jeito constante. Estou feliz por estar aqui. A minha missão hoje é conhecê-la, bem, talvez eu já queira beijá-la. Controlo-me, pois eu realmente desejo saber sobre ela. Há uma coisa especialmente interessante em quem sabe falar e sabe ser escutado. E ela fala e me escuta. Eu não conheço o jeito dela, mas ela ri do meu sotaque e acha bonitinho o meu jeito de falar. Sei que ela me achou bonito, mas vai evitar dizer. Ela sabe que é muito bonita também e a independência a torna dona de si. Esse é o tipo de mulher qual eu realmente costumo me interessar. 

     Papo vai e continua. Ali fora estranhos cochicham segredos na rua. Homens dormem nas calçadas próximas. A sensibilidade não alcança nada agora, pois somos eu e ela, derramando nós mesmos em flertes discretamente belos como o sol poente. Ninguém mente. Pelo menos é o que meu instinto diz. Ela vai devagar, mas percebo que ela se sente feliz. A noite é abrangente e a gente se distrai com a inquietação que se sente. Ninguém se emociona, mas eu diminuo distâncias e espero. Não tenho o hábito de ser muito rápido, mas tampouco sou lento demais. Temo tropeçar nos meus ritmos, mas ela continua sorrindo e brincando e eu falo de mim e ela dela e ela quer saber e eu também e nada mais importa, pois o que deveria importar? Somos dois estranhos nos conhecendo, vê? Sou também parte dela e ela parte minha, cada espaço em branco é um espaço de nós mesmos que estamos preenchendo. Estranhamente mal existimos, persistimos, porém, contra tudo o que se finda. Somos qualquer expectativa de nada presa especialmente em um futuro que promete durar mais duas ou três horas, mas eu acordo cedo e você mais cedo ainda. Toda demonstração de algo deve ser cega, pois então se importaria se eu te chamasse linda, ainda que isso seja brega? O relógio se acelera. Precisamos ir. Tenho que resolver minhas coisas e você precisa resolver os seus problemas, mas ei, eu juro, eu seria inconsequente como um menino se as coisas não acabassem assim. Você se intitulando destino e me pedindo para que te seguisse para uma noite sem fim.

     A vida se apressou e eu achei que não fosse mais te ver. Da primeira vez estava errado. Acho que posso estar errado da segunda, mas eu poderia dizer que adoraria te reencontrar. Você percebe os detalhes? Pois eu te conheceria novo se não te conhecesse. Faça suas piadas e ria de mim. Hoje as luzes dos vizinhos estão acesas e nada apressa o fim. Do dia, da vida, do que há para ser finalizado. Mal tenho respirado. Puxo o ar quando lembro, lento, às vezes quase sufocado em mim. De que adianta viver em um mundo tão louco assim? Eu bebo a última cerveja e me maravilho no gole e nos olhos e no sabor daquele sorriso. Amanhã o mundo me espera, mas hoje ela é tudo o que eu preciso.
 
 



Nenhum comentário:

Postar um comentário