domingo, 22 de setembro de 2019

Palavra que não encerram nada - Noite de domingo

     Medos que não sinto ultimamente estão me mantendo acordado. 

     Há um rato no porão, mas não há porão no apartamento. Há algo que incomoda meu coração, mas só me alegro com o que sinto por dentro. O copo de leite gelado está em cima do livro do Wilde e mudo o copo de lugar para nostalgicamente abrir o livro e ler a dedicatória. 

     Em um mundo cheio de Dorian Gray's é um prazer encontrar pessoas como você. Prazer maior é ainda poder te chamar de amigo. 

     Sorrio. O que mais posso fazer? O domingo foi marcado por jogos ruins de futebol, vento gelado, dia ligeiramente cinza, afagos em bichos que sentiram minha ausência. Se um dia eu me for, será que eles vão me esperar com todo esse amor e essa paciência? 

     Creio que sim. Debruço-me na janela para sentir melhor a brisa e observar os transeuntes. É tudo mais vazio aos domingos, embora nos horários de missas tudo mude. Quase toda refeição do meu dia foi insossa. Seria eu o responsável por não sentir o verdadeiro gosto da comida? 

     Tenho pensado excessivamente. Será que eu não superestimei algo por ter medo de perder o pouco do novo que havia de repente? Será que não escolhi fechar meus olhos para algumas falhas graves e conexões repletas de desconexões apenas por ter encontrado pessoas maduras e independentes numa cidade repleta de adultos juvenis e jovens ainda mais pueris? 

     Creio que exista a possibilidade. Há um garoto em um porta-retratos ao lado do teclado qual agora digito. A confiança é um prato que se come frio, é uma frase que eu inventei e o menino gelado ouviu, mas tampouco sei se realmente acredito.

     Vejo sonhos coloridos nos olhos vidrados dos peixes mortos. Espaços brancos a serem preenchidos com a oração dos nossos corpos. Deixo-te para não me deixar. Deito-me para que possa me distanciar. O sono marca a passagem do tempo. Doí agora, mas quem sabe como será no próximo momento?

     Há um evento. Ensaio a minha cegueira para não ver o que não desejaria ver. Não me atuo, mas vejo essa gente viciada em criar personagens prevalecer. O mundo não é justo, eu ouço alguém gritar e sinto o grito se espalhar e sumir. O mundo não é justo, mas e daí?

     O domingo vai se encerrar e eu já deveria estar dormindo. Amanhã acordo cedo para fazer o que se deve e trabalhar como posso. Espero que meu computador não me abandone. Não estou pronto para viver sem ele, mas até que tenho me acostumado a viver com centenas de coisas quais achei que nunca mais poderia viver sem. Tenho até, admito, orgulhado-me de uma ou outra poesia. 

     O amor verdadeiro é insensato e demonstrações não se exigem. A insistência no absolutamente forçado vai te causar uma forte vertigem. Ouça só a notícia boa que chega. É o trem cruzando o apartamento novo como acontecia em um antigo mundo que se esquecera de toda a gente e foi reciprocamente esquecido. Custa-me crer na morte de um velho amigo. 

     A velhice é incômoda e triste. A gente prolonga a vida e numa insistência cega e tola persiste. Há uns tantos por aí derramando arrogância, outros tantos dormindo e perdendo a vida no sono, não sabendo o quanto estão decretando o próprio abandono. Os velhos querem ser mais novos. Os novos querem ser mais velhos. Eu só tenho o desejo de ser eu mesmo. 

     Bebês nascem aqui e muito mais ao sul. A minha cor favorita é vermelho e a sua cor favorita é azul. Não combinamos, sim, eu sei, mas de tanto descombinar com quem combino, eu assino minha condição de risco e me aproximo. Será que você vai me amar e me matar? Será que sou eu destinado a me transformar numa espécie de assassino?

     Não, pois é impossível. Todo assassino mata e eu só consigo me ferir. Você acha que não pode, mas cá estou de novo a me devenir. Não há olhadelas para trás para averiguar o que se deixou. Agora tanto faz o que um dia tanto importou. Outra vez gastei tantas palavras que não encerram nada. Vou dormir e só espero acordar de madrugada se acaso sonhar com o amor. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário