quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Besouro verde

     Meses atrás, ou anos, eu não me recordo precisamente, algo curioso ocorreu. Um besouro verde entrou pela janela. Nunca fui antipático com besouros, mas tampouco reservava simpatia àquele tipo de inseto, entretanto, o besouro verde claro e quase fosforescente parecia carregar uma mensagem, algo secreto. Eu bem sabia que nenhum segredo verdadeiro é contado aos fins de tarde, mas ali estava ele, aproximando-se insistentemente, diminuindo a distância de uma maneira quase insolente. Não tive dúvidas de que ele corria seus riscos por mim. Observei ele por alguns minutos, impacientei-me, tirei uma foto do pequeno, ainda desconhecendo se era vilão ou herói. Sofreria o besouro verde por ser verde assim como o patinho feio por ser feio? Sua aparência inevitavelmente suscitou em mim uma divagação. O conto popular narra a transformação do pato feio em cisne, mas a ovelha negra nunca pôde deixar de ser negra assim como o besouro verde nunca poderá deixar de ser verde. Pego-me numa lamentação soturna... Ai ai ai, pobre besouro, pobrezinho.

     Esqueço-o. É assim que deve ser com os problemas que não são assim tão nossos. Se eu soubesse como alimentar um besouro, bom, eu talvez tivesse tentado, mas o que diabos eu poderia fazer por ele? Poupar-lhe a vida, pois é assim que o instinto trabalha com coisas que julgamos menores do que nós. Há sempre uma oportunidade de  vilipendiar o outro, desprezá-lo, cuspir-lhe, ainda que seja apenas uma nova metáfora para que você escancare o seu desespero. Há os crus o bastante ao vivo ao ponto de se tornarem sem graça. Quando possuem a chance, ainda que não pessoalmente, atuam-se, como grandes artistas circenses fazendo uma performance ao público. Essas pessoas dotadas de talento sempre me colocam um ponto de interrogação na cabeça. A arrogância é do ser original ou do personagem? A pose é usada para uma defesa necessária ou para um ataque cruel? O besouro verde ainda só pode ser verde. Eu tenho cabelo preto igual tantos. Eu tenho dentes igual tantos. Eu sou um ser humano igual tantos. Como explicar me sentir um besouro verde?

     Qualquer dia desses posso entrar pela sua janela. Então vou parar perto de você e se você me der algum tempo, eu vou te entender. Bom, eu vou estar por ali, seja besouro verde, ovelha negra, patinho feio ou dragão desajeitado. Vou quebrar lâmpadas esticando os meus braços, ainda que o teto seja baixo desde 2013 e eu devesse me lembrar. Vou me esconder por dias para escrever textos e imergir em mim, pois frequentemente pego me desconhecendo, ainda que eu sempre me estude. Vou voltar e talvez minhas atitudes demonstrem que não quero saber das coisas que aconteceram em minha ausência. Alguns dias, eu vou reclamar que não inventaram óculos de grau que ficam bem no meu rosto. Outras vezes, eu vou agir como o homem mais capaz do mundo e serei exatamente este homem com essa capacidade. Talvez quando o inverno terminar, bem, você possa notar que a minha invernia pessoal se estenda. Posso ser gelado ocasionalmente, embora minha natureza seja quente. Você vai se acostumar com os ovos no café da manhã ou vai embora. Eu mesmo posso partir eventualmente. Meu coração nômade é especialista em amar, mas poucas vezes não se ofendeu com amores. Sou assim, besouro verde na vida. Às vezes chego em uma vida e de cara percebem que sou especial. Outras vezes noto que reparam no que me torna único e me enxotam, mas sou um besouro verde com asas. Aprendi a não fazer questão de quem não faz questão de mim. A vida passa e as pessoas também e que se danem os monocromáticos. Talvez existissem mais besouros coloridos por aí, acaso a cor que os definisse não fosse tão severamente atacada. Eles opinam sobre tudo. Você vê que eles não entendem nada. Há dois mistérios nessa história. Fiz questão de apagar todas as fotos que tirei do besouro diferente e isso nem sei explicar. Queria que a singularidade dele fosse exclusivamente minha e hoje me pego compartilhando essa história sem meios eficazes de prová-la. Acredite quem quiser... 

    O segundo mistério é que eu tinha o costume de fechar a sacada do terceiro andar cedo. Não desejava a companhia dos besouros e eles se aglomeravam no vidro, mas jamais passavam. Dezenas ou centenas de besouros marrons ou pretos unidos como espécie comum com os bichos de luz fracassavam miseravelmente em entrar no meu apartamento, mas aquele besouro verde inventou um jeito. Na minha mente imaginativa, eu imaginei se o verde havia conseguido finalmente fugir para um lugar melhor ou se ele havia sido premiado com a cor exuberante por ser mais intrépido. Fui dormir naquela noite assim como vou agora. Seria fantástico se houvessem mais insetos coloridos lá fora.

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