quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Noite para solitários

     Uma noite para solitários, eu pensei, provavelmente seria o nome ideal para o texto qual pretendo escrever. Cogitei mensagens para os amigos, mas eles estavam certamente ocupados. Não que eu estivesse realmente sozinho no apartamento em qualquer momento durante a escrita deste texto, mas os que estavam comigo logo se fizeram absortos em outros universos. Cada um é um oceano, não é? Algo assim ou apenas uma gota em um único oceano, se você preferir. Entende essas metáforas breves? Se esta noite é para solitários e solitários somente, eu confesso que vou aproveitá-la da melhor maneira. Eu já fui ao jogo e vencemos e já comi a pizza e a digestão foi feita e tomei mais de oito cervejas, mas isso antes das 18h00 e aí tomei um copo de Coca-Cola. Tive três oportunidades para sair de casa, mas eu sou um solitário de merda e muitas vezes sem valor. De quando em quando preciso da minha solidão. Suma o mundo e eu vou ficar aqui sozinho cantando uma canção ou nenhuma. No prédio da frente alguém termina de tomar o banho e logo se arruma. Existe noite dentro da noite em São Paulo e eles estão na intenção de aproveitá-la. Estão certos, mas seus corações hoje não poderiam suportar o peso de uma noite quieta e só. Quem é que pode culpá-los? Daqui conto agora catorze janelas acesas. Não que as janelas pisquem, mas falo das lâmpadas dentro dos lares. Catorze vidas diferentes da minha e eu aqui só pensando em mim, eu sei, extremamente idiota, como se qualquer pensamento em uma madrugada de sábado mudasse qualquer coisa. Nunca muda. Sinto um pouco de falta das coisas que estão faltando, mas só a chuva tornaria este momento mais lúgubre e solitário. Todo mundo que não é idiota sabe apreciar o charme da chuva e das boas coisas quando elas estão por aí acontecendo e acontecendo e a gente para a vida que se leva correndo para ver o que acontece o tempo inteiro, mas geralmente bem devagar. A gente ostenta um orgulho vil do nosso código de conduta. A gente ostenta um orgulho imbecil da força que se emprega em uma luta. A gente se acostuma com o orgulho, porém, é inadmissível admitir que nos fazemos pequenos para nos encaixar em lugares minúsculos que nunca vão comportar a nossa vastidão. Todo mundo sabe que o problema de ser grande em um lugar pequeno é que você acaba espremido, sem poder exprimir sua opinião. Como não somos frutas, óbvio, não viramos suco. Apertado eu só arrefeço e diminuo e esqueço e poluo e sou qualquer coisa, exceto eu. Por aí jovens aprontam em suas juventudes imbecis e usam drogas e contraem doenças e sorriem e são felizes e fazem seus melhores e rezam para deuses e para demônios. Pedem salvação, pois foram trocados e na leviandade da juventude achamos que o mundo acaba com um fora ou uma decepção, mas a gente continua para aprender o que ensinam e até o que não querem ensinar, mas os bons alunos conseguem notar e os péssimos alunos conseguem outros tipos de aprendizado. Nós não nos valemos das coisas que podemos nos valer porque no fundo a emoção vence a pose e você se vê tão patético quanto os que você trata como opróbrios. Você bebe e bebe e bebe, mas continua sóbrio. Preferia se embriagar hoje, não? Preferia que alguém alcançasse um atalho para o seu coração, mas ninguém alcança. Você pensa que logo chega onde quer chegar, mas não vai chegar. Nem todo mundo chega. 

     A pose é importante, claro, não posso passar a impressão de fragilidade em um mundo viciado em esmagar. E olha aí como a noite se apresenta longa e a lua no céu lança sua sombra no meu corpo e aí no instante seguinte já não sei se estou vivo ou morto e não há lugar para retornar. Agora o estômago queima, a cabeça dói, o coração sofre agulhadas, mas estranhamente minhas mão estão mais firmes do que nunca. Acho que é isso que faz um escritor. Continua colocando a tinta no papel, entende? Eu sinto como se fosse natural continuar digitando neste teclado e digitaria até não sentir meus dedos. Todo o resto fora do lugar e eu aqui feliz com minhas mãos. É irônico, mas faz sentido. É bom me sentir inteiro depois de por tanto tempo estar partido. A solidão não me incomoda hoje e tampouco me comove. Qualquer cidade nova chamo de minha, mas nada é meu até que eu fique. As pessoas chegam e vão tão rápido assim como eu me deito para dormir exausto e acordo no dia seguinte até o dia em que não haverá dia seguinte. Um dia não haverá mais nada e estaremos diante do abismo que engole a vida. Sinto falta do que me falta, mas ninguém entende se não quiser entender. O meu problema é que eu nem sempre sei o que quero querer. Sei o que me é aprazível e poderia gastar outra madrugada descrevendo o indizível para tentar te fazer entender, mas não. Eu me cuido e você se arruma. Assisti quando sua versão antiga partiu na bruma. Todos que podem melhorar também podem piorar. Tanta gente se achando tão madura e fazendo pouco caso das oportunidades que estão por aí e se apresentam como são e aparecem como devem aparecer e você não pode dormir agora, mas quer e pode dormir logo mais, mas logo mais não é o suficiente. A noite é longa e a pose te abandona. Noto que agora são oito luzes acesas. Num quarto mais baixo uma mulher fecha a cortina e tive a impressão de ver mais uma mulher e outro homem. As cortinas não se fecham sem motivos em dias tão quentes. Eles farão sexo e eu continuarei escrevendo. Provavelmente eles ainda vão adormecer antes que eu. As outras janelas então apagadas sinalizam uma despedida. Parte deles optou por dormir e outros começaram a noite. O que é que me espera? Eu sei. Como alguns salaminhos na cozinha e preparo um leite gelado com Nescau. Bebi muitas outras coisas hoje e basta! Um leite gelado com Nescau é o que eu preciso. Volto ao computador e cá estou a escrever ou tentar me descrever apenas para que me sinta objetivo, porém, falho miseravelmente. Nunca durmo com fome e nem me esqueço de um nome, mas um dia esse talento se perde. Escuto alguns berros dos moradores das ruas e percebo que suas discussões são muito mais pontuais que os meus textos. Vai fazer frio e eu mereço esfriar, mas penso nas pessoas lá fora até o momento em que não penso mais. Ah! Eu estive errado. O clima é quente como raras vezes foi e acabo de conferir a previsão. Vai esquentar ainda mais! Cruzes! Toda tragédia é tão singular quanto banal. Sei que as minhas me pertencem. Hoje a minha banalidade é a sensação de incapacidade de escrever um texto. Ainda assim, eu teimo em fazer o que sinto que hoje não posso fazer.

     Durmo duas horas e depois vinte minutos. Trabalho incansavelmente por quatro dias e paro por dois. Queria continuar a escrever agora, mas é melhor deixar para depois. Quando a cidade dorme é que me sinto acordado e insone. Durante os dias anoiteço e preciso descansar, mas não descanso. Minhas olheiras são cada vez maiores e mais roxas, mas minhas atitudes me guiarão para um futuro sensato. Faço o que mais amo e assim nunca me mato. Cumpro minha missão, sou todo coração e por mais esse dia me sinto absolutamente grato. 
 
     Para os que foram cedo desejo bom dia. 
     Para os que foram tarde desejo boa noite. 
     Espero que tenham um ótimo restante de hoje.
    

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